• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO VI CONQUISTA E MANUTENÇÃO DOS POSTOS DE PODER

6.4 O PROCESSO DE CONQUISTA DOS CARGOS

Examinadas as benesses obtidas pelo grupo estudado, as posições conquistadas adquirem significante expressão de melhorias econômico-financeiras e de bens simbólicos de poder. Em verdade, um grupo de indivíduos, estabeleceu uma prática de auto favorecimento no meio ambiente burocrático da administração pública brasileira que nada tem de espontânea, ocasional e muito menos de representação ilusória da realidade social.

No mundo social, o simbolismo de poder associa-se a outro, a força econômica, em sua mais estrita dimensão de riqueza. O cargo é sua representação. O cargo é um “reflexo” das relações que alguns participantes estabelecem entre si, na realidade onde vivem. A ambição é salutar. Mas, no caso, mais que moeda de troca o caminho percorrido por esse grupo é fruto de uma forma de coerção, imagem-síntese do mito do poder e do prestígio obtido na obscuridade.

A partir da vitoriosa conquista dos cargos, o grupo de agentes sociais, originalmente organizado sobre a nobre perspectiva de mudança, passou a receber o

reconhecimento e ajuda do poder. Posteriormente para garantir o status quo no poder estabelecido, o grupo desviou-se para pressupostos de manutenção.

O PNOVO, assim, tornou-se um objeto de luta tendo em vista o empoderamento do grupo, não apenas um locus de ação ou um campo de luta, onde muitas vezes vale a competição, o duelo, a disputa, a sabotagem e por vezes até o litígio. Entre a instituição, os participantes e os que se encontravam em posição dominante no grupo de poder , dada a sua intepenetração, o PNOVO passou a representar status, a ser disputado como um instrumento para a mobilização e conquista política. Mas, a prática da mudança como reflexo do discurso é uma imagem-síntese meramente simbólica, construída para o imaginário social de todos, sobretudo os outsiders. Daí a acirrada concorrência das unidades representadas no Projeto.

As lutas simbólicas dos protagonistas, no campo político, produziram conteúdos atendendo tanto necessidades internas quanto externas dos agentes exteriores ao campo. Guardavam relação com o quantum do capital simbólico acumulado. Uma vez que os agentes estavam hierarquizados há uma relativização. Ocorreu de acordo e em conformidade com suas situações na estrutura interna e em consonância com o capital simbólico incorporado. Os que estavam numa posição de dominados passaram a produzir discursos de subversão da ordem e os dominantes a produzir discursos de perpetuação de sua legitimidade.

Assim, pode-se compreender o porquê da desfiguração do PNOVO e da adoção do discurso do PGESTÃO e do PIM, peças de perpetuação de comando e não de conteúdos ou de propostas de mudanças. As transformações preconizadas no PNOVO, podem hoje ser entendidas como mera suposição, descartadas com o discurso travestido de “planejamento participativo”. Do mesmo modo, que “participação de todos”, o novo mote do ideário de governo, pode também ser considerado mera retórica de discurso político, na perspectiva do comando ora estudado.

Ora, é importante relembrar que a sofisticada teia de frustração, de submissão e de controle das situações do Projeto é longa e sinuosa. Vai desde o isolamento diplomático de pessoas ao aniquilamento de insurgentes, até a implantação diferenciada do PNOVO, por meio do PGESTÃO e do PIM. Óbvio que em momentos de crise, o desenvolvimento de

conflitos sociais e as tentativas de resoluções pragmáticas, por vezes, não são suficientemente delineadas dentro de um processo de efetiva racionalização.

De fato, o conceito de autocontrole é um componente necessário para a transição social e para o conhecimento do pensamento e da realidade. Mas o reducionismo do modelo estrutural da Diretoria-Colegiada para uma estrutura de linha de hierarquia vertical com Presidência, deve-se à uma opção de comando impositivo.

Foi escolhida para que a reforma estrutural da entidade estudada se fizesse rapidamente no intervalo de mudanças, com o objetivo de consolidar a posição dos estabelecidos. Essa a função da medida.

Elias70, com suas noções de passagem do conceito de ação para o de função, muito contribuiu para o entendimento desta relatora sobre a questão acima. Foi muito importante o seu alerta que o conceito de função não deve ser compreendido como expressão de desempenho de ação unitária, o qual omite reciprocidade, bipolaridade e multipodaridade, mas um termo que deve ser entendido de forma relacional, notadamente com o poder, ao longo do processo dos fatos históricos.

Por essa razão o estudo da continuidade do PNOVO se tornou relevante, pois o projeto de implantação demandaria melhorias e avanços indispensáveis de tecnologias de informação impulsionando os processos executivos das diversas áreas. Essas diretrizes ganham privilégio nos projetos conseqüentes, PGESTÃO idealizado na nova perspectiva funcional do “planejamento participativo” e, logo a seguir, o PIM com suas novas dimensões e conceitos tecnológicos em curso.

Detecta-se aí uma singular questão de informação e de sua tecnologia. As entrevistas apontaram que essa questão fundamental, fulcro da modelagem de processos, terminou sendo relegada para segundo plano até ao descaso. Após seqüentes esforços de busca de solução no Estado do Rio de Janeiro culminaram com a desistência da geração de

softwares indispensáveis à modernização da organização econômica. O modelo

“colegiado” para a tomada de decisões deixou de existir e foi substituído. Essas são concepções que têm, provavelmente, grau de interdependência. Ou seja, os gestores adotaram, supostamente, a verdade de sua história incorporada, o planejamento participativo, o que traduz uma incoerência. O fundamento desse fenômeno é o habitus,

noção basilar da teoria sociológica referente à subjetividade dos indivíduos e de sua predisposição para a ação, explicada por Elias (2001). O seu conceito ajuda a entender o comportamento de classes, e a também compreender essa ocorrência de aproximação conceitual função-ação-habitus, sobretudo no momento de afirmação de poder .

A propósito, o termo poder para Elias traveste-se de um caráter representativo de desigualdade no processo de desenvolvimento das sociedades humanas. Elemento integral de todas as relações, o equilíbrio apresenta-se de forma bipolar e multipolar. Está sempre em jogo.

Assim, as interpenetrações contínuas com representação das pessoas no Projeto, ligadas umas à outras no tempo e no espaço, explicam a dinâmica imanente na sua interdependência, na seqüência de movimentos dos cargos e nomeações. Jogos multipessoais de vários níveis e o oligárquico estão ai presentes. O equilíbrio do poder pendendo para o mais elevado nível se acentua na busca da manutenção do controle. As forças coercitivas foram postas à prova no PNOVO, superando em última instância, o reducionismo unilinear pautado na relação causa-efeito.

De fato, sobre a pretensão inicial em aproximar propostas, percebe-se um percurso controlado de encaminhamento aproximativo para os novos conceitos, novos objetivos e novos interesses para evidenciar a participação ativa dos recém-estabelecidos. O desvendamento desses aspectos, entretanto, não foi objeto desta pesquisa, constituindo-se tarefa oportuna de novas pesquisas e investigações.

Em princípio, é pressuposto que num Estado ideal e numa democracia ideal, o poder venha a ser fragmentado e distribuído numa vasta coleção de representados. Não se sublinha aqui a questão do mérito, mas sim, do maior número de grupos e de organizações que, no modelo democrático, tendem sempre a buscar legitimidade do poder. Nem sempre são os melhores atores os que buscam os melhores desempenhos, concorrendo para a obtenção de maior prestígio, maior poder, aumentando seu capital de poder e capital simbólico. Por essa razão, os canais de acesso aos cargos são de livre provimento.

A situação vivenciada no Projeto levanta, pois, uma questão referente ao papel dos cargos e de seu provimento numa burocracia ideal. Pode-se admitir pelos resultados desta pesquisa e pelos movimentos estudados que o primado de nomeação para cargos de

confiança tornou-se questionável. Fragilizado porque manipulado diante de um viés que subverteu normas e procedimentos de ascensão. O distorcido trato político-social e administrativo tomou lugar de um equilibrado conjunto de elementos de influência. O que se afirma não surpreende. Já se acentuou no Brasil, que o Estado não é mero espectador das atividades sociais. Tem múltiplas atuações, em todas as manifestações, cujo desenvolvimento e cuja vida deve planejar, ordenar e regular. E não meramente espelhar.

Ora, nomeações fazem parte e são instrumentos poderosos da meta cultural da administração pública brasileira. É uma norma e como tal resulta da realidade social. A norma jurídica, Lei 1.812/90, art, 8º, inciso I, como reflexo da realidade, estabelece que os cargos de confiança são de livre nomeação para prover os postos públicos. Historicamente tem sido utilizado como mecanismo de acomodação de interesses políticos.

Desse modo, a utilização de nomeações como moeda de troca do jogo político, é conseqüência do repertório do imaginário social de ascender ao poder, alimentado pela sociedade, o que remete ao exame da dimensão de valor. Quando as vias de acesso se tornam vulneráveis, de modo a permitir o empoderamento de alguns para fazer prevalecer seus interesses e não os coletivos, é passada a hora de redimensioná-los. Não se trata entretanto de defender a meritocracia e a generalização dos critérios weberianos, adotados desde o final de 1930, em muitos países. A questão é mais complexa.

No Brasil, lamentavemente, a generalização tardia e inconclusa das noções weberianas, não levou em frente suas recomendações de despolitização dos objetivos da administração publica para fazer prevalecer o valor da impessoalidade. Mas isso também não pode significar a culpabilização dos políticos em relação aos técnicos no foco crítico, pelo que se depreende do Caso em estudo, que quase pode ser entendido como de auto- comissionamento de servidores. Do mesmo modo não se deve entender que o saneamento e depuração do modelo somente seriam obtidos pela via do concurso público. O Caso estudado mostra a necessidade de controle mútuo, noção não referenciada na obra de Weber.

Em primeiro lugar, talvez mais conte nessa questão a longa permanência no poder não ser prática saudável porque expressão de desigualdade, pela predominância do poder, em governos sucessivos. Em se tratando de cargos de direção a visão da escolha de critérios técnicos também não responde, por si só, aos critérios de perfil de talentos,

esforços que dão suporte, competência e habilidades adequadas para os que exercem direção e comando. Visão de construção do futuro, vitalidade no enfrentamento do stress, ética, valores alargam os senso de mérito e do conhecimento, como exemplos de qualidades indispensáveis. O que incentiva dar ênfase aos estudos de correlações de variáveis para configurar melhor as habilidades de “agentes públicos” aptos a desempenharem a função de “transformadores da realidade”, agentes de mudança na perspectiva de melhorias e de preservação do interesse público, no zelo da coisa pública.

Em segundo lugar, a urgência de valoração positiva do setor previdenciário seria o primeiro e relevante aspecto a ser considerado, na perspectividade da alta rotatividade dos postos de poder para assegurar sustentabilidade de medidas e equilíbrio e firmeza no comando das organizações. Nesse ponto cabe importante indagação. Como pode ser levado adiante um processo de reforma e modernização como o previdenciário, cuja demanda é inquestionável segundo o senso comum, se num pequeno espaço de tempo 2002-2008, só pelo atual Governo, seis ministros e sete presidentes da principal organização econômica do setor foram nomeados para o cargo e trocados? E mais, porque, se tão ambicionados politicamente são o setor e suas instituições, não salvaguardá-los da avidez de ocupação e da manipulação, dada a sua significação estratégica para o país, dada a sua relevância para o projeto de nação?

Os achados desta pesquisa sublinham, pela magnitude dessas questões, a importante tarefa de redimensão que a administração pública brasileira tem a sua frente. As entrevistas que deram vida a esta dissertação possibilitaram detectar o nexo dos movimentos, desvendando e verificando verdadeira, a hipótese levantada. Além disso, mostraram a regularidade, a implicação, o reflexo e as conseqüências do objeto investigado, revelando o nexo do “mercado de negócios técnico-político-social” levado a termo por estabelecidos em ação. Esse mercado, entretanto, funciona de forma paralela ao vigente, estabelecido historicamente por força das relações entre o executivo e o legislativo. Essa uma relação que urge ser redimensionada em benefício dos mais altos interesses nacionais.