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Do processo de construção da norma jurídica: o sistema do direito positivo e o ordenamento jurídico

1.4. Do processo de construção da norma jurídica

1.4.3. Do processo de construção da norma jurídica: o sistema do direito positivo e o ordenamento jurídico

O direito positivo, como vimos, é composto pelo conjunto de normas jurídicas válidas. Percebe-se, pois, a necessidade da idéia de conjunto, de complexo. 48

Isto nos permite vislumbrar e diferenciar os conceitos de sistema do direito positivo e ordenamento jurídico.

TAREK MOYSES MOUSSALEN inicia esta diferenciação lembrando da proposta de HANS KELSEN, nos seguintes termos:

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MOUSALLEN, Tarek Moyses. Revogação em matéria tributária, São Paulo, Noesses, 2005, p. 109.

47

“Cumpridas todas estas diligências, poderá o interprete dizer que construiu a norma jurídica, empreendimento intelectual e emocional que não lhe custou pica energia. Sendo ele órgão do sistema, terá agora de formalizá-la em linguagem competente, surgindo mais elementos objetivados no plano S1. Caso não seja, terá igualmente de exará-la em linguagem própria, o que importa reconhecer que, do subsistema S3, voltará ao subconjunto S1, nele consignado a marca física de sua construção exegética.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito tributário, 17º Ed, São Paulo, Editora Saraiva, 2005, p. 129).

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Neste sentido, MOUSALLEN, Tarek Moyses. Revogação em matéria tributária, São Paulo, Noesses, 2005, p. 125.

O discernimento entre os critérios de pertinência aos sistemas do direito positivo levou KELSEN a propor o famoso modelo dos sistemas estáticos e sistemas dinâmicos. Haveria sistema estático ao se empregar o critério de dedutibilidade às normas, tornando-o um sistema dedutivo, e seria dinâmico quando se trabalhasse com o critério de legalidade. Enquanto no sistema estático dá-se ênfase ao enunciado (e as normas jurídicas construídas), no sistema dinâmico a nota característica estaria no ato de enunciação. (...) Emprega-se a expressão “sistema do direito positivo” para se referir ao conjunto de normas estaticamente consideradas. A voz “ordenamento jurídico” é usada no sentido dinâmico “de seqüência de conjuntos de normas”, ou seja, “uma ordem jurídica é, de acordo com esta convenção, uma seqüência de sistemas normativos”. 49

Nesta visão, percebemos que a diferença entre sistema de direito positivo e ordenamento jurídico está, de certa forma, em sua abrangência. Ao tomarmos o sistema do direito positivo como o conjunto de normas válidas, dadas determinadas condições de tempo e espaço, não podemos deixar de considerar que em diferentes referenciais de tempo e lugar, teremos diferentes sistemas de direito positivo (outras normas jurídicas válidas).

Em outras palavras: toda vez que estivermos diante de introdução ou exclusão de uma norma jurídica do sistema estaremos, a rigor, diante de um sistema diferente. Portanto, temos uma sucessão de sistemas de direito positivo,

49

MOUSALLEN, Tarek Moyses. Revogação em matéria tributária, São Paulo, Noesses, 2005, p. 129.

na medida em que novas normas são introduzidas e retiradas, de maneira constante.

Neste sentido, as palavras de DANIEL MENDONÇA:

Existe expansão de um conjunto de normas quando se agrega (pelo menos) uma norma a esse conjunto; existe contração de um conjunto de normas quando se elimina (pelo menos) uma norma desse conjunto; existe revisão de um conjunto de normas quando se expande uma contração, é dizer, quando se elimina (pelo menos) uma norma desse conjunto e se agrega a ele outra norma, incompatível com a eliminada. Claro está que se um sistema normativo é definido como um conjunto de normas, qualquer mudança nesse conjunto nos leva a outro sistema, distinto do anterior. 50

Isso nos levaria a afirmar que uma norma, ao ingressar no sistema do direito positivo, jamais o deixa. O que ocorre é a sucessão de um novo sistema de direito positivo. Com essa concepção, não temos dificuldade de entender como aplicar normas revogadas (decorrente da revogação da lei, por exemplo), em momento posterior (no momento do lançamento), pois o que aplicaremos não serão norma revogadas, mas apenas estaremos trabalhando com outro sistema de direito positivo (o vigente no momento da ocorrência do evento).

Neste sentido, as afirmações de EUGENIIO BULYGIN:

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MENDONCA, Daniel. Las claves Del derecho, Barcelona, Gedisa, 2000, p. 140, citado por MOUSSALEN, Tarek Moysés. Revogação em matéria tributária, São Paulo, Noesses, 2005, p. 130.

A afirmação de que uma norma deixa de existir em um certo momento pode dar lugar a confusões. Tudo o que há é uma série de diferentes conjuntos de proposições e uma proposição “p” dada pode pertencer a alguns de tais conjuntos e não a outros. Se “p” pertence a um certo conjunto, nunca deixa de pertencer a ele, mas pode ocorrer que não pertença ao conjunto seguinte. O que fazemos é tomar em momentos diferentes conjuntos diferentes como pontos de referência para nossas asserções de que certas proposições (ou estado de coisas) são obrigatórias, proibidas ou permitidas: isto produz a ilusão de mudança temporal. Mas em realidade, as proposições normativas são atemporais, pois se referem sempre a um sistema determinado. Portanto, a proposição “p é obrigatório em A” é verdadeira ou falsa, mas se é verdadeira, o será sempre, ainda depois da derrogação de “p”. 51

Concluindo, o percurso construtivo do direito inicia-se com a introdução de enunciados, que são interpretados, construindo-se normas jurídicas, que relacionadas entre si formam um sistema jurídico, mutáveis no tempo, organizados todos no ordenamento jurídico.

Estas diferenciações foram comentadas por PAULO DE BARROS CARVALHO, em atualização de sua obra, apesar de utilizar as expressões

ordenamento, ordem positiva, direito posto e direito positivo como sinônimos:

51

ALCHOURRON, Carlos e BULYGIN, Eugenio. La concepcion expressiva de las normas, In

Analisis lógico y derecho, Madrid, Centro de Estúdios Constitucinales, 1991, p. 134, citada por

MOUSSALEN, Tarek Moysés. Revogação em matéria tributária, São Paulo, Noesses, 2005, p. 132. O mesmo autor ainda cita PABLO EUGENIO NAVARRO, que se manifesta no seguinte sentido: “Os sistemas jurídicos são sistemas momentâneos: cada vez que se incorpora ou subtrai uma norma do sistema, obtemos um sistema normativo diferente. O intervalo entre dois pontos temporais nos quais se introduz ou remove uma norma é o tempo externo de um sistema normativo Sn. A seqüência de todos os instantes nos quais um conjunto de normas é aplicável é o tempo interno de cada norma”. (Citado por MOUSSALEN, Tarek Moysés. Revogação em matéria

Não são poucos os autores que insistem na distinção ente ordenamento e sistema, tendo em vista o direito positivo. Os enunciados prescritivos, assim que postos em circulação, como conjunto de decisões emanadas das fontes de produção do direito, formariam matéria bruta a ser ordenada pelo cientista, à custa de ingentes esforços de interpretação e organização das unidades normativas em escalões hierárquicos, até atingir o nível apurado de sistema, entidade que apareceria como resultado desse intenso labor estruturante, sem contradições, isento de ambigüidades a pronto para ser compreendido pelo destinatário. O ordenamento seria o texto bruto, tal como mediado pelos órgãos competentes e tomado na multiplicidade de quem legisla. Melhor, seria o conjunto ou a totalidade das mensagens legisladas, que integrariam um domínio heterogêneo, uma vez que produzidas em tempos diversos e em diferentes condições de aparecimento.

Observado segundo esses padrões, o direito posto não alcançaria o status de sistema, reservando-se o termo para designar a contribuição do cientista, a atividade do jurista que, pacientemente, compõe as partes e outorga ao conjunto o sentido superior de um todo organizado. Ordenamento e direito positivo, de um lado, sistema e Ciência do Direito, de outro, seriam binômios paralelos, em que os dois últimos termos implicam os primeiros. 52

52

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos jurídicos da incidência, 4ª edição, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 47.