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5.1 – Processo de definição da TV Digital no Brasil – breve histórico

Figura 32 – Linha do tempo da Televisão digital no Brasil. (Fonte: TOME, 2005)

Para Martins e Holanda (2005), apesar de a TV digital estar sendo estudada desde 1994 pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e pela Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (SET), do ponto de vista tecnológico, o processo governamental para a tomada de decisão quanto à transmissão digital a ser utilizada no Brasil no Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens (Serviço de Radiodifusão) teve início, efetivamente, em 1999, sob a coordenação da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Concomitantemente, as concessionárias do Serviço de Radiodifusão (emissoras) foram autorizadas a executar testes de laboratório e de campo com os sistemas de transmissão digital, avaliando os aspectos técnicos concernentes à qualidade do serviço. Os sistemas testados -por um grupo de trabalho composto por 17 emissoras e pela Universidade Mackenzie, da cidade de São Paulo -foram os três

existentes à época: o ATSC (Advanced Television Systems Committee), o DVB- T (Digital Video Broadcasting, Terrestrial) e o ISDB-T (Integrated Services Digital

Broadcasting, Terrestrial).

Além do acompanhamento de campo, a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Telecomunicações (Fundação CPqD) prestou assessoria técnica na especificação dos testes, acompanhando-os, uma vez que foram realizados pelas emissoras, e apresentando a análise dos resultados obtidos. Ao final dessa fase, ficou evidente que a introdução da tecnologia digital na televisão aberta não seria uma simples substituição da forma de transmissão de sinais. Foram ressaltadas as implicações econômicas e sociais que a escolha da plataforma digital acarretaria para o Brasil, assim como as possibilidades de novas formas de exploração do serviço, implicando novos mercados para todos os agentes envolvidos, dentre os quais, prestadores de serviço, fabricantes de equipamentos e produtores de conteúdo tradicionais ou aqueles voltados à exploração de novas mídias.

O resultado dos testes feitos pelo grupo ABERT/SET foi divulgado em 2000. “De acordo com Gustavo Spolidoro, da executiva da Enecos, foi uma grande surpresa internacional recomendar o sistema japonês ISDB, referendar o europeu DVB e apontar o norte-americano ATSC como o menos adequado. E, é claro, como verificou Spolidoro, os norte-americanos não gostaram do posicionamento brasileiro e passaram a pressionar o país. Isso fez com que a ANATEL desacelerasse o processo de decisão” (citado em CABRAL A. V.; CABRAL E. D., 2005).

A complexidade dessa decisão levou a ANATEL a realizar a Consulta Pública nº 291, de 12 de abril de 2001, além de audiências públicas. Apesar de as contribuições revelarem os interesses conflitantes dos diversos segmentos envolvidos, houve consenso quanto ao entendimento de que tal decisão deveria levar em conta não apenas a opção por um padrão de transmissão para a

plataforma digital, mas também as demais definições e suas implicações, principalmente quanto ao plano de canalização44.

No primeiro semestre de 2002, a ANATEL voltou a solicitar apoio à Fundação CPqD para realizar a análise de riscos e oportunidades da implantação da TV digital no Brasil. Esse trabalho incorporava ao processo decisório a maioria das questões entendidas como fundamentais e que não foram consideradas nos trabalhos anteriores, envolvendo, além dos aspectos tecnológicos, algumas perspectivas econômicas, sociais e culturais. Neste momento as partes interessadas se restringiam a emissoras e aos fabricantes de equipamentos receptores, que mostraram pontos de vista diversos sobre qual deveria ser o melhor padrão de transmissão a ser adotado no Brasil e qual a melhor forma de organização do plano de canalização.

Naquele momento, o processo de análise para suporte à decisão era quase que totalmente pautado pela dimensão tecnológica, em torno da escolha de um dos três padrões de transmissão existentes. O ponto de partida dessa análise era um quadro de experiências dos países que passaram por tal processo decisório, tanto dos que já se encontravam em operação como daqueles em processo de definição. Esse panorama internacional possibilitava identificar os fatores e condições que determinaram a decisão, assim como os fatores de sucesso e de malogro.

Um novo marco se firmou no processo de escolha do padrão a ser adotado pelo Brasil com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Segundo Cabral e Cabral (2005), durante o governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002), os lobbies eram prática comum. Os representantes de cada sistema tentavam convencer o governo a adotar sua proposta. Porém, com o governo do presidente Lula, essa situação se alterou. Passou-se a questionar a simples adoção de um dos padrões existentes e abriu-se o espaço para se discutir a abrangência que as soluções de base tecnológica

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entende-se como plano de canalização não apenas a distribuição espectral e geográfica das estações, como ocorre no Plano Básico de Estações Radiodifusoras e no Plano Básico de Estações Retransmissoras de Televisão em VHF e UHF, mas a forma como o sinal digital de uma concessionária desses serviços pode ser alocado no espectro, envolvendo uma eventual alteração do tradicional compartilhamento em janelas de 6 MHz.

deveriam atender, em face da variedade de demandas dos diversos setores da sociedade brasileira. Não se trata mais de se verificar qual a abrangência de cada um dos sistemas, mas sim identificar qual a abrangência que o Brasil deseja. Com isso, dentre outras propostas, exigiu-se que fosse criado um novo sistema, um sistema brasileiro de televisão digital e que, para sua criação, a sociedade civil estivesse envolvida em todo o processo.

No relatório que o grupo ABERT/SET enviou ao governo, em fevereiro de 2003, o importante era a adoção de "um modelo que privilegie a diversidade e a facilidade de recepção pelo ar e a flexibilidade, para que cada emissora possa contar com as ferramentas necessárias para viabilizar seu empreendimento". Já no governo Lula, a preocupação foi adotar um sistema que se adapte à realidade brasileira, entendendo a TV digital como promotora da inclusão social da população. Possibilitou-se, então, a mobilização em torno da idéia de um sistema nacional de TV Digital. De acordo com o ex-secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, atual diretor da Anatel, Pedro Jaime Ziller de Araújo, em entrevista concedida à revista TI em novembro de 2003, a principal diferença entre o governo Lula e o governo FHC é a seguinte:

[...] no governo Fernando Henrique, foi proposto que a Anatel tomasse uma decisão a respeito desse assunto. Já o governo Lula encarou a TV digital como um problema de governo, que deveria ser resolvido por todo o governo e não por uma agência reguladora ou um ministério. Isso é ver a televisão não como um entretenimento, mas como um instrumento de inclusão social. A TV digital trará nova tecnologia e possibilitará inúmeras alternativas à mídia brasileira.

O momento culminante deste período se deu ainda no ano de 2003, mais precisamente em 26 de novembro deste ano. Quando foi publicado o Decreto nº 4.901, que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD). Este decreto destaca, dentre seus objetivos: a promoção da inclusão social; a criação de uma rede universal de educação a distância; o estímulo à pesquisa sobre tecnologia de informação e comunicação; o planejamento e a viabilização do processo de transição da televisão analógica para a digital; o estímulo à evolução do serviço de televisão analógica, possibilitando o desenvolvimento de inúmeros serviços

decorrentes da tecnologia; as ações e os modelos de negócios para a televisão digital adequados à realidade econômica e empresarial do país; dentre outros. (ver anexo 2)

Para evitar impedimentos econômicos, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital pode ser financiado com recursos provenientes do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações – FUNTTEL (órgão subordinado ao Ministério das Comunicações), ou ainda por outras fontes de recursos públicos ou privados, cujos planos de aplicação serão aprovados pelo comitê de desenvolvimento do SBTVD (art. 92 do Decreto n° 4.901, de 26 de novembro de 2003). (ver anexo 2)

Para envolver outros setores da sociedade interessados na temática, o Governo criou dois comitês (o comitê de desenvolvimento e o comitê consultivo) e um grupo gestor. O comitê de desenvolvimento, oficialmente empossado em 10 de março de 2004, presidido pelo Ministério das Comunicações e composto por órgãos da administração federal, tem como função estabelecer as diretrizes estratégicas para a implementação da tecnologia digital no Serviço de Radiodifusão e fixar as diretrizes básicas para o estabelecimento de modelos de negócio de televisão digital, entre outros aspectos.

O comitê consultivo é formado por representantes da sociedade civil organizada ligados ao tema TV digital e à produção de conteúdo, e tem a função de propor ao comitê de desenvolvimento diretrizes e ações relativas ao SBTVD. Ao grupo gestor compete a execução das ações relativas à gestão operacional e administrativa, destinadas ao cumprimento das estratégias e diretrizes estabelecidas pelo comitê de desenvolvimento. O grupo gestor foi empossado em 10 de março de 2004 e, desde então, reúne-se semanalmente para garantir o correto andamento do projeto SBTVD.

Na fase de análise e decisão, o projeto SBTVD foi dividido em vários subprojetos, que serão conduzidos por uma ampla gama de instituições de pesquisa, integrados pela Fundação CPqD e coordenados pelo grupo gestor. Para tal, o FUNTTEL assinou, em dezembro de 2003, convênio com a Fundação CPqD, autorizando a liberação de 65 milhões de reais (cabendo, à época, 15 milhões para a fundação e

50 milhões para as demais instituições de pesquisa e desenvolvimento) para a elaboração do modelo de referência do SBTVD. Da mesma forma, em sua segunda reunião ordinária, o comitê de desenvolvimento designou a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) como entidade de apoio responsável pelos convênios com as demais instituições de pesquisa e desenvolvimento.

O grupo gestor, com o apoio da Fundação CPqD e da FINEP, consolidou as diretrizes para a chamada pública e a escolha das instituições de pesquisa. O primeiro edital público do SBTVD, visando habilitar instituições interessadas em participar do SBTVD, foi publicado pelo governo federal ainda no primeiro semestre de 2004. Naquela etapa, 82 instituições foram habilitadas, de um total de 90 candidatas. A etapa seguinte foi a da divulgação de mais 19 editais, chamadas de carta-convite, acompanhadas de uma Requisição Formal de Proposta (RFP), destinadas apenas às instituições já habilitadas anteriormente. (ver anexo 3)

Desses 19 editais, publicados em três lotes, dois não tiverem nenhuma instituição aprovada, enquanto que três tiveram duas aprovadas. Os editais incentivaram a formação de redes de pesquisa, onde os estudos são realizados de forma descentralizada por várias instituições trabalhando num mesmo tema. No total, estão envolvidas 79 instituições no desenvolvimento do SBTVD, congregando mais de 1.200 pesquisadores.

Em 2005, o projeto terminou a fase de apoio à decisão, integrando os trabalhos das instituições de pesquisa e as atividades de construção e análise das alternativas de modelo de exploração e implantação. Esse conjunto de informações fundamenta a decisão quanto ao modelo de referência da TV digital terrestre no Brasil, incluindo os sistemas tecnológicos subjacentes que darão suporte aos serviços da nova plataforma de televisão.

5.2 – O SBTVD e a escolha do Padrão a ser implementado no