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2 CENTROS HISTÓRICOS – Aspectos teórico-conceituais

2.2 Processo de deterioração dos centros tradicionais

O declínio econômico e conseqüente deterioração do espaço físico de áreas centrais é um fenômeno que, desde meados do século XIX, tem se intensificado nas cidades de porte grande ou mesmo médio. A expansão industrial, juntamente com a inovação tecnológica, vem contribuir para a aceleração das transformações no modo de vida urbano. Isso se reflete na organização da cidade e no seu centro. Atualmente, a grande concentração de atividades terciárias nessas áreas determina alguns aspectos a serem considerados quanto à organização dos espaços centrais da cidade. O esvaziamento das áreas centrais destaca-se como conseqüência do crescimento industrial aliado à expansão física da malha urbanizada e ao crescimento populacional das cidades. Os investimentos privados nos centros diminuem, os dispêndios públicos são direcionados para áreas nobres do subúrbio13, os projetos habitacionais são localizados fora das áreas centrais, os imóveis são sublocados e as residências abandonadas nos centros. Enfim, esses processos, contínuos e inter-relacionados, vêm acelerar o processo de evasão dos centros. Isso em função do desenvolvimento de núcleos periféricos naturais ou pelo deslocamento de atividades centrais para núcleos direcionais, programados sem a devida estruturação ou reestruturação14 do antigo centro da cidade.

No caso da cidade de São Luís, destacamos como fatores que incentivaram o esvaziamento de seu Centro Histórico, primeiro a construção das pontes sobre rio Anil, que facilitaram o acesso à localidades situadas à Beira Mar, que acabaram

13 Em muitos casos, quando os poderes públicos atrelam suas ações aos interesses do

capital imobiliário.

14 A Carta de Lisboa (1995) define reestruturação como procedimento que “consiste na

exercendo um forte fator atrativo para a migração da população residente no Centro Histórico para os novos bairros que surgiram de forma explosiva ao longo das praias. Podemos citar ainda, a transferência da sede administrativa do Governo do Estado, que antes ficava no Centro Histórico, para o “outro lado” da cidade, contribuindo assim, para a diminuição do movimento diário residência-trabalho dos trabalhadores públicos do Centro Histórico ou ainda, para a mudança residencial dos mesmos.

No caso brasileiro, as áreas centrais iniciaram um relativo processo de declínio econômico, principalmente no período compreendido entre as décadas de 1950 e 1970. Contudo, vale esclarecer, como defende Villaça (1998, p. 274), que nesse período ocorreu o “abandono” dos centros pelas camadas de mais alta renda, o que vem provocar transformações profundas no meio urbano e centros tradicionais. Realidade reproduzida popularmente15 com a afirmação de que os centros principais se “deterioram” ou estão em “decadência”. O autor distingue esses termos de outros; como por exemplo, falta de vitalidade, pois esta última não é relativa, visto que os centros tradicionais das metrópoles brasileiras, apesar de suas notórias “decadências”,

[...] continuam [sendo] os focos irradiadores da organização espacial urbana. Continuam sendo a maior concentração de lojas, escritórios e serviços – e também de empregos – de nossas áreas metropolitanas. Atendem a mais população do que qualquer outro centro das metrópoles, uma vez que atraem maior número de viagens (VILLAÇA, 1998, p.246).

Soja (1993) afirma que os centros tradicionais das cidades contemporâneas continuam funcionando como símbolos de aglomeração e as dimensões e aspectos físicos, aparentemente modestos, podem ser enganosos. Ou seja, “o processo popularmente chamado de “decadência” ou “deterioração” do centro consiste no seu abandono por partes das camadas de alta renda e em sua tomada pelas camadas populares” (Villaça, 1998, p. 277). Em diferentes graus de intensidade, nas várias metrópoles brasileiras, esse abandono apresenta diversas manifestações, algumas delas configuradas na transferência, de atividades realizadas pelas camadas de alta renda, para as áreas de concentração destas, entre as quais destacamos: empregos, diversão, lazer, atividades culturais, compras e moradia.

Simões Júnior (1994, p. 12) explica que:

A deterioração dessas áreas centrais – deterioração econômica, física, social e ambiental – corresponde à decadência advinda pelo fato da estrutura existente no local não estar mais satisfazendo ao papel funcional que lhe é exigido pela cidade e, conseqüentemente, às expectativas definidas pelo mercado fundiário.

Villaça (1998, p. 279) contradiz tal afirmação, defendendo que não foram pelas deficiências internas nem pelo “envelhecimento”16 dos centros tradicionais que os mesmos teriam sido abandonados pelas camadas de alta renda e, conseqüentemente, teriam se “deteriorado”. Conforme argumenta, se a essas camadas conviessem, elas os teriam renovado e aprimorado, como já o fizeram no

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passado e nas últimas três décadas voltaram a fazer (com o fenômeno de revitalização de centros, sobre o qual discorreram adiante). Essas camadas sociais se deslocaram estimuladas:

a) pela crescente mobilidade espacial, motivada pelo aumento da taxa de motorização das camadas mais abastadas;

b) pela nova forma de produção do espaço, coerente com os padrões de mobilidade territorial vigentes.

Observamos que tanto Soja como Villaça centram o foco da questão da degradação dos centros na saída das camadas de alta renda, seguida da sua ocupação pelas camadas populares, e não o contrário. Os autores esclarecem, numa relação de causa e efeito, as mais lógicas razões da degradação dos centros. Parece-nos claro que as elites, pelo seu poder de influência, sempre procuram se distinguir e beneficiar-se, de forma diferenciada, seja nas relações sociais, seja nas relações econômicas ou políticas. Tal realidade se reflete no espaço urbano através das evidentes concentrações, em determinadas áreas da cidade, das camadas de alta renda, e não simplesmente pela coincidência existente entre, geralmente, áreas mais seguras e infra-estruturadas. Assim, esclarece-se o fato de que as facilidades proporcionadas pelas tecnologias automotivas – intensificadas, nas cidades brasileiras, em meados do século XIX - e informacionais – nas últimas décadas – possibilitaram a mobilidade das elites que buscavam se distinguir também espacialmente.

17 Como exemplifica Villaça (1998), com: a abertura da Avenida Central, no Rio de Janeiro,

O processo de depauperação dos centros não é particularidade brasileira. Em cidades norte-americanas, esse processo ocorreu de forma intensa. Castells (1999, p.166), ao analisar o processo de depauperação de guetos, no centro das cidades dos Estados Unidos, aponta como causas alguns processos bastante conhecidos:

A mecanização da agricultura do sul do país (Estados Unidos) e a mobilização de uma força de trabalho industrial, durante e após a Segunda Guerra Mundial, levaram à migração maciça de trabalhadores negros que se concentraram nos vazios deixados pelo processo de suburbanização, isto é, a mudança das pessoas de classe média para áreas mais nobres, fora das regiões centrais das cidades, estimuladas pelas políticas habitacionais e de transporte do governo federal.

No Brasil, a ocupação da população de baixa renda deve-se, basicamente, a três razões:

a) as condições de obsolescência e os baixos preços dos imóveis, que os centros sem manutenção oferecem, são compatíveis com as necessidades dessa demanda;

b) a facilidade de acesso proporcionado pelo grande número de opções de transportes coletivos;

c) o fato de nestas áreas se concentravam comércios, serviços e empregos, atividades não disponíveis nas periferias ocupadas por população da baixa renda.

Frúgoli Júnior (2000) aponta o surgimento e posterior desenvolvimento de subcentros nas cidades, em alguns casos, como mais um fator contributivo para a perda da importância dos centros tradicionais no contexto urbano. Segundo o mesmo autor, existem subcentros que guardam certas relações de complementaridade com o núcleo central. No entanto, outros passam a competir economicamente de forma acirrada com o centro tradicional, chegando a se tornarem ou almejarem se tornar novos centros. Tal realidade, associada à ausência de investimentos públicos nos centros tradicionais, em muito contribuiu para a fuga de empresas para os subcentros e a conseqüente deterioração urbana do núcleo original. A dicotomia entre a dispersão urbana das cidades e declínio das áreas centrais é apontada por Frúgoli Júnior (2000) como, sobretudo, um processo de responsabilidade do mercado imobiliário.

Villaça (1998) adiciona outros fatores que certamente influíram para as transformações ocorridas no centro: a) a tradição de auto-suficiência, que aos poucos vai se acabando; e b) o turismo, que estimula o desenvolvimento do comércio e serviços em áreas de interesse turístico e afastadas do centro principal e que, com ele, compete.

Mesmo considerando-se a relatividade da decadência do centro, o fato é que, desde a década de 1980, identificam-se reflexos nas condições físicas e econômicas da área, entre as quais podemos destacar:

a) serviços prestados por cinemas, bancos, instituições públicas foram transferidas para outras áreas da cidade;

b) um significativo número de prédios encontra-se abandonados e mal cuidados nestas localidades;

c) o valor fundiário do solo urbano baixou expressivamente;

d) sua população residente reduziu e empobreceu pelo êxodo das classes mais abastadas para bairros mais confortáveis.

Os prejuízos das transformações que vêm passando as áreas centrais das cidades não se restringem aos aspectos econômicos, mas atingem também os valores simbólicos inerentes ao seu espaço físico. É nos centros que normalmente se concentra o maior acervo edificado de valor histórico, artístico e arquitetônico, e sua degradação ameaça seu desaparecimento, produzindo efeitos negativos sobre a cultura e a identidade social.