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2 CENTROS HISTÓRICOS – Aspectos teórico-conceituais

2.4 Revitalização urbana de centros históricos – conceitos

Entre os muitos aspectos componentes da revitalização urbana de centros históricos, distinguiremos as medidas de preservação de elementos de valor histórico, condizentes com espaços capazes de estabelecerem vínculos com o passado coletivo. Contudo, nessa nova postura de intervenção urbanística, existe a preocupação em não se inibir a modernidade e o crescimento econômico das áreas urbanas degradadas. Cunha (1999) observa que a intervenção, na cidade existente, não implica a sacralização de toda edificação antiga, mas considerar os fatores econômicos, culturais e sociais que as cidades suportam e refletem. A revitalização configura, portanto, uma nova postura que se opõe aos processos devastadores da renovação, assim como às atitudes exageradamente conservacionistas21.

Como observa Jarier Dolz (1998, p. 202), “ a los humanos habitantes no los podemos meter em museos o exposiciones [...]”. O mesmo autor acrescenta, é importante dotar as cidades de serviços necessários aos habitantes pensando a

21 Tais posturas chegam a limitar o crescimento econômico e as transformações naturais

das sociedades e espaços, com suas legislações rigorosas e restritivas – em síntese, justificadas pela necessidade de resguardar bairros e edifícios antigos fadados à demolição. Além disso, como afirma Choay (2001), nas últimas décadas, ocorreu uma expansão do campo cronológico e expansão tipológica, nas quais se inscrevem os monumentos históricos, que passaram a considerar edificações com um passado cada vez mais recente (extrapolando as barreiras instransponíveis da era industrial) e edifícios modestos sem memória nem prestígio (que passaram a ser valorizados por disciplinas novas, como etnologia rural e urbana, história das técnicas, arqueologia medieval). A preocupação em preservar as edificações do século XX e com tipologias modestas gerou o que a autora denomina um complexo de Noé, que tende a abrigar na arca patrimonial o conjunto

cidade histórica como parte da cidade, que segue compondo sua própria história. É ainda destacada pelo autor, a importância das conservações e restaurações de edifícios singulares, inseridos nesses espaços, assim como a consideração das proporções e desenhos originais, respeitando, enfim, a história dos sítios históricos, com vistas a assegurar às futuras gerações testemunhos de nosso passado. O conceito de revitalização traz à tona a discussão de conciliar a preservação do patrimônio cultural22. Adaptando-se a conjuntura atual. As necessidades vigentes e os valores passam a ser considerados tanto quanto a conservação23 e o resgate da memória dos lugares.

Segundo Choay (2001, p. 207), “a mundialização dos valores e das referenciais ocidentais contribuiu para a expansão ecumênica das práticas patrimoniais”. O marco do início dessa expansão pode ser considerado a Assembléia Geral da UNESCO, realizada em 1972, que definia o conceito de patrimônio cultural universal com base no de patrimônio histórico, proclamando-se a universalidade do sistema ocidental de pensamento e de valores referentes a esse tema. Para os países dispostos a reconhecer a validade dos preceitos estabelecidos na Assembléia, a mesma criava uma série de obrigações, das quais Choay (2001, p. 208) destaca algumas: “identificação, proteção, conservação, valorização e

22 De acordo com a Constituição brasileira de 1988, artigo 216º, “constituem patrimônio

cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referências à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico científico”.

23 De acordo com SALAMANCA (1987, p. 52), a conservação “consiste em el mantenimiento

transmissão do patrimônio cultural às futuras gerações”. Entendemos que tais elementos correspondem às novas posturas que se estabeleciam referentes ao patrimônio histórico e, por conseguinte, ao conceito de revitalização urbana.

24 O conceito de revitalização urbana configura, segundo Cunha (1999) , um processo integrado, estabelecido numa área que se pretende manter ou salvaguardar. Trata-se, portanto, de um conceito interdisciplinar, no qual o físico e o funcional se complementam. Como confirma Vaz (1995), os caracteres políticos, sociais e ambientais são inerentes a conceito de revitalização urbana, além de critérios funcionais.

A revitalização urbana não se limita a produzir belas imagens, mas estruturar áreas degradadas em seus aspectos sociais e econômicos, considerando a sua salvaguarda e integração na vida contemporânea como elementos fundamentais na planificação das áreas urbanas e do planejamento físico-territorial.

Além dos evidentes objetivos de recuperação do patrimônio e da ampliação da base econômica dos centros urbanos, estas novas posturas de intervenção geralmente caminham coincidentes aos objetivos maiores de promoção da habitação e do turismo (DEL RIO, 1991, p.38).

Sobre as tendências de busca por um reequilíbrio de áreas centrais degradadas, Cerasi (1990, p. 176) coloca:

[...] residência y actividades culturales van siendo introducidas para dar um “semblante humano” a uma disposición que sigue siendo fundamentalmente la misma y para impedir que hás áreas centrales pierdan su “vitalidad” de noche y los finales de semana.

Observa-se, contudo, que instrumentos diversos se integram ao conceito de revitalização. Destacamos o Estatuto da Cidade não como um instrumento, mas como conjunto de instrumentos para intervir nessa realidade a fim de transformá-la. Não pode ser outra a interpretação das diretrizes gerais da Lei que coloca a gestão democrática, a sustentabilidade urbano-ambiental, a cooperação entre os vários setores sociais e a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização dentre os objetivos do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

O Estatuto das Cidades configura-se como uma esperança no que tange a integração do problema da preservação do patrimônio com as questões urbanas das cidades como um todo. Contudo, ainda não é possível avaliar as reais contribuições que o referido Estatuto poderá trazer para o patrimônio, visto que, quase não foi posto em prática. Cabe destaque, ainda, para as parcerias do poder público com segmentos organizados da população na elaboração de políticas públicas e com o setor privado, como características marcantes dos programas e projetos de revitalização urbana. Vaz (1995) destaca o caráter do conceito de revitalização urbana e menciona alguns tipos de ações componentes do processo, tais como:

a) a reabilitação de áreas abandonadas;

d) o tratamento estético e funcional das fachadas de edificações, mobiliário urbano e elementos publicitários;

e) redefinição de usos e de vias públicas;

f) melhoria do padrão de limpeza e conservação dos logradouros;

g) reforço da acessibilidade por transporte individual ou coletivo, dependendo da situação;

h) organização das atividades econômicas.

A expressão revitalização urbana corresponde, como podemos observar, a

um momento histórico que naturalmente abrange diversos tipos específicos de intervenção. Nesse contexto, vale esclarecer algumas terminologias que definem especificidades de cada tipo de intervenção – condizentes com as diversas realidades existentes – que compõe esse momento histórico. Destacamos reabilitação urbana e requalificação urbana, adotando como referência as definições fornecidas pela Carta de Lisboa (1995), aceita no Brasil.

Reabilitação urbana, segundo a Carta de Lisboa (1995, p. 4), pode ser

definida como uma:

[...] estratégia de gestão urbana que procura requalificar a cidade existente através de intervenções múltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais, econômicas e funcionais a fim de melhorar a qualidade de vida das populações residentes; isso exige o melhoramento das condições físicas do parque construído pela sua reabilitação e instalação de equipamentos, infra-estrutura, espaços públicos, mantendo a identidade e as características da área da cidade a que dizem respeito.

Destacamos que tal conceito tem como referência maior o objetivo de melhorar, em seu caráter mais amplo, as condições de habitabilidade da população residente.

Concernente à requalificação urbana, a Carta de Lisboa (1995, p.4) inicia

destacando que a mesma se aplica, sobretudo, em locais funcionais, diferentes da habitação, e define que “trata-se de operações destinadas a tornar, a dar uma atividade adaptada a esse local e no contexto atual”.

Atualmente, existe um consenso entre os conceitos aplicados a centros históricos no que tange à importância de adaptabilidade destes espaços às necessidades atuais. Vale mencionar, que tais conceitos podem variar, em sua aplicabilidade prática, de lugar para lugar. Como esclarece o seguinte fragmento25:

[...] podemos afirmar que a diferença basilar entre a Reabilitação Urbana [do qual em parte entendemos como revitalização] praticada no Brasil em geral e a que tem sido posta em prática em Lisboa, se prende essencialmente com o facto de no Brasil se promover fundamentalmente a recuperação do patrimônio edificado e a revitalização comercial e cultural dos Bairros Históricos, enquanto que, em Lisboa, a Reabilitação Urbana é indissociável da problemática social dos seus Bairros e do destino das suas populações residentes (CARTA DE LISBOA,1995, p. 324).

Como observa Moreira Ortega (2001, p. 154), vale ressalvar que a reabilitação de uma área histórica configura um processo, nunca uma ação concluída. É o que se verifica em cidade muito antigas, em que se segue analisando

e criticando o que já foi realizado ao longo do tempo e buscando respostas para as questões que constantemente emergem.

2.5 Reuso: opção para revitalização em Centros Históricos

No processo de revitalização é importante a participação da comunidade ou órgãos de classe, pois a (re) construção dos espaços não se faz por decreto ou por decisões de técnicos. As pessoas, residentes do lugar, devem participar, pois o conhecem e precisam ser motivadas a fortalecerem o sentimento de identidade.

A preservação do patrimônio tem entre suas funções o papel de realizar “a continuidade cultural”, ser o elo entre o passado e o presente e nos permite conhecer a tradição, a cultura, e até mesmo quem somos, de onde viemos. Desperta o sentimento de identidade. Margarita Barreto defende a “recriação de espaços revitalizados”, como um dos fatores que podem “desencadear o processo de identificação do cidadão com sua história e cultura” (Barreto, 2000, p. 44).

A recuperação da memória fortalece a cidadania e a valorização do patrimônio. Barreto afirma que:

Embora todos os problemas antes mencionados sobre a transformação da história e do patrimônio em bem de consumo e o fato real de que há uma ressignificação nesse processo, acredita-se que é sempre uma melhor opção do que o esquecimento da história, do que a marginalização de bairros ou do que a derrubada de prédios por causa da especulação imobiliária (BARRETO, 2000, p. 51).

Ao pensarmos na revitalização do patrimônio, temos que necessariamente discutir, os mecanismos de tombamento, os recursos financeiros e humanos disponíveis e as alternativas de uso. Acima de tudo, o processo de revitalização tem que ser benéfico para a sociedade, ao transformar o lugar em um espaço agradável para os cidadãos e para os turistas. Deve, ainda, respeitar as características culturais da população e da arquitetura das construções, não podendo distorcer o seu significado artístico.

O uso adequado do patrimônio tem que exercer duas funções: garantir o respeito à cultura, inclusive no que se refere aos estilos artísticos e garantir o significado histórico e a comunidade, que não pode ser excluída do processo de decisão sobre o uso do patrimônio ou mesmo dos benefícios econômicos advindos da atividade turística.

A revitalização do patrimônio tem contribuído para o desenvolvimento dos lugares; manifestações culturais estão se fortalecendo e as comunidades percebem que a riqueza da identidade representa um impulso à continuidade da herança cultural e a geração de emprego e renda.

Assim, é importante viabilizar o seu uso de forma adequada para que possa ser um fator de conhecimento, formação, interação e geração de renda e emprego.