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Capítulo 1 – Revisão da Literatura

1.1 Evolução histórica do fenómeno do empreendedorismo

1.1.4 Processo de Mercado Austríaco

As perguntas que não foram solucionadas pelo movimento neoclássico levaram à criação de um novo movimento que ficou conhecido como o Processo de Mercado Austríaco (PMA). O PMA, modelo influenciado pelo economista Joseph Schumpeter (1934), concentrou-se na ação humana no contexto de uma economia do conhecimento. Schumpeter (1934) descreveu o empreendedorismo como um condutor de sistemas baseados no mercado. Por outras palavras, uma das funções mais importantes da empresa

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é criar algo novo que resulte em processos que servem como impulsos para o movimento da economia de mercado.

Murphy, Liao e Welsch (2006) afirmam que o movimento oferecia uma realidade lógica e dinâmica. Os autores apontam para o facto de que o conhecimento é comunicado através de um sistema de mercado (por exemplo, via informações de preço), a inovação transparece, os empreendedores satisfazem as necessidades do mercado e ocorrem mudanças no nível do sistema. Se um empreendedor souber como criar bens e serviços ou conhecer uma maneira melhor de o fazer, os benefícios podem ser obtidos através desse conhecimento. Os empreendedores aplicam o conhecimento quando acreditam que obterão benefícios individuais.

O movimento neoclássico não explicou esta atividade; assumiu a concorrência perfeita, carregou suposições de sistemas fechados, rastreou dados factuais observáveis e inferiu princípios baseados em observação contínua e repetida (Murphy, Liao e Welsch, 2006 cit. por Monteiro, 2009). Por outro lado, no Processo de Mercado Austríaco, negou- se a suposição de que as circunstâncias são repetíveis e que levam aos mesmos resultados no sistema económico. Em vez disso, os empreendedores são incentivados a usar o conhecimento episódico (isto é, o conhecimento nunca visto e sem possibilidade de se repetir) para gerar valor (Praag, 1999).

Neste contexto, o PMA baseou-se em três ideias principais (Kirzner, 1973). A primeira foi o mercado de arbitragem, no qual as oportunidades emergem para determinados atores do mercado, enquanto outros negligenciam certas oportunidades ou realizam atividades consideradas “sub-ótimas”. A segunda foi o alerta para as oportunidades lucrativas, descobertas pelos empreendedores. A última, referida por Say (1803) e Schumpeter (1934), diz respeito aos conceitos distintos de propriedade e empreendedorismo, ou seja, o empreendedorismo não exige a propriedade dos recursos, uma ideia que atesta a teoria da incerteza e do risco (Knight, 1921). Estas assunções mostram que cada oportunidade é única e, portanto, a atividade anterior não pode ser usada para prever desfechos de forma confiável.

1.1.4.2 Contributos teóricos 1.1.4.2.1 Carl Menger

Carl Menger (1840-1921) é frequentemente considerado o fundador ideológico da chamada tradição austríaca do pensamento económico. A sua contribuição para a economia clássica realizou-se principalmente ao nível metodológico. Na obra pioneira, “Grundsdtze der Volkswirtschaftlehre” (1871), Menger introduziu a visão subjetivista da economia. Foi o proponente do subjetivismo metodológico, no qual os fenómenos económicos não são percebidos como relações entre objetos, mas entre pessoas (Landström, 2004). Ao contrário do que acontece nas ciências naturais, a economia não pode desconsiderar as perceções, desejos e visões das pessoas que se estudam. Dentro da sociedade e da economia, os atores devem ser encarados como indivíduos, não como um grupo ou classe social. As mudanças económicas não ocorrem no vácuo, mas são criadas pela consciência dos indivíduos e a compreensão de determinada situação. Isto significa que o empreendedor pode ser considerado um “agente de mudança”, que transforma recursos em produtos e serviços úteis (Landström, 2004).

1.1.4.2.2 Israel Kirzner

Dentro da tradição austríaca, Israel Kirzner, nascido em 1930, destacou-se pela obra “Competition and Entrepreneurship”, publicada pela primeira vez em 1973. Neste livro, baseia-se em Mises e nos processos de mercado para desenvolver as suas ideias sobre empreendedorismo (Grebel, Pyka e Hanusch, 2003). De acordo com Kirzner (1973) cit. por Praag (1999), o empreendedor ocupa uma posição chave dentro do processo de mercado. Contrariamente ao que é mencionado nas teorias contemporâneas do preço que negligenciam a ação do empreendedor, é fundamental que este esteja alerta para identificar e lidar com oportunidades de lucro, ou seja, o empreendedor deve descobrir oportunidades que ajudem a restabelecer o equilíbrio no mercado (Praag, 1999 cit. por Monteiro, 2009). A exploração destas oportunidades, a captação dos lucros associados à inovação, à mudança ou criação requerem capacidades adicionais como a criatividade ou a liderança (Praag, 1999). O empreendedor de Kirzner (1973) é portador da incerteza e deve assumir riscos.

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No entanto, os empreendedores cometem erros na avaliação das oportunidades de lucro ou negligenciam-nas, o que impossibilita o alcance da posição de equilíbrio nos processos de mercado (Praag, 1999). Estes erros ou descuidos conduzem ao aparecimento de novas oportunidades lucrativas que se repetem sucessivamente. Do ponto de vista de Kirzner (1973) cit. por Monteiro (2009), o processo de mercado é constituído pela sequência sistemática de erros na descoberta e avaliação das oportunidades lucrativas e mantém-se estável no contexto de mudança da oferta e da procura.

No processo de mercado – que é para os empreendedores simultaneamente um processo competitivo –, a aprendizagem é um aspeto fulcral na condução dos preços de mercado em situações de desequilíbrio, rumo ao equilíbrio (Praag, 1999). O empreendedor atua como um intermediário e torna possível o lucro. Desta forma, Kirzner (1973) considera o empreendedor uma pessoa que está alerta das imperfeições no mercado por meio das informações existentes sobre as necessidades e recursos dos diferentes atores.

1.1.4.3 Considerações sobre o Processo de Mercado Austríaco

O modelo PMA não está isento de críticas. A primeira crítica apontada pelos investigadores, é que os sistemas de mercado não são totalmente competitivos, mas podem envolver a cooperação antagónica. A segunda é que os monopólios de recursos podem prejudicar a concorrência e o empreendedorismo. A terceira é que a fraude, a fuga aos impostos e o controlo institucional também contribuem para a atividade do sistema de mercado. A quarta é que empresas privadas e públicas são diferentes, mas ambas podem ser empreendedoras e, por último, o empreendedorismo pode ocorrer em situações sociais não mercantis sem concorrência (Murphy, Liao e Welsch, 2006). Os estudos empíricos realizados por Carree e Thurik (2003) rejeitaram o argumento schumpeteriano de que as economias de escala são necessárias para a inovação. As críticas à PMA deram impulso a explicações recentes nas áreas da Psicologia, Sociologia, Antropologia e Gestão.