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2 PANORAMA DA REGIÃO SUL CATARINENSE ENTRE OS SÉCULOS XVIII E

2.1 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DE ESPAÇO, DE

Tornou-se lugar comum a assertiva de que a História se encarrega de estudar a presença e as ações de homens e de mulheres no tempo e no espaço. Esse espaço, que pode ser caracterizado como um lugar geograficamente idealizado e demarcado, é, antes de tudo, um espaço social, um dado lugar marcado por relações que desencadeiam ações e transformações na paisagem e na vida das pessoas que, de alguma forma, se relacionam com o ambiente físico, embora as noções de tempo e de espaço venham se alargando da mesma forma que os próprios conceitos de história, de fonte, etc. De um modo geral, e sem a pretensão de apresentarmos uma perspectiva reducionista dos conceitos, o espaço pode ser compreendido na sua dimensão física, nas relações e interações sociais ou mesmo como uma realidade imaginada. Assim, o espaço, propriamente dito, se configura como um objeto carregado de conteúdo histórico, justamente por ele ser eminentemente histórico, que reflete as múltiplas relações que se estabelecem na sociedade, confundindo-se com ela. O espaço possui historicidade e é, por essa condição, que a sua produção é atingida pelos fenômenos e pelos acontecimentos mundiais, os quais, “localizados temporal e territorialmente, exercem influência em outros lugares e períodos” (CASTRO, 2000, p. 39). Assim compreendido, o espaço não existe a priori, pois, por ser histórico, é o resultado dos processos que o elaboram e cujos acontecimentos internos e/ou externos o atravessam, o influenciam e o definem. Nessa perspectiva, o espaço se apresenta associado à ideia de poder, também podendo ser percebido como um determinado “campo de forças” (BARROS, 2017, p. 16), que busca se estabelecer e se manter por meio de uma relação de forças que se articula e se sustenta pelo controle e pela manipulação dos discursos construídos acerca do espaço, seja ele total ou dividido.

Sobre as fronteiras e os territórios regionais, o historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior defende que ambas jamais poderão se colocar diante de um plano fora da história, justamente por sua natureza histórica e diversa, que coloca o espaço regional como um “produto de uma rede de relações entre agentes que se reproduzem e agem com dimensões

espaciais diferentes”. Para ele, são relações eminentemente políticas, cujas construções discursivas abrigam o espaço geográfico nos campos da política e da própria história.

O espaço não preexiste a uma sociedade que o encarna. É através das práticas que estes recortes permanecem ou mudam de identidade, que dão lugar à diferença; é nelas que as totalidades se fracionam, que as partes não se mostram desde sempre comprometidas com o todo, sendo este todo uma invenção a partir destes fragmentos, no qual o heterogêneo e o descontínuo aparecem como homogêneo e contínuo, em que o espaço é um quadro definido por algumas pinceladas (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009, p. 35).

Não há, em certa medida, como dissociar os homens e as mulheres do tempo e do espaço, justamente porque as ações e as interações humanas se dão no tempo em concomitância com um espaço que pode ser físico ou imaginado. No caso do processo de ocupação do sul de Santa Catarina, ao longo do tempo e, mais especificamente, durante o século XIX, observamos que os registros que foram produzidos e que tratam desse amplo e, de certa forma, indefinido espaço, foram acumulando descrições de seu aspecto físico, de modo que essas mesmas descrições, realizadas em diversos níveis de detalhamento, pudessem explicar ou ajudar na compreensão das sociedades que ali habitavam ou aquelas que ali viessem a habitar.

O conhecimento acerca dos elementos naturais, como portos, baías, rios, vales, planícies, banhados, contrafortes, serras, entre outros, podem auxiliar na definição de estratégias e de táticas no processo de ocupação e de exploração de um determinado território situado em um espaço mais amplo. Torna-se imprescindível a compreensão do entrelaçamento que há entre tempo e espaço, e que não há possibilidade de dissociá-los quando se pretende compreender qualquer ação humana, e mesmo a forma como cada sociedade se estrutura e constrói o conjunto de engrenagens que a colocam em funcionamento de uma forma particular.

Sobre o caráter histórico imbricado no conceito geográfico de espaço, e a interdependência do conceito tempo-espaço, Milton Santos diz que

O passado passou, e só o presente é real, mas a atualidade do espaço tem isto de singular: ela é formada de momentos que foram, estando agora cristalizados como objetos geográficos atuais; essas formas-objetos, tempo passado, são igualmente tempo presente enquanto formas que abrigam uma essência, dada pelo fracionamento da sociedade total. Por isso, o momento passado está morto como ‘tempo’, não porém como ‘espaço’; o momento passado já não é, nem voltará a ser, mas sua objetivação não equivale totalmente ao passado, uma vez que está sempre aqui e participa da vida atual como forma indispensável à realização social (2007, p. 14).

Para o geógrafo, as ações humanas exercidas sobre o espaço, mesmo que com o decorrer do tempo percam a sua função original, ou mesmo sofram algum tipo de modificação, ainda assim permanecem encravadas na paisagem como cicatrizes ou rugosidades que nos remetem às marcas de um tempo que passou e que, no presente, passa por processos de atualização e de ressignificação. De certo modo, o ponto de vista apresentado por Santos permite uma aproximação com a perspectiva de Koselleck (2006), quando trabalha com a ideia de um “espaço contemporâneo da experiência”, já que o passado não pode ser reproduzido, mas ressignificado no presente a partir do olhar e das inquietações contemporâneas.

Milton Santos, na conferência que proferiu na abertura do colóquio “A Questão Regional e os Movimentos Sociais no Terceiro Mundo”, realizado em 1991, disse que as “regiões são subdivisões do espaço: do espaço total, do espaço nacional, e mesmo do espaço local (...)”, apontando para a compreensão da região como um recorte do espaço e, ao mesmo tempo, na relação de fronteira com os outros, seus vizinhos. Se tomarmos como exemplo o nosso próprio objeto de estudo, a província de Santa Catarina representaria a totalidade do espaço, enquanto o sul catarinense se configuraria como sendo a região, subdividida a partir do espaço maior. No entanto, essa mesma perspectiva poderia ser facilmente aplicada à própria província catarinense, como um recorte regional de um espaço mais ampliado que, do mesmo modo, aponta para o estabelecimento de outras fronteiras que não existiam a priori.

Esse entendimento nos permite conceber a região como uma unidade construída por meio de um exercício mental e, portanto, carregada de subjetividades que a elabora e a caracteriza, ao mesmo tempo em que a diferencia das demais. Esse movimento confere à região certa identidade e sentimento de pertença ao lugar e aos grupos sociais que habitam nela. As características identificadas na região compreendida pelos vales dos rios – Araranguá, Tubarão e Capivari – no interior do sul catarinense asseguram certa homogeneidade, ao passo que estabelecem, na fronteira, distinção em relação ao litoral e ao Planalto Serrano, – ou mesmo com o Rio Grande do Sul, na fronteira sul com o rio Mampituba e, ao norte, com o Paraná – sem, com isso, impedir ou negar a diversidade dentro do recorte idealizado e realizado no espaço.

Para Michel Foucault (1999, p. 158-159), as “metáforas geográficas”, como território e região, estão associadas, primeiramente, às relações de poder. A noção de território, por exemplo, que não deixa de ser uma noção geográfica, mas que está associada, antes, à “noção jurídico-política: aquilo que é controlado por certo tipo de poder”. Da mesma forma que a noção de região vincula-se à ideia “fiscal, administrativa, militar”. Para o filósofo

francês, o que existe é “uma administração do saber, uma política do saber, relações de poder que passam pelo saber e que naturalmente, quando se quer descrevê-las remetem àquelas formas de dominação a que se referem noções como campo, posição, região, território”. O espaço, para Foucault, é inanimado, enquanto que o tempo é dinâmico e dialético, sugerindo que os conceitos de espaço, região ou território somente são possíveis pelas ações que se dão por meio das relações de poder e como resultado de disputas e de conflitos pelo domínio, pela posse e pelo controle do espaço demarcado.

Na demarcação das implantações, das delimitações, dos recortes de objetos, das classificações, das organizações de domínios, o que se faziam aflorar eram processos – históricos certamente – de poder. A descrição espacializante dos fatos discursivos desemboca na análise dos efeitos de poder que lhe estão ligados (FOUCAULT, 1999, p. 159).

O conjunto de informações e de características que imprimem relativa unidade e identidade ao espaço regional será constantemente atualizado em uma relação de presente- futuro levado a cabo pelos grupos sociais, políticos e econômicos que exercem o poder, manipulam os conceitos e (re)definem os critérios, de acordo com os seus interesses e suas conveniências. Assim, o interior da região sul catarinense, que já foi caracterizada como o lugar da imigração e da colonização, cuja produção agrícola era realizada em pequenas propriedades no século XIX, passou a ser retratada, no século XX, como o lugar da indústria e do carvão, atendendo às necessidades e aos interesses dos grupos que exerciam e/ou disputavam o poder regional em determinados períodos históricos da região.

Dialogando com Foucault, Albuquerque Júnior sublinha que, diante dos embates litigiosos como consequência das disputas inerentes às relações de poder, a região surge como o “botim da guerra”.

A região se liga diretamente às relações de poder e sua espacialização; ela remete a uma visão estratégica do espaço, ao seu esquadrinhamento, ao seu recorte e à sua análise, que produz saber. Ela é uma noção que nos envia a um espaço sob domínio, comandado. (...) Ela nos põe diante de uma política de saber, de um recorte espacial das relações de poder. Pode-se dizer que ela é um ponto de concentração de relações que procuram traçar uma linha divisória entre elas e o vasto campo do diagrama de forças operantes num dado espaço. (...) A regionalização das relações de poder pode vir acompanhada de outros processos de regionalização, como o de produção, o das relações de trabalho e o das práticas culturais, mas estas não determinam sua emergência (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009, p. 36).

A região, definida assim como uma subdivisão do espaço, dotada de identidade e relativa homogeneidade, pode ser ao mesmo tempo, bastante diversa. Da mesma forma que a

região representa uma fração e uma unidade em relação ao todo, mesmo assim permanece conectada a esse mesmo todo. O fator econômico ou os aspectos naturais, como as bacias hidrográficas, apenas para citar dois exemplos, têm servido de critérios para definir regiões dentro de uma dada região que, por sua vez, representa a fração de um espaço maior e mais amplo. Espaço e região, portanto, são conceitos abstratos construídos e em processo constante de atualização. As noções de espaço, assim como as noções de região, só existem porque foram, em certa medida, inventadas. São frutos de um exercício mental e dado a posteriori, o que equivale dizer que esses conceitos, e outros correlacionados, resultam de um intenso e, às vezes, tenso processo de construção e disputa pelas narrativas.

Retornando à ideia inicial de que a História se ocupa dos estudos relacionados às ações exercidas por homens e por mulheres no tempo e em um determinado espaço físico, percebemos que os aspectos da humanidade são atravessados pelos aspectos da natureza, assim como o seu contrário também é verdadeiro. Isso fica mais perceptível quando observamos processos de ocupação como as imigrações europeias destinadas ao estabelecimento de colônias no sul catarinense no último quartel do século XIX, por iniciativa de uma política deliberada dos governos do Império e da província de Santa Catarina. Esse advento provocou o aceleramento da derrubada das florestas que, gradativamente, foram cedendo espaço para os novos caminhos, para as casas de moradia, as áreas de sociabilidades, os engenhos, os templos e para áreas que seriam destinadas ao cultivo agrícola e às pastagens para o gado. Logo foram surgindo portos, pontes, estradas, caminhos de ferro. Tudo isso só foi possível pela ação e pela intervenção humana no meio natural que, por sua vez, foi sofrendo alterações e assumindo novas formatações que impactaram e redesenharam a região. Hoje, por exemplo, quem passa pelo município de Gravatal (antiga localidade denominada de Gravatá), situado no caminho entre Tubarão e Pedras Grandes, vai poder avistar um vale coberto por pastagens que, no século XIX, era cortado por um rio navegável onde, inclusive, havia um porto relevante para o escoamento da produção que vinha das antigas sesmarias e das colônias de imigrantes, como as de Braço do Norte e Azambuja.19

O historiador José D’Assunção Barros, no livro “História, Espaço, Geografia: diálogos interdisciplinares” se debruçou sobre alguns conceitos caros, tanto ao campo da História quanto ao da Geografia, buscando estabelecer possibilidades de diálogos entre essas

19 A colônia de Braço do Norte (1872/1873) e a colônia de Azambuja (1877) são algumas das colônias e dos

núcleos coloniais instalados em áreas de imigração/colonização dentro da região sul catarinense, que abordaremos nos próximos capítulos deste trabalho.

áreas disciplinares, que configuram um território de compartilhamento simultâneo de historiadores e geógrafos.

Ao abordar a população e os fatores humanos, Barros escreve que,

Para além da possibilidade de gerar conceitos que se referem aos recortes no interior de um agrupamento humano – classes, gêneros, gerações e tantos outros – a população deve ser sempre e em todos os casos compreendida como algo dinâmico. As populações crescem e diminuem, expandem-se e se contraem, deslocam-se e se adéquam a novos espaços, são dotadas de movimentos internos e de ritmos que regem seus cotidianos. As populações são dinâmicas em todos os sentidos. Alguns dos conceitos geográficos expressam esta dinamicidade das populações e dos grupos humanos e redes de indivíduos que elas abrigam dentro de si (BARROS, 2017, p. 52) [grifo nosso].

Para ele, além de apontar a dinamicidade das populações, o mais importante é ter a compreensão de que o fenômeno da migração acompanha a humanidade desde sempre por meio de um movimento entre espaços distintos, que “pode envolver populações inteiras, ou apenas parte delas; pode ser eventual ou recorrente”, como certamente ocorreu na região catarinense desde tempos remotos, seja com as populações originárias, seja com os demais indivíduos e grupos humanos ao longo do processo colonizador.

Esse movimento dinâmico que entrelaça concomitantemente o homem, o tempo e o espaço físico, impacta, de forma decisiva, na paisagem, que, aos poucos, vai sendo redesenhada com contornos heterogêneos que agregam elementos naturais e artificiais, numa relação dialética, uma vez que ambos são atravessados e transformados uns pelos outros; da mesma forma como os processos impelem as mudanças e as permanências nas paisagens em uma relação de concomitância. Ao mesmo tempo, permite que a paisagem seja observada pelos indivíduos ou pelos agrupamentos sociais a partir de ângulos diferentes, proporcionando percepções também distintas. Logo, a percepção acerca da paisagem implica naquilo que se pode ver, mas, sobretudo, na forma e no enquadramento do olhar, que se volta para ela, derivando, daí, muita das disputas e dos conflitos pela posse e pelo domínio da terra.

Dito dessa forma, podemos estabelecer uma relação de convivência de dois grupos distintos, por constituírem traços culturais completamente diferentes um do outro com a Mata Atlântica, que cobria toda a região sul catarinense. O primeiro grupo, os Xokleng, desconhecia a propriedade privada e estabelecia uma relação com o ambiente natural, que se dava numa espécie de comunhão e de reciprocidade, extraindo da natureza todo o necessário para o sustento do grupo e praticamente sem destrui-lo. Com a chegada do segundo grupo, composto pelos colonos imigrantes europeus, foi desencadeado um processo de devastação com a derrubada das florestas, o assoreamento e a poluição dos rios e a dizimação dos

primeiros ocupantes. Nitidamente, a forma de olhar e a percepção lançada sobre a paisagem era, sem sobra de dúvidas, muito específica e peculiar em cada um dos dois grupos, da mesma forma que a elaboração mental que atribuiu sentido àquele território também não se deu a partir dos mesmos critérios e interesses. Logo, a construção narrativa também não poderia ser a mesma, embora uma delas tenha praticamente sucumbido em decorrência das práticas genocidas e da ausência de registros.20

O historiador Carlos Renato Carola, em seu artigo “Natureza admirada, natureza devastada: história e historiografia da colonização em Santa Catarina”, faz uma análise das narrativas em torno da história da imigração e da colonização do século XIX que, de acordo com ele, seguem “as coordenadas ideológicas hegemônicas da sociedade moderna: civilização, progresso, evolução e trabalho”, sendo a natureza, do ponto de vista conceitual, representada como um recurso a ser explorado de acordo a conveniência das sociedades humanas. Para Carola, “o modo de ver e explicar a ‘evolução histórica’ da colonização estimula e legitima a destruição e a domesticação do mundo natural tanto quanto dos povos indígenas, em particular a Mata Atlântica e os índios Xokleng” (CAROLA, 2010, p. 547- 572).

Nesse sentido, a ação humana modifica a paisagem na mesma forma e proporção que a produz, cada vez mais em uma inter-relação em que estão imbricados o desenvolvimento tecnológico e a industrialização voraz e predatória. Ambos necessitam cada vez mais dos recursos naturais, na maioria das vezes, não renováveis, como no caso do carvão mineral que, desde o século XIX, atraiu a atenção da classe política e dos capitalistas nacionais e internacionais para a região sul de Santa Catarina, produzindo, ao longo tempo, “paisagens lunares” com a devastação da mata, do solo, das águas, do ar e das pessoas, que sucumbiram ou adoeceram vendendo sua força de trabalho na indústria da mineração.

Podemos nos valer de dois exemplos que ilustram diferentes perspectivas diante da elaboração mental da ideia de espaço, de região e de paisagem, que determina ações sobre a natureza. A primeira delas foi muito bem lembrada pelo historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2012, p. 53), ao abordar o mito do bom selvagem no Livro “Preconceito Contra a Origem Geográfica e de Lugar: as fronteiras da discórdia”. No século XVI, Jean de Léry, um pastor missionário e escritor calvinista francês, “que participou da tentativa francesa de montar uma colônia no Rio de Janeiro” – a França Antártica –, registrou um interessante

20 Havia uma diferença gritante que confrontava dois "modos de vida", o modo de vida indígena e o modo de

vida do homem europeu moderno. Mesmos tendo sido caçados como animais e militarmente derrotados, muitos Xokleng foram assassinados ou afugentados de seu território, mas sobreviveram e resistem.

diálogo que teria travado com um velho índio Tupinambá, que mais tarde foi publicado no livro “Viagem à Terra do Brasil”, na França, em 1578. No diálogo, o velho índio não consegue compreender a lógica de acumulação própria das sociedades europeias, orientadas pelo sistema mercantilista daquela época,21 diante do interesse dos mercadores pelo pau- brasil, e demonstra um profundo estranhamento diante daquela cultura; sem entender a lógica daqueles mercadores, interpela o calvinista francês. Ao final do diálogo, o velho índio, como Jean de Léry descreveu, arrematou da seguinte forma:

(...) agora vejo que vocês franceses são todos uns doidos varridos, pois atravessam o mar e sofrem grandes incômodos, como dizem quando chegam aqui, e trabalham tanto para amontoar riquezas para seus filhos ou para aqueles que sobrevivem a vocês! Não será a terra que lhes alimentou suficiente para alimentar a eles também? Nós temos pais, mães e filhos a quem amamos, mas estamos certos de que, depois da nossa morte, a terra que nos alimentou também alimentará a eles. Por isso, descansamos sem maiores cuidados (LÉRY, 1961, pp. 134 - 135).

O segundo exemplo, embora distante cronologicamente do primeiro, nos ajuda a compreender outra percepção acerca do espaço. Trata-se dos registros deixados pelo médico viajante alemão Robert Avé-Lallemant, que passou pela região do vale do rio Tubarão em 1858, e cujos relatos estão no livro “Viagem pelo sul do Brasil”, publicado na Alemanha no