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Processos colaborativos entre intérpretes e compositor

intérprete compositor Hermenêuhca

6.2 Processos colaborativos entre intérpretes e compositor

Neste ponto, a comunicação serviu como ferramenta de expansão do ato interpretativo tanto na relação da compreensão da estrutura, narrativa e estética quanto na relação idioma-ideal sonoro, tal como se pode observar, por exemplo, neste relato:

“O trabalho em colaboração com o compositor foi de grande ajuda para deixar-me seguro sobre as decisões que eu fui tomando ao construir a performance da obra. Além disso, as explicações fornecidas pelo compositor ajudaram a criar uma imagem mental da obra antes mesmo de começar a experimentá-la ao instrumento.”

A análise revelou ainda resultados controversos no que diz respeito aos processos colaborativos. No plano da colaboração com a escrita, era esperado um trabalho de revisão que fosse transversal a todas as obras, o que não se deu. Ou seja, todas as obras teriam de ser, em tese, revistas e reescritas. A baixa incidência de revisões notacionais se deu sobretudo nas obras com um ou dois intérpretes. Assim, quanto maior era o número de intérpretes, menor eram as versões das obras. A análise dos estudos comprovou que, uma vez que a notação não era imediatamente acessível, tal inacessibilidade foi um fator de coibição para a maioria dos intérpretes colaboradores. Contudo, tal como era esperado, a hermenêutica foi responsável por trazer os intérpretes para dentro do processo, distinguindo-os e redefinindo-os como elementos fundamentais da experiência da criação. Este aspeto, que pode ser considerado como parte de uma

poiesis fundamentalmente colaborativa, centrou-se na transformação e na revalidação

dos elementos sígnicos estruturais da composição. Assim, os processos colaborativos excederam o nível das escolhas interpretativas, ainda que não tenha havido a necessidade de propor alterações na escrita. Ou seja, os intérpretes mantiveram-se restritos às informações que lhes foram apresentadas, conquanto tenham incitado a qualidade destas informações. Tal facto demonstra uma forte conecção com o ideal composicional e uma grande tentativa de adaptação ao que a partitura propunha.

Uma nota sobre a qualidade sintáxica das instruções performativas: na primeira versão de Campânulas Inclinadas, lia-se As relações temporais entre os sons devem ser

interpretadas de acordo com sua disposição espacial. Porém, ao verificar a descrição de

Warfield (1976), percebi que a descrição proposta por ele está mais adequada ao terreno da hermenêutica, ainda que inconscientemente, uma vez que engloba o intérprete na construção da performance. Por esta razão, passei a adotar a descrição deste autor para referir à notação proporcional.

Um último aspeto a ser mencionado é que ficou comprovado, através das entrevistas, a hipótese de que o indeterminismo serviria como elemento de aproximação do intérprete

com o processo composicional, tornando-os também criadores: “Decidir as notas que

serão tocadas (nos momentos em que estas não são definidas precisamente na partitura) dá ao intérprete a sensação de estar construindo a obra com o compositor”.

6.2.1 Compositor como intérprete das obras

Ainda no plano da colaboração, a comunicação entre compositor e demais intérpretes tornou-se mais ativa e eficaz pelo facto de o compositor ser também intérprete das obras (i.e., um compositor-intérprete). Neste sentido, a atuação do investigador como compositor e intérprete das obras foi um fator de grande importância para a compreensão heterogénea das análises, uma vez que este pôde atuar não só de maneira passiva, mas pragmaticamente sobre a ação do coletivo. Ademais, tal fator facilitou a comunicação entre os intérpretes e a própria perceção da intenção composicional. Domenici (2011) descreve seu processo de colaboração com o compositor Paolo Cavallone, apontando algumas sugestões dadas pelo próprio compositor no que se refere à necessidade de um maior esclarecimento da notação por parte da intérprete: “By observing the composer perform those effects, I could hear the sounds exactly how he intended them, as well as perceive the means he used to achieve those results” (p. 3). À semelhança deste exemplo, ocorreu, em algumas das obras em que estive a tocar, momentos em que a exemplificação in loco excedia o limite da comunicação verbal e expandia o leque de possibilidades de discussão interpretativa para uma percepção visual mais abrangente.

“As modificações na partitura foram realizadas em um processo colaborativo, ou seja, os performers puderam indicar ao compositor como melhor adaptar suas ideias às possibilidades de seus instrumentos.”

Tal como mencionado anteriormente, o facto de agregar funções como compositor, intérprete e investigador resultou numa pesquisa de caráter autoetnográfico que, de outra forma, seria impossível de ser conduzida. Logo, um compositor-intérprete, ao participar ativamente nas decisões do coletivo, torna-se um elemento indispensável na busca de evidências autoetnográficas pelas quais a performance apresenta riqueza, veracidade e significado. Além disso, sua participação em sintonia111 com outros intérpretes possibilita

111 Condição de interdependência entre dois ou mais músicos na qual não há diferença de plano, status ou importância entre eles por estarem compositor-intérprete e intérprete(s) na mesma situação.

a imediata reformulação das decisões por ele previamente tomadas. Do know-how artístico do compositor-intérprete provém ferramentas interpretativas adicionais de grande valia se comparadas com investigações teóricas restritas a analises disjuntas dos modos nos quais as performances destes reforçam e/ou contradizem o material notado (Cox, 2013, p. 15).

[…] composer’s performances seems to offer uniquely direct and un-mediated indications of how the work should be performed, in that they circumvent the need to translate pure creative impulse into notated form and back out again into sonorous realization. (Cox, 2013, p. 14)

Enquanto para os compositores generalistas a hermenêutica revela-se de maneira passiva112, a quantificação/qualificação das opções de comunicação não-verbal dá aos

compositores-intérpretes uma função fortemente ativa na fundação da interpretação hermenêutica. Em outras palavras, enquanto no primeiro caso a intenção composicional fica limitada pela escrita e, eventualmente, pela fala, no caso dos compositores- intérpretes é a própria experiência de continuidade que traz as respostas para as inter- relações entre as fases da criação e da recriação.