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performance composição

2) A possibilidade de transformação da obra, i.e., a capacidade do intérprete de atenuar o caráter pragmático da intenção composicional representada pela

3.2 Hermenêutica musical

3.2.2 Semiótica musical

Findada a explicação sobre as bases da construção hermenêutica, abro agora um parêntesis nesta discussão para apontar algumas características sobre a semiótica, que, a meu ver, muito tem a contribuir com não só com este trabalho, mas com toda a hermenêutica moderna. Se, como vimos, do lado da hermenêutica musical a literatura ainda está em fase de desenvolvimento, do lado da semiótica musical, a literatura pareceu-me claramente mais volumosa, direcionando-se não às generalidades mas aos diversos “tipos de semiótica”, como por exemplo a semiótica formal (estruturalista ou cognitiva), a semiótica musical, a biosemiótica e a semiótica computacional (Fernandes, 2014). Dos vários autores pesquisados, os trabalhos autorais e editoriais de Eero Tarasti (1994, 1995, 2001) constituem um importante cabedal teórico para uma fundamentação segura desta teoria. Os livros de Tarasti destacam-se no levantamento bibliográfico sobretudo por incluir correlatos que tangem a teoria hermenêutica, nomeadamente a inclusão de questionamentos epistemológicos sobre comunicação musical67 e interação

entre compositor e intérprete. Por exemplo, em A theory of musical semiotics (1994), Tarasti parece afastar-se dos moldes tradicionais da semiótica peirceana quando atribui a ela uma relação de construção gradativa de conhecimento ao dizer que “what is essential is not the inner organization of the sign but its functioning as a part of the semiosphere, a continuum of signs” (p. xiv). Este pensamento, ainda que se restrinja às relações basilares da construção semiótica, tenciona aproximar o pensamento sistémico à uma perspetiva mais globalizante e, em contrapartida, menos ortodoxa. De certa forma, Tarasti aproxima-se de uma perspetiva hermenêutica da interpretação, já que incide sobre a matéria uma perspetiva que permite a inserção de um conjunto de elementos sígnicos progressivos da mesma forma que os abandona quando necessário.

67 Para uma perspetiva semiótica da comunicação musical ver ainda, por exemplo, Clarke (1995, 1998), Dowling & Harwood (1986), Zampronha (2000), Anderson (2013), Coessens (2013), Monelle (2014) e Fernandes (2014).

I have always tried to avoid building a musical semiotic theory that might be completely coherent, systematic and logical as a theory – in the words of Louis Hjelmslev, exhaustive, noncontradictory, and economical – but that can be applied only in extremely primitive musical situations. (Tarasti, 1994, p. xiv) Por outro lado, há certos padrões semióticos que ainda se mantem operantes neste texto, nomeadamente a objetividade metodológica estruturalista: “My analyses aim for the theoretical rigor and formalization” (p. xv). Ao atestar que uma possível subjetividade poderia levá-lo a ser mal compreendido e, desta forma, proferir ideais controversos, Tarasti busca um equilíbrio entre a objetividade e a subjetividade da interpretação. Basta vermos a relação sobre o imaginário musical68 evocado pelo autor e sua continuidade

enquanto processo composicional: “The first ‘translation’ occurs in the composer’s mind, with the transformation of his and her musical ideal in to visual notation” (p. 4). Infelizmente o autor não prossegue com a discussão, o que seria deveras enriquecedor para o presente trabalho. Acredito que sua grande contribuição para a área da semiótica musical está na tentativa de fundamentar o pensamento semiótico no que ele chama de

“Iconic aproach to music”: métodos anti-reducionistas (em oposição à teoria estruturalista)

cujos proponentes defendem que a música não deve ser reduzida a “abstract categories that function outside the musical process, but that the significance of music is ‘iconic’, based strictly on itself. This view emphasizes the gestural nature of music as something sensory, as a process” (p. 5). Basicamente, Tarasti se refere aqui à relação saussuriana de significante e significado (ou ainda o que Hjelmslev (1961) trata como “expression and content”)69. Esta condição, ainda que proveniente de uma perspetiva fundamentalmente abrangente, ganha eco nesta investigação, tendo contribuído significativamente.

Como disse, um ponto indispensável a ser discutido e que se faz pertinente neste momento é a relação comparativa entre a semiótica e a hermenêutica. De modo a estabelecer relações entre estas disciplinas, é necessário compreender desde já como as leis semióticas (enquanto elemento sígnico e suas derivadas prescritas por Peirce:

representamen, objeto e interpretante) atuam no processo de interpretação

68 “Musical modes” é o termo utilizado pelo autor.

69 Cf. Tarasti (1994), “unlike Pierce, who viewed signs as trichotomies, Saussure and Hjelmslev view them as two-sided. Very roughly, the signifier is the material (sounding or written) side of the sign; the signified is the though or concept for which it stands. In music, the signified may be a modality; e.g., a rapid ascending chromatic line can arouse a positive value of ‘will’ (p. 304).

hermenêutica. Não pretendo elaborar explicações sobre a classificação triádica de Peirce e tampouco na relação cognitiva significante-significado-representante. Cinjo-me, porém, sob pena de afastar-me de uma fundamentação hermenêutica, a apresentar superficialmente alguns pareceres sobre semiótica musical contemplados por este trabalho.

Anderson (2013) atesta que uma análise semiótica deve estar firmada sobre de três diretivas linguísticas: sintaxe, semântica e ação pragmática. Dentro desta classificação por ela proposta, os sistemas sígnicos (objetos principais de análise semiótica) “can be classified according to their physical channels or modes: whether their expressions belong to the visual sense (gestures, mime, writing, plastic arts, etc.), the auditory sense (spoken language, music, etc.), or tactile sense (the language of the blind)” (Tarasti, 1994, p. 4).

Com base na teoria estruturalista de elaboração sistémica do signo validada por Peirce e os demais semioticistas que defendem uma base sígnica triádica (ver, por exemplo, Santaella, 1992, 1995 e Noth, 1990), podemos elaborar uma breve terminologia de base semiótica ajustada à esta investigação, tal como segue:

1. Sinal à Descrição de como um parâmetro varia como função física de outro parâmetro;

2. Signo à Significação. Processo dinâmico de representação mental dos sinais. 3. Sinalética à Conjunto dos signos ou sinais que compõem um sistema de

sinalização ou comunicação. Estudo ou uso dos sinais;

4. Sistema à Processo que produz um sinal de saída em resposta a um sinal de entrada.

Abaixo está o esquema de como esta terminologia interage para a construção da teoria e a forma na qual estão organizados os níveis de perceção de todo o processo.

Figura 8. De sinal a sistema.

sistema sinaléhca

signo

Para Koellreutter (1990), o signo é um “sinal que se refere a alguma coisa fora de si mesmo”70 (p. 118). Esta definição, da maneira como é apresentada, é restritiva, e requer

uma elucidação teórica mais profunda para ser compreendida. Ora, ao necessitar de um sistema (seja este simples ou complexo) que o acolha e o represente, o signo passa a inexistir como matéria e passa a ser uma projeção da realidade. Esta relação de dependência afasta a autonomia cognitiva da compreensão e reposiciona a perspetiva do intérprete numa instabilidade relativizada do objetivo da compreensão. De modo a suprir esta instabilidade, Koellreutter (1990), no mesmo trabalho, apresenta uma alternativa que consiste em distinguir o signo em três tipos: