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2,2 PROCESSOS EDUCATIVOS NA FAMÍLIA 2,2,1 UM POUCO DE HISTÓRIA,,,

A educação das crianças dependia da forma como elas foram conceituadas, entendidas pelos adultos. Cada conceito (crença, conhecimento, definição) corresponde ao pensamento vigente de determinada época, em que o conhecimento formulado sobre a infância foi adequado às expectativas da sociedade (Lajolo,1997).

Há quem acreditava que a criança era um adulto pequeno e já nascia sabendo e precisava aprender um ofício; outros consideravam-na uma tábula rasa, como um vazio a ser preenchido; há ainda os que acreditavam na esperança de que as crianças irão dominar o mundo.

Lajolo (1997,p.228) explica que se o “conjunto de idéias e crenças sobre a infancia(...) soa como uma divertida ciranda de contradições, é admirável observar que, não obstante a contradição, todas estas crenças (conhecimentos?) subsistiram.”

Philipe Ariès nos apresenta em sua obra, História Social da Criança e da

Camilia, que a forma como se processava a educação de crianças e adolescentes

dependia do modo como a infância era entendida pela sociedade da época. Ele defende que só a partir do século XVH, na transição do feudalismo para o capitalismo, é que se

concebeu a ínfancia como uma etapa da vida humana que merecia métodos severos de educação e punição para que se formassem homens de fibra, homens de negócio.

Reis(1984) explica que tanto na família aristocrata, como na família camponesa, as relações entre os membros da casa eram rígidas, hierárquicas e mantidas pela tradição. As crianças de ambas famílias tinham que ser obedientes à hierarquia social e “nesse sentido o castigo físico era o instrumento comumente utilizado”(p.l06). Também era competência exclusiva da mãe a educação de seus filhos, diferenciando o modelo educacional para cada sexo.

Segundo este autor, ã submissão aos pais era supravalorizada no sentido de reproduzir ideologicamente o modelo de família e de sociedade capitalista emergente. “Obediência aos pais significa, assim, aceitação de normas que já estavam definidas quando ele nasceu; aceitação sem questionamento, isto é, submissão. Tudo isso em troca do afeto dos pais.” (p.l 15).

Amor e autoridade estavam, e ainda estão, permeando as relações entre pais e filhos. Não se podia contrariar a vontade, a decisão paterna. Conforme Maldonado (1999, p.9) a tarefa de educar “um filho era simplificada pela existência de regras e tradições inquestionáveis”. A criança não dava palpites, tinha que obedecer aos mais velhos e umas boas palmadas serviam como forma de manutenção da ordem e da disciplina. “Havia uma espécie de código para a educação.”

Biasoli-Alves (1999) mostra que na família patriarcal brasileira, originária da família portuguesa, os valores que eram repassados à infância pautavam-se na obediência, .respeito e deveres para com o patriarca. Existia bem delimitado o espaço público e o privado e, ao homem cabia a função de fazer esta ponte entre os espaços, não esquecendo que a educação acontecia de forma diferenciada segundo o sexo.

No Brasil, durante o período colonial, o filho ocupava uma posição puramente instrumental, secundária dentro da família. Conforme Jurandir Freire Costa (1989), que estudou o processo histórico de transformação e ‘normatização’ das relações intrafamíiiares no país, publicando o livro Ordem Médica e Norma Familiar, o

pai funcionava como monopolizador, pólo de atração da vida familiar num período em que a sociedade era dividida em senhores e escravos. Até o século XIX, a criança era ignorada ou subestimada na família.

Em virtude disso, privou-a do tipo e quota de afeição que, modernamente, reconhecemos como indispensáveis a seu desenvolvimento físico e emocional. Nem sempre o neném foi 'majestade * na família. O universo cultural dos três primeiros séculos, possuído pelo culto à propriedade, ao passado e ã religião assim o determinava: ao pai, ao adulto, os

louros; ao filho, à criança, as batatas! (p. 155).

Entretanto, os higienistas da época, preocupados com os altos índices de mortalidade e morbidade, difundiram a idéia da ‘pedagogia higiênica’ com o intuito de formar hábitos nas famílias considerados por eles como saudáveis e escolheram a criança corno instrumento ideal para o alcance de seus objetivos. Assim, no revela Costa (1989, p.174) citando Reis que era um dos defensores desta idéia na época.

Desde a primeira infância devem os pais disciplinar com lodo o esmero o espírito de seus f ilhos, quando sua alma ainda dócil se presta a todas as sortes de impressões; é nesta idade que

convém reprimir e domar suas inclinações, quando estas se mostrarem com algum pendor para aquilo que ultrapassa as raias do justo e do honesto, e defeitos depois também não podem ser sufocados, nem com maiores esforços da razão.

(grifo nosso).

Reis (1984) refere que como o advento do capitalismo, com o surgimento da família burguesa, monogâmica, o “filho deveria ser educado para aquilo que a burguesia estabelecera como ideal: vir a ser um homem autônomo, autodisciplinado, com capacidade para progredir nos negócios e dotado de perfeição moral” perante a sociedade.(p. l 10). A mulher deveria aprender a ser mãe e dona do lar, estando sempre na condição de submissão do pai ou do marido, 1;

Krynski (1985, p.5) ressalta que o século XX é denominado “o século da criamça”. “A criança passa a ser ‘notada’, descrita e aceita (em termos) como fazendo parte da humanidade” adulta.

Dessa forma, a infância passa a ser valorizada como uma etapa necessária á vida do ser humano, contudo, permanece ainda submetida ao mundo adultocêntrico, subordinada aos pais por sua condição, tendo que cumprir as normas estabelecidas e as punições devidas quando há a transgressão destas.

O fato é que a concepção, a representação, o sentimento de infância evoluiu, acompanhando a evolução de muitos outros conceitos e práticas nas famílias e na sociedade. Com o advento da tecnologia e do mundo científico, muitos costumes e práticas foram questionadas, principalmente no modo como se educava uma criança. As condições sócio-cultural, política e econômica da sociedade e o modo como ela se organiza e elabora seus conceitos e teorias de educação refletem-se nas relações familiares estabelecidas.

Muitos estudiosos como Freud (1905,1924) e Piaget (1972,1978) resolveram desmistificar o mundo infantil, estudando a infância e o seu desenvolvimento, até então pouco explorado, A criança passa a ser considerada como um ser em constante desenvolvimento, capaz de interagir com o meio e retirar dele subsídios que aumentem a sua aprendizagem. A infância é reconhecida como uma das etapas pela qual todo indivíduo passa e que precisa ser dada a sua real importância, pois se constitui o ponto de partida para a formação de adolescentes e adultos equilibrados e conscientes de suas funções na sociedade.

Lins (2000) explica que nos meados do século XX, acontece a supervalorização de ciências como a Psicanálise, a Psicologia e a Pedagogia, que procuraram interpretar o mundo e passaram a oferecer ‘receitas’ prontas de preservação da felicidade infantil. Desta forma, a autora revela que o grande defensor desta idéia de preservar a felicidade infantil foi Dr. Spock, considerado como o ‘pai da permissividade1. Ela destaca ainda, que também a literatura popular buscava (e ainda busca) orientar os pais como os manuais do Dr Rlnaldo De Lamare, tidos pelas mães corno verdadeiros dogmas no manejo da educação de crianças, defendendo a idéia de que a criança precisa ser poupada das frustrações para crescer saudável.

/Miado aos estudiosos, revistas, jornais, filmes entre outros meios de informação geraram dúvidas e uma excessiva, preocupação na maneira adequada de como educar um filho. “Inúmeras perguntas e dúvidas passam pela cabeça dos pais de hoje, que se sentem inseguros, desorientados, indefinidos em seu papel de educadores/’ (Maldonado, 1999, p.10).