• Nenhum resultado encontrado

4.2 A FECUNDIDADE DA OBRA DE MOSCOVICI PARA A TEORIA DAS

4.2.1 Os processos de objetivação e ancoragem

Representar algo, remete ao processo de atribuição de significado de determinada coisa ou fenômeno, passa, necessariamente, pela percepção e conceituação desse objeto da realidade. Busca-se então compreender o processo de formação das representações a partir da teoria da representação social, ancorados no que versam Moscovici, sobretudo.

Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem. (MOSCOVICI, 2010, p. 41)

Nessa perspectiva que Moscovici trata do caráter dinâmico das representações, em contraponto ao estilo de abordagem destas como estáticas. Para Almeida (2001, p.3) o estudo das representações sociais implica em averiguar três pontos: "o que pensam" os sujeitos sobre um certo objeto, ou seja, buscar o conteúdo da representação; "porque pensam", a razão do seu pensar, relativo ao porquê de assumir uma função no cognitivo e no social do indivíduo e enfim; "como pensam," relacionado a forma do pensamento, que processos possibilitam a construção das representações. Nessa linha de pensamento, é preciso refletir sobre o modo como Moscovici concebe a elaboração da representação social,

[...] o conhecimento do senso comum é elaborado a partir dos processos de objetivação e ancoragem, segue uma lógica natural, e tem como funções orientar condutas, possibilitar a comunicação, compreender e explicar a realidade social, justificar a posteriori as tomadas de posição e as condutas do sujeito, e uma função identitária que permite definir identidades e salvaguardar as especificidades dos grupos. (SANTOS, 2005, p. 21)

O procedimento de elaboração de uma representação pressupõe inicialmente de dois processos mencionados, que são a objetivação e a ancoragem. Ambos, decorrentes e que estão interligados, possibilitando a significação de um dado objeto na vivência de um determinado sujeito. Nesse contexto, é preciso compreender o que afirma Moscovici, (2010, p. 60-61)

reiterando sua abordagem da ancoragem e da objetivação como mecanismos que geram as representações:

O primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar. [...] O objetivo do segundo mecanismo é objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico. (Moscovici, 2010, p. 60-61)

Assim observa-se o caráter da familiaridade de fenômenos no processo de objetivação, de projeção no real dos aspectos novos, desconhecidos, uma vez que estes foram incorporados no sistema de valores dos sujeitos sociais. É justamente aí que Moscovici (2010, p.71) aponta a abordagem para além do que foi tratado por Maxwell: “[...] o que é incomum e imperceptível para uma geração, torna-se familiar e óbvio para a seguinte. ”

O processo da objetivação, como o próprio nome sugere, dá concretude àquilo que outrora era abstrato para o sujeito, e se organiza segundo Santos (2005, p. 32) em torno de três movimentos:

1. Seleção e descontextualização – movimento no qual o sujeito seleciona informações mediante o repertório de saberes e valores que possui;

2. Formação de um núcleo figurativo: onde o objeto ou as informações acerca dele são incorporados, formando um “núcleo imaginante a partir da transformação do conceito”; 3. Naturalização dos elementos – É quando “os elementos construídos socialmente passam

a ser identificados como elementos da realidade do objeto”.

Tendo em vista os movimentos mencionados, o processo de objetivação é uma “etapa” que pressupõe o processo de aproximação com novos elementos de uma dada realidade, na qual o sujeito vai ativamente incorporando aspectos do real e configurando imagens e elementos para que estes sejam “naturalizados”. “(...) objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso, é reproduzir um conceito em uma imagem”. (MOSCOVICI, 2010, p. 71)

De maneira sucinta, a ancoragem, se constitui pela inserção de um elemento novo na rede de significados preexistentes e que fazem parte do cotidiano do sujeito. A ancoragem, como bem o nome indica, é o processo pelo qual são fixados novos aspectos na nossa rede simbólica de construção de sentidos. “A ancoragem permite ao indivíduo integrar o objeto da

representação em um sistema de valores que lhe é próprio, denominando-o e classificando-o em função dos laços que este objeto mantém com sua inserção social” (SANTOS 2005, p.126).

Ela dá sustentabilidade a posicionamentos, e consequentemente, gere ações futuras dos indivíduos. Implicando em três fatores: atribuição de sentido – indicando que o “sentido foi atribuído ao novo objeto”(SANTOS 2005, p.33), a instrumentalização do saber – uma vez atribuído o sentido ao elemento novo, eis que este saber “se torna uma teoria de referência”(idem) E por último, o enraizamento no sistema de pensamento – no qual, ajusta-se o elemento à rede de significados simbólicos do sujeito, modificando os elementos preexistentes, num processo em que “o novo torna-se familiar ao mesmo tempo em que transforma o conhecimento anterior” (idem).

A ancoragem corresponde exatamente na incorporação ou assimilação [...] permite ao indivíduo integrar o objeto da representação em um sistema de valores que lhe é próprio [...]. Assim, um novo objeto é ancorado quando ele passa a fazer parte de um sistema de categorias já existentes, mediante alguns ajustes. (ALMEIDA, 2005, p. 126-127)

Assim descrito, o processo de elaboração das representações sociais pode ser compreendido dentro da dinâmica do sujeito que interage com o meio social. O sujeito constrói suas RS a partir de suas pré concepções e valores, bem como através do convívio nos grupos sociais e os elementos dispostos por este, que influenciam na seletividade e adaptação de elementos novos ao seu pensamento. Estes elementos do cotidiano, podem transformar conceitos preexistentes do indivíduo, e interferir nas representações destes.

Para melhor compreensão destaca-se o debate acerca da representação da Educação Infantil e a concepção de criança e infância assimilada por aqueles que ali atuam. O modo pelo qual cada pessoa representa essa temática foi gerido a partir desse processo de construção simbólica do real, que passa necessariamente pelas informações obtidas sobre o assunto em questão, estando, portanto, envolvidos ambos os processos descritos anteriormente, que se caracterizam pela construção de significados através do “filtro” que o sujeito social interpõe aos fenômenos sociais mediante seus valores preexistentes. Nesse sentido, é oportuno destacar que a,

Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com a memória. A primeira mantém a memória em movimento e a memória é dirigida para dentro, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com um tipo e os rotula com um nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido. (MOSCOVICI, 2010, p. 78)

A partir dessa exposição, se visualiza um contínuo movimento mental; elementos novos são incorporados pelas pessoas através da ancoragem, que classifica e atribui sentido a estes e os nomeia. Ao mesmo tempo em que estes conceitos e imagens são externados no sentido de transpor para o concreto aquilo que antes pertencia ao nível abstrato.

Segundo Santos (2005, p. 27-29) Moscovici afirma que as representações possuem determinantes sociais, que definem o caráter dos posicionamentos sociais cotidianos, como a pressão à inferência, a focalização, defasagem e dispersão de informação, os quais influenciam nos julgamentos, na atenção ou no foco em alguns aspectos e no acesso às informações sobre o objeto respectivamente.

Ou seja, as pressões externas influenciam as posições assumidas pelas pessoas sobre vários aspectos da realidade, favorecendo a preparação de “[...] respostas pré-fabricadas e forçando um consenso de opinião para garantir a comunicação e assegurar a validade da representação. (Op. cit., p. 28). Sem esquecer que a mesma pessoa que é ativa nesse processo, tende a enfatizar ou dar mais atenção a alguns dados em detrimento de outros, segundo seus valores; bem como os sujeitos podem ter acesso diversificado às informações sobre determinado objeto, o que irá incidir sobre a representação do mesmo, tendo em vista que são essas informações obtidas que irão montar o “núcleo figurativo” a respeito do objeto social.

Ao tratar da teoria da representação social, não se pode deixar de fazer referência aos três aspectos considerados por Almeida (2005, p. 122) como elementos fundantes na compreensão do conceito de representação. Em primeiro lugar, aparece a comunicação; responsável pelas trocas estabelecidas entre os sujeitos ao longo da convivência social. O segundo aspecto abordado é a (re) construção do real; que compreende a dinamicidade dessa construção simbólica no seu intercâmbio com a realidade cotidiana, permitindo uma construção e uma reconstrução de significados contínua.

Por último, o domínio do mundo, que pode ser entendido como uma orientação prática, uma vez que as representações sociais envolvem uma gama de conhecimentos a respeito do mundo social em que os sujeitos se inserem, admitindo determinados posicionamentos assumidos no mundo ou em sociedade.

Nessa perspectiva, percebe-se a função de orientação para a prática, desenvolvida pela construção simbólica das representações. Conclui-se nesse aspecto, que a construção do real, a tomada de decisões e as atitudes tomadas pelas pessoas em seu cotidiano, são influenciadas pelas suas representações dos fenômenos.