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Para iniciar a discussão sobre a abordagem estrutural proposta por Abric, é preciso destacar o caráter de interdependência entre as representações e as práticas. O sentido de interdependência, demonstra a forma como é entendida a relação entre representações e práticas, destacada por Abric (2001, 2003, 1994). A relação recíproca de influências, a representação social na construção das práticas, bem como das práticas na reformulação das representações. Abric constrói uma abordagem a partir da teoria das representações sociais, formulada por Moscovici. Ele tinha interesse em compreender como se dá a relação entre as representações e as práticas sociais.

A abordagem estrutural das representações, elaborada por Abric como complementar a teoria original de Moscovici, também se preocupa em articular a abordagem da psicologia com o social. Nesse sentido Abric (2001, p.156) lembra o conceito de representação:

[...] a representação é um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação. É determinada ao mesmo tempo pelo próprio sujeito (sua história, sua vivência), pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido e pela natureza dos vínculos que ele mantém com esse sistema social.

A representação se apresenta enquanto processo e produto. Spink (2004, p. 92) entende que a relação das representações sociais enquanto processo e produto está imbricada, e sua divisão ocasiona uma falsa dicotomia.

Abric também chama a atenção para a dimensão simbólica que se constitui interesse na abordagem estrutural das representações não se limitando a perceber esta apenas como elemento a ser observado. Importante destacar que os comportamentos dos indivíduos não são modelados pela situação, mas pela representação desta. Não é uma realidade tácita, objetiva, mas a representada, que é própria de um determinado sujeito. Para Abric, a ação dos sujeitos é determinada pelas representações, esta abordagem visa captar o conteúdo e a estrutura das representações.

Abric (2003) defendia que toda representação se estrutura em torno de dois sistemas, o central e o periférico. O núcleo central engloba elementos mais permanentes da representação e remetem à organização interna das representações sociais. O caráter flexível e ao mesmo tempo estável da representação em sua relação com os sistemas apresentados está relacionado

ao sistema periférico. Esse sistema é formado a partir de elementos periféricos que servem como guarda-chuva10 para o núcleo central.

O núcleo central é constituído de um ou alguns elementos, sempre em quantidade limitada. Ele assegura três funções essenciais, o que significa dizer que ele determina: - o significado da representação (função generadora); - a organização interna (função organizadora); a estabilidade (função estabilizadora). O núcleo central, determinando o significado, a consistência e a permanência, vai então resistir a mudança, visto que toda modificação do núcleo central provoca uma transformação completa da representação. (ABRIC, 2003, p.38).

Para haver uma transformação nas representações, é necessária alguma alteração significativa no sistema central. Abric acredita que, duas representações sociais apenas serão diferentes, se houver dois núcleos, e que, mesmo que existam elementos divergentes, se estes elementos estiverem organizados em torno de um mesmo núcleo, teremos uma só representação. É a organização que determina uma representação, e não o conteúdo.

Já em relação ao sistema periférico, ele afirma ser este, bem mais acessível e também suscetível de mudanças. Sendo uma modificação desse sistema, não exatamente correspondente a uma modificação do núcleo central. Ele entende que; "O sistema periférico é bem menos limitante, ele é mais leve e flexível. É a parte mais acessível e mais viva da representação". (ABRIC, 2003, p.38). Ele acrescenta que o sistema central possui uma determinação que é "essencialmente social" e o periférico "é mais individualizada e contextualizada"

Complementando o que afirma Abric, Campos (2003, p. 21-22) destaca o duplo sistema que representa esta abordagem explicitando que o núcleo central se vincula "[...] às condições históricas, sociológicas e ideológicas, sendo também ligado às normas e aos valores sociais, e define a organização e o significado da representação". Com relação ao sistema periférico ele aponta que este é "[...] ligado ao contexto imediato, a história pessoal do indivíduo e que permite a adaptação da representação às mudanças conjunturais". Ele esclarece como funciona o sistema central. Segundo o autor, este é o responsável pela determinação do significado e a estruturação da representação.

[...] a) concretização, função na qual os elementos oriundos dos processos de ancoragem permitem o entendimento da representação em termos bem concretos; b)

regulação, na qual os esquemas permitam a adaptação dos conteúdos e processos

coletivos às mudanças do contexto externo; c) defesa, na qual o sistema parece desempenhar um papel de um para choque, modificando e neutralizando importantes modificações no meio, de modo a evitar ao máximo as transformações bruscas do

10 No sentido de proteger a representação, pois o núcleo central é tido enquanto sistema mais estável da

núcleo e evitar o ataque ao núcleo central por parte da realidade, quando esta sofre uma mudança intensa. (ABRIC, 2003, p. 26)

Estas funções exercidas pelo sistema periférico apresentadas pelo autor, permitem compreender como este sistema está conectado ao sistema central, funcionando como proteção do núcleo central ou possibilitando as possíveis mudanças nas representações, bem como este sistema se apresenta como o sistema que está em contato com o cotidiano e é diversas vezes instado a reagir diante das constantes mudanças.

Abric cita três perspectivas de estudo dentro da abordagem por ele inaugurada. Segundo o autor, três pesquisas são representativas deste campo. "[..] as relativas ao efeito das representações sobre o comportamento interpessoal; as que se interessam pelas situações de resolução de problemas e de criatividade; e as que se voltam para os comportamentos intergrupais. (2001, p. 158). Com relação a primeira perspectiva, é destacado o conhecimento do sujeito e a relação com a representação do outro indivíduo da relação designa o grau de cooperação entre os sujeitos. Diante da seguinte, é destacado o comportamento do grupo e sua relação com a representação, sendo esta que determinaria a prática.

Ele afirma que, "[...] não é a natureza do problema proposto que é determinante no desempenho; é a relação do indivíduo com o problema, isto é, a representação da situação para ele, o contexto representado". Sendo assim, a relação com o problema que determina o campo, não existindo desse modo neutralidade nas situações. Cada contexto traz elementos que expressam uma significação peculiar. Por último, as representações se apresentam enquanto justificativa das condutas. Entendo que: "A representação precede a ação e a predetermina". (ABRIC, 2001, p.162)

Para Abric (2001) as representações sociais possuem uma estrutura interna que se organiza em torno de dois sistemas. Ele afirma: "Toda representação se organiza em torno de um núcleo central. Esse núcleo é o elemento fundamental da representação, pois é ele que determina ao mesmo tempo sua significação e sua organização". Ele demonstra que o núcleo central se apresenta como estruturante das representações sociais e uma mudança neste implicaria em uma modificação da natureza da representação; assegura duas funções deste, a saber; enquanto geradora das representações, no qual ganham sentido, mas também como organizadora, como estabilizadora das representações. De acordo com o autor, a mudança na representação só acontece quando o núcleo central é posto em questão. Interessante destacar o funcionamento do núcleo central.:

[...] o núcleo central de uma representação é ele mesmo um sistema organizado. É constituído de dois tipos de elementos: normativos e funcionais. Estes elementos são hierarquizados e podem ser ativados diferentemente, de acordo com a natureza do grupo ou a finalidade da situação. (ABRIC, 2001, p.168)

Ele esclarece que as transformações nas representações sociais podem ser elencadas em três tipos: transformações resistentes, progressivas ou brutais. Nas transformações resistentes, onde as mudanças ocorrem apenas no sistema periférico, não há risco para uma possível alteração no núcleo central pois o sistema periférico irá atuar em defesa deste. No segundo caso, ou seja, as transformações progressivas, são caracterizadas como práticas não totalmente geridas pelo sistema periférico por não ser totalmente contraditórias, por essa razão, paulatinamente irão se integrar ao núcleo central constituindo uma nova representação. E por fim, as transformações descritas como brutais, estas colocadas de tal forma que não possibilitam a defesa pelo sistema e colocam em questão toda a estrutura da representação.

Há três tipos de transformações da representação. A transformação progressiva, na qual as práticas não são totalmente contraditórias; a resistente, onde impedem o esfacelamento do núcleo a curto prazo; e a brutal que se caracteriza pelas mudanças das circunstâncias atacarem diretamente o núcleo central.

Para discutir as relações estabelecidas entre as representações e as práticas, aponta-se inicialmente o pensamento de Campos (2003). Ele apresenta a importância do desenvolvimento de pesquisas sobre o que ele chama de cognição social, para se pensar sobre as relações entre as condutas e a cognição, e situa Moscovici como importante para se pensar sobre as práticas comunicativas quando se pensa em intercâmbios entre grupos. Abric auxilia a reflexão sobre a ação enquanto um sistema mais complexo que comporta não apenas aspectos cognitivos, mas também a vivência das pessoas, entendendo que a ação define a prática. Nesse sentido é pertinente lançar mão de seu apontamento reflexivo:

[...] não é a realidade tal como o experimentador a imagina que o sujeito reage, mas a uma outra eventualmente diferente: uma realidade representada, isto é apropriada, estruturada, transformada - a realidade do sujeito. Eis um primeiro objetivo para o estudo experimental - verificar a validade dessa hipótese geral: os comportamentos dos sujeitos ou dos grupos não são determinados pelas características objetivas da situação, mas pela representação desta situação. (ABRIC, 2001, p.156)

É abordada uma questão interessante, seria a representação ausente de influência, ou poderia haver uma influência direta da representação sobre a prática do indivíduo, ou ainda se seria a prática a influenciar esta representação ou ainda, se estas representações e práticas não seriam intercambiáveis, que ocorrem em uma relação dialética entre estas, na qual não apenas

as representações influenciam as práticas mas estas últimas também influenciam as representações e modificam as primeiras, uma relação de troca, de influência mútua, onde uma é condição para que a outra se transforme.

Não é uma realidade tácita, objetiva, mas uma representada, que é própria a uma determinada pessoa.

Podemos classificar os estudos sobre a questão da determinação das práticas pelas representações (ou vice-versa) segundo três tipos de estudos realizados até hoje: estudos nos quais as práticas são determinantes na transformação das representações; estudos que consideram que as representações tem um papel determinante na produção de práticas e comportamentos; e finalmente, estudos nos quais, considerando-se a complexidade das situações sociais reais, o estudo das representações contribui para a compreensão da situação, sem no entanto, permitir a formulação de hipóteses explicativas unidirecionais e inequívocas. (CAMPOS, 2003, p. 31)

Ele entende que este processo é bastante complexo. Para esclarecer melhor esta questão, vamos discutir algumas questões. Primeiramente, as práticas determinam as representações. Este processo de mudança externa é entendido pelo indivíduo como irreversível. Estas práticas estariam em pleno desacordo com as representações anteriores dos sujeitos e por essa razão irão incorrer em uma transformação sem ruptura da representação;

Em segundo caso, a representação determina as práticas. Muitos experimentos têm contribuído para se pensar que esta é uma dinâmica comprovada quando se relacionam representações e práticas, na qual é demonstrado como o contexto e a relação entre os membros de um grupo determinam e consequentemente as representações que estes compartilham são determinantes para guiar uma ação do sujeito.

Por fim, a perspectiva de uma interdependência entre as representações e as práticas. Campos (2003) chama a atenção para observar alguns aspectos do "agir humano" e do "agir coletivo": em dadas situações que podem indicar mudanças externas radicais, seja por aspectos percebidos como reversíveis, irreversíveis ou brutais; quer sejam em situações de transformações não tão radicais da realidade que colaboram para maior autonomia dos indivíduos e consequentemente maior grau de determinação das práticas pelas representações se apresenta em maior intensidade.

4.4 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO ESTUDO DA FORMAÇÃO DOCENTE E SUA