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A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA ESCOLA

2 SER PROFESSOR NA ATUALIDADE

2.4 A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA ESCOLA

As relações produzidas nas escolas, levando em conta o pensamento de Foucault, referem-se aos modos de produção da subjetividade dos sujeitos, decorrentes das relações entre os envolvidos no contexto escolar como resultado da inserção social.

Ao falarmos de “produção de subjetividade”, estamos nos referindo a uma subjetividade como constante processo social, isto é, de acordo com a configuração sócio-histórica em que se situa.

A subjetivação não é algo acabado ou pré-determinado, entretanto está em constante processo de transformação. Para Foucault (1999a), há diversas maneiras de se subjetivar no decorrer da história, em que o sujeito pode fixar, manter ou transformar sua identidade.

Compreendemos, então, que a subjetividade, hoje, não se produz da mesma maneira que no início do século XX. E podemos verificar o papel da instituição escolar nesse modo de produção, visto que, se por um lado ela é um local de construção de subjetividade por estar inserida num contexto atravessado pela configuração social, por outro, imprime as marcas das relações de poder exercidas entre os professores e alunos.

Essas relações de poder se constituem em decorrência da maneira como cada um concebe a aprendizagem e transmite o saber. Para entendermos como essas relações se produzem nas escolas, valemo-nos da concepção de “sociedade disciplinar”, sem esquecermos de que o próprio Foucault já apontava para uma transformação da sociedade disciplinar nos dias de hoje. No entanto, as escolas guardam forte influência desse modo de atuação pelas relações de poder que ali se estabelecem.

33 Através das ações e práticas cotidianas, o poder, o saber e os corpos se cruzam para produzir os sujeitos que somos, bem como as instituições e redes sociais nas quais estamos inseridos. E Foucault nos esclarece que

As relações de poder se enraízam profundamente no nexo social [...]. uma sociedade ‘sem relação de poder’ só pode ser uma abstração. [...] A análise, a elaboração, a retomada da questão das relações de poder, e do ‘agonismo’entre relações de poder e intransitividade da liberdade, é uma tarefa política incessante [...] inerente a toda existência social (1995, p. 245- 246).

Sobre a análise do poder, Foucault (1999b) esclarece que o poder deve ser avaliado como algo que funciona em cadeia, que não está situado aqui ou ali, nem que está na mão de alguns. Não é um bem, mas algo que se exerce em rede onde todos os indivíduos circulam. Vale ressaltar que, nessas redes, qualquer um pode estar em posição de ser submetido ao poder, mas também de exercê-lo.

Não se trata da questão de “quem tem o poder”, mas de como ele se estabelece e produz seus resultados. Em seu livro Vigiar e punir (1999a), Foucault disserta sobre as relações de poder estabelecidas no século XX nas instituições - família, escola, prisões e quartéis - que se caracterizaram pela produção de corpos dóceis por meio da disciplina.

Já no século XVIII, as sociedades disciplinares começaram a distribuir os indivíduos no espaço por meio de técnicas de enclausuramento e/ou de organizações hierárquicas de lugares específicos, a fim de atingir o objetivo de produção dos corpos dóceis. Para tanto, as atividades eram controladas temporariamente, o que possibilitava o isolamento do tempo de formação e do período da prática do indivíduo. Desse modo, a aprendizagem poderia ser normatizada, e as forças produtivas seriam organizadas com a finalidade de obtenção de um aparelho eficiente.

Para que o poder exercido na disciplina pudesse se efetivar, é verificado um modelo de vigilância hierárquica. Nessa forma de poder, Foucault retoma o modelo ortopédico do Panoptico 5 idealizado por Jeremy Bentham (FOUCAULT, 1999a).

5 O Panópticon era um edifício em forma de anel, com um pátio no meio do qual surgia uma torre central, onde se situava um vigilante. Era constituído de pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior, possibilitando um olhar atento do vigilante. Essa forma arquitetônica valia para as escolas, hospitais, prisões, fábricas, hospícios (FOUCAULT, 1999a).

34 A vigilância hierárquica sobre os indivíduos possibilita a articulação de um poder com um saber, que se organiza em torno da norma, do que é ou não considerado normal, do que é ou não considerado correto, do que se deve ou não fazer (FOUCAULT, 1999a). Assim, podemos concluir que a instituição escolar se constituiu no século XX, valendo-se das normas disciplinares, com uma concepção de valor do que deveria ser “bem educado” e, em muitas escolas, ainda prevalecem os vestígios do poder disciplinar, provocando confrontos entre professores e alunos, sem contar os exercícios de poder hierarquizados entre os profissionais da educação que contribuem para a instalação de situações geradoras de mal-estar.

Cabe retomar, aqui, que pensamos na subjetividade como resultado de uma produção constante, tendo que ela não está na origem nem é imanente à natureza humana e está relacionada aos padrões identitários e normativos que se configuram de acordo com cada época.

Nas relações sociais, em geral, existem modos de subjetivação que se modificam, fazendo surgir novas formas de transgressão e novos processos de subjetivação. Nem seria necessário dizer que não existe uma subjetivação transcendental com valores universais válidos através dos tempos e lugares.

A situação de mal-estar sentida pelos professores nada mais é que um efeito do modo como os próprios agentes sociais são atravessados pela configuração social, mas que também coloca em jogo as transformações sociais que esses sujeitos possibilitam. As instituições sociais cumprem novas configurações, o que sugere uma análise transversal para a atuação desses professores. Assim sendo, se, por um lado, a escola reproduz os valores hegemônicos da sociedade, por outro, mediante os impasses enfrentados nas instituições escolares, ela participa da transformação desses valores por ser um lugar fundamental na produção de sujeitos implicados.

Os dispositivos de poder e as tecnologias produzem também os sujeitos ativos, livres e senhores de si, resultado das circunstâncias nas quais se inserem, apresentando-se senhor de suas escolhas com todos os riscos que elas significam. Aqui, situo os sujeitos dessa pesquisa, que se aventuram na construção permanente de novas formas de subjetivação, na promoção de estados de bem-estar.

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