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3 CARACTERIZAÇÃO DO APL DA VITIVINICULTURA DA SERRA

3.2. Caracterização produtiva do APL da Vitivinicultura da Serra Gaúcha

3.2.2 Produção Vinícola no RS

O setor industrial vinícola do RS é formado por 738 empresas (CADASTRO VITÍCOLA DO RS, 2008). Destas, 88% estão localizadas nos nove municípios acima mencionados, havendo cerca de 60 empresas localizadas em outras regiões do estado.

Nos últimos anos, o número de estabelecimentos vinícolas no RS tem se ampliado, como se pode observar através do Gráfico 2, crescendo de 2001 a 2009 cerca de 60% o número de empresas registradas no IBRAVIN.

Tal crescimento se explica não somente pela ampliação da comercialização de vinhos e sucos de uva, como também por uma ampliação do chamado “negócio do vinho”. Inúmeras empresas (vitícolas e vinícolas) vêem investindo, nos últimos anos, no incremento de seus negócios originais, indo para além da produção de uvas e vinhos, agregando valor às suas marcas através de uma série de produtos e serviços acessórios, todos ligados ao vinho, tais como restaurantes, pousadas, hotéis, cosméticos etc.

Gráfico 2 – Evolução do número de empresas vinícolas no RS – 2001 a 2009.

Fonte: CADASTRO VITÍCOLA DO RS, 2008. Os dados de 2009 foram repassados pelo IBRAVIN em entrevista.

O mercado de vinhos compreende basicamente os vinhos de consumo corrente ou vinhos comuns, produzidos a partir de uvas de variedades americanas e híbridas, e vinhos finos, que são elaborados a partir de uvas de castas nobres, da espécie Vitis Vinífera. Nos últimos quinze anos, tem ocorrido um intenso movimento de valorização da produção, através de investimentos em uvas varietais. No entanto, a produção de vinhos comuns ainda é a tônica do setor, respondendo por 60% da produção total de vinhos e derivados em 2009, como se pode perceber na Tabela 5, adiante.

Para Vargas (2002), o arranjo produtivo da vitivinicultura da Serra gaúcha se caracteriza pelo predomínio (ou foco) nos mercados locais e nacionais, a despeito do substancial esforço de um grupo expressivo de empresas em assumirem a internacionalização como uma de suas metas principais. No entanto, tais estratégias de internacionalização têm como finalidade, entre outras medidas, a ampliação do reconhecimento do mercado interno. A busca pela valorização das marcas no mercado nacional passa também pela participação em feiras e premiações internacionais, cujo objetivo principal é a agregação de valor aos produtos via distinção das marcas (FARIAS; CAMPREGHER, 2008).

Tabela 5 – Produção de vinhos e derivados no RS (1994 a 2009)

ANO MILHÕES DE LITROS

Vinhos Finos

Vinhos de Mesa

Outros derivados da uva e do vinho

TOTAL

1994 58,73 202,07 29,40 290,20

1995 47,13 213,36 37,96 298,45

1996 45,33 152,92 21,94 220,19

1997 46,99 182,82 37,96 267,77

1998 33,90 150,81 28,60 213,31

1999 45,83 226,52 38,95 311,31

2000 56,21 273,03 43,68 372,92

2001 34,16 228,93 33,49 96,58

2002 31,66 259,65 48,74 340,04

2003 29,88 203,90 36,60 270,38

2004 42,96 313,70 51,87 408,53

2005 45,45 226,08 53,50 325,04

2006 32,12 185,08 59,13 276,33

2007 43,18 275,25 70,89 389,32

2008 47,33 287,44 93,19 427,97

2009 39,90 205,42 96,50 341,82

Fonte: CADASTRO VITÍCOLA DO RS, 2008. Os dados de 2009 foram fornecidos pelo IBRAVIN em entrevista realizada pelo autor.

Vargas (2002) categoriza as empresas presentes no APL vitivinícola da Serra gaúcha em três segmentos distintos, a saber:

i) Empresas com capacidade de produção acima de seis milhões de litros/ano, que atuam principalmente na produção de vinhos finos e espumantes (o que não impede a produção de outros produtos ou sub-produtos por parte dessas empresas). Encontram-se nesse segmento tanto grandes empresas de capital nacional, quanto divisões de grupos estrangeiros com filiais na região. Representam menos de 2% do universo de empresas do setor, mas são responsáveis por mais de um terço do total de vinhos do arranjo.

ii) Pequenas vinícolas e cooperativas que produzem menos de três milhões de litros/ano, porém são responsáveis por mais de 50% da produção de vinhos do arranjo. Grande parte dessas empresas se dedica a produção de vinhos comuns, e apenas nos últimos anos têm iniciado a produção (ainda pequena) de vinhos finos.

iii) Pequenas cantinas familiares, que têm se especializado na produção de vinhos finos, que têm conquistado parcelas significativas de nichos do mercado nacional, anteriormente atendidas pelas empresas do primeiro segmento (nacionais ou estrangeiras).

O que se percebe, em especial nas pequenas cantinas e naquelas de produção estritamente familiar, é que o número de funcionários (formais e informais) variará conforme o produto principal da empresa. Se a firma foca sua produção na elaboração de vinhos comuns e sub-produtos do vinho, a quantidade de mão-de-obra empregada é menor do que naquelas firmas que concentram sua produção nos vinhos finos e espumantes. Isso porque o processo de vinificação de produtos finos é mais extensa do que o processo de vinhos comuns, uma vez que esse, em geral, é vendido a granel, reduzindo boa parte do processo. O processo de produção de vinhos finos pode ser verificada, em sua extensão, na figura 1. Por diversas razões, um número cada vez maior de vinícolas tem orientado sua produção para a elaboração de vinhos finos e espumantes.

Figura 1 – Processo de produção de vinhos finos.

Fonte: elaborado a partir de Bellé (2003).

Este movimento de orientação das empresas, em maior ou menor escala, em ofertar em seus portfólios de produtos, vinhos finos, exige das empresas esforços adicionais. A produção de vinhos finos, como já foi mencionado, demanda um elevado nível de capacitação e investimento por parte das vinícolas, que se reflete não apenas no nível tecnológico de máquinas e equipamentos utilizados na produção, mas sobretudo em um estoque de conhecimentos técnicos e de melhores práticas enológicas (VARGAS, 2002).

A fim de avaliar a intensidade desse movimento rumo à produção de vinhos finos, torna-se importante analisar o destino das uvas processadas no RS nos últimos anos. A Tabela 6 demonstra a evolução da utilização de uvas para a vinificação de vinhos comuns, finos, sucos de uva e outros produtos derivados (coolers, xaropes, sangrias etc.). A primeira grande constatação é a substantiva quantidade de uvas comuns que são utilizadas na fabricação de sucos de uva, um crescimento de 61% de 2004 a 2009. Isso explica, em parte, a queda na utilização de uvas comuns para a produção de vinhos comuns, que no mesmo período teve uma redução de uso de 45%.

Analisando a destinação das uvas viníferas processadas, percebe-se que estas são quase todas para a produção de vinhos finos, com uma mínima utilização em sucos e uma pequena, mas crescente, utilização em outros produtos, aqui, em especial, destaca-se a utilização de viníferas na elaboração de espumantes, produto que juntamente com o suco de uva apresenta maiores taxas de crescimento de vendas do setor.

Tabela 6 – Destino da uva processada no RS (2004 a 2009)

Destino 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Comuns p/sucos 19,1% 24,4% 28,5% 22,4% 23,5% 31,2%

Viníferas p/sucos 0,0% 0,5% 1,1% 0,8% 1,1% 2,9%

Comuns p/vinhos 75,1% 67,3% 63,6% 68,2% 64,6% 54,9%

Viníferas p/vinhos 96,2% 96,3% 89,4% 92,7% 90,9% 90,6%

Comuns p/outros produtos 5,8% 8,3% 7,9% 9,5% 11,9% 13,9%

Viníferas p/outros produtos 3,8% 3,2% 9,5% 6,5% 8,0% 6,5%

Total de Comuns 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Total de Viníferas 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: CADASTRO VITÍCOLA DO RS, 2008

O setor vitivinícola, especialmente as empresas focadas na produção de vinhos finos, tem sofrido com a pressão dos produtos importados no mercado brasileiro. Em 2009, segundo dados da SECEX, foram importados 59,12 milhões de litros de vinhos finos, o que representa um aumento de importações de vinhos de 2002 a 2009 na ordem de 122%. A mesma comparação realizada em termos de valores em dólares demonstra que, de 2002 a 2009, ocorreu um incremento de 227% no valor das importações de vinhos finos.

Os principais rivais da vitivinicultura nacional em termos de importação são dois vizinhos do Mercosul: Argentina e Chile (Tabela 7). De 2002 a 2009, a Argentina incrementou suas exportações para o Brasil de vinhos finos na ordem de 281% (em termos de volume), exportando para o Brasil, em 2009, 14,8 milhões de litros de vinhos;

o Chile, no mesmo período, incrementou suas exportações para o Brasil em 263% (em volume), exportando para o Brasil, em 2009, 22,5 milhões de litros.

A análise da balança comercial do setor de vinhos nacional apresenta peculiaridades. Ao se analisar a situação da comercialização interna de vinhos finos, percebe-se que 75% desse mercado é dominado por produtos importados, cabendo aos produtores nacionais a fatia pouco significativa da quarta parte deste. Esse tem sido um dos temas mais discutidos na agenda setorial de vinhos nacionais. Esse desequilíbrio é

fruto de problemas de negociação interna ao Mercosul. Medidas têm sido exigidas pela Câmara Setorial da Vitivinicultura, ligada ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Entre as medidas, está a revisão dos acordos firmados com o Chile através do Mercosul, que prevê a redução progressiva das tarifas de importação de vinhos finos chilenos. Em 2005, a tarifação de entrada de vinhos com rótulos chilenos era de 27%. Hoje, por conta dos acordos bilaterais do Mercosul, esta tarifação é de 4,59%, chegando a zero em meados de 2011. Por conta disso, a vendas de vinhos com rótulos chilenos no Brasil, por exemplo, em 2009, representou 56% da produção total de vinhos finos elaborados por todas as vinícolas nacionais (UVIBRA, 2009).

Tabela 7 – Procedência das importações de vinhos do Brasil (mil litros)

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Argentina 3.884 5.864 11.211 11.981 13.653 16.177 15.448 14.797 Itália 7.363 6.446 7.224 7.103 9.394 10.415 10.792 9.081 Chile 6.206 7.972 11.160 11.685 15.224 18.895 18.747 22.516 Portugal 3.061 3.361 4.181 5.193 5.971 6.846 6.276 5.916

Franca 3.024 2.923 2.839 2.603 3.658 3.817 3.458 3.503

Espanha 602 575 814 722 1.222 1.116 1.258 1.508

África do Sul 32 163 304 408 359 386 325 503

Uruguai 1.249 1.098 661 513 726 2.395 922 751

Estados Unidos 141 175 79 56 63 83 78 92

Alemanha 767 576 443 255 315 236 296 57

Outros 225 173 233 402 333 492 340 398

Total Global 26.554 29.329 39.157 40.938 50.948 60.875 57.944 59.126

Fonte: MDIC/SECEX, 2009

O inverso do comportamento dos vinhos finos nacionais com relação aos estrangeiros ocorre com os espumantes produzidos na Serra gaúcha. Em 2009, 78% dos espumantes vendidos no mercado interno são de produtos nacionais, contra 22% de espumantes estrangeiros (principalmente franceses e argentinos). A produção de espumantes de qualidade diferenciada tem sido uma estratégia das empresas vinícolas para ganhar espaço na preferência dos consumidores nacionais.

Ao longo de todo o século XX, um conjunto de viticultores e vinícolas em alguns municípios da Serra Gaúcha foi se notabilizando na especialização produtiva de espumantes. Segundo Tonietto (2007), isto se deu com técnicas de produção de uvas e de elaboração enológica que exigiram o desenvolvimento de um “saber-fazer” local para explorar o potencial de uvas cultivadas nesta região específica. Específica porque têm um clima vitícola que, seguidamente questionado quanto à sua aptidão, tem se mostrado um fator-chave da adaptação e da qualidade obtida nas uvas utilizadas para a elaboração do vinho-base que se destina à segunda fermentação do espumante fino.

Desta combinação, "clima + solo + variedades + saber-fazer local", é que nasce a original qualidade do espumante da Serra Gaúcha que tem, ao longo do tempo, ganhado crescente reputação no mercado nacional e reconhecimento de especialistas internacionais. Um exemplo disso tem sido o desempenho das exportações do espumante nacional tipo moscatel, que de 2004 a 2009 obteve uma variação positiva de vendas de 211% (UVIBRA, 2009). Ocorre que a participação dos espumantes em relação às vendas totais, seja para o mercado interno, seja para o externo, não ultrapassam os 5%, segundo informações do IBRAVIN em entrevista. Tanto a UVIRA quanto o IBRAVIN apontam que a venda de espumantes por empresas nacionais tem seguido a estratégia de abertura de novos mercados, mas a intenção real é incrementar, ao longo do tempo, a comercialização de vinhos finos, cuja participação no mercado nacional ainda é pequena.

A participação dos produtos estrangeiros no mercado nacional de vinhos, fruto de acordos comerciais e de variações da taxa de câmbio, aliado aos excedentes crescentes de vinhos e dos problemas climáticos que têm afetado a produção de uvas em quantidade e qualidade significativas, têm colocado o setor de vinhos finos brasileiros em condições desfavoráveis. Em que pese este cenário, o setor está investindo no

aumento da qualidade dos vinhos e na promoção de indicações geográficas buscando a valorização do produto pelos valores territoriais e culturais. Tais esforços têm recebido o apoio institucional de diversas organizações vinculadas à uva e ao vinho, tendo por objetivo principal o aumento da competitividade das empresas do setor.

Na comercialização de vinhos comuns e finos no mercado interno, prevalecem as transações das cooperativas e vinícolas com as redes atacadistas ou varejistas. São, de forma geral, produtos homogêneos e com baixa especificidade, onde os riscos associados à execução de contratos são baixos e a freqüência de transação é alta, havendo poucos incentivos para a integração vertical para frente dos estabelecimentos vinícolas, tampouco para trás pelos distribuidores (CHADDAD, 1996). No caso específico dos vinhos comuns, os canais de distribuição mais comuns são atacadistas e redes de supermercados populares. Estas constatações denotam uma estratégia competitiva baseada em preços baixos, voltada ao consumidor de baixo poder aquisitivo.

As vinícolas produtoras de vinhos finos competem no mercado através da diferenciação por marca e qualidade, comunicadas ao consumidor principalmente através da indicação da variedade no rótulo do produto. Algumas empresas têm adotado estratégias de investir no embelezamento e/ou na maior praticidade das embalagens, como garrafas em formas e cores diversificadas, semelhantes a alguns vinhos famosos, especialmente os europeus. Os canais de distribuição mais utilizados são as grandes redes de supermercados e os chamados “pontos-de-dose”, tais como restaurantes, bares e hotéis. Todo o esforço de marketing das empresas está voltado para o consumidor de renda média e/ou alta.