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Viu-se que até meados dos anos de 1980 existia uma escassez de publicação nacional de terapia ocupacional e o conhecimento relacionado às práticas era transmitido prioritariamente pela comunicação oral. O ensino era orientado pelas experiências assistenciais, em uma tradição oral de interpretação do saber-fazer. Cenário

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que veio se modificando principalmente com a inserção dos terapeutas ocupacionais na pós-graduação e com as políticas de expansão do ensino superior (DRUMMOND, 2000; GALHEIGO, 1988; MÂNGIA, 1999).

Na prática assistencial, a partir da década de 1970, também começaram a abrir novos espaços de trabalho e formas de atuação. Cresceu o número de instituições tutelares voltadas à população marginal e excedente, como as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM), creches infantis, asilos de idosos e presídios. Os terapeutas ocupacionais foram chamados para compor os programas educativos e/ou coercitivos. Os profissionais envolvidos na assistência social (ou serviço social), assim como nos serviços de saúde, passaram a questionar os modelos e suas finalidades e a se inserirem nas lutas por políticas sociais, direitos e cidadania das populações envolvidas (SOARES, 1991; LOPES, 2013; GALHEIGO, 2016).

Em 1971, conta Jô Benetton, abriu o primeiro concurso do estado de São Paulo na carreira de terapia ocupacional para o Hospital dos Servidores Públicos. Eu passei, foi o primeiro concurso, não tinha ainda essa carreira quando eu me formei em 1970 (Jô Benetton). E, em 1973, logo em seguida, eu prestei outro concurso na Santa Casa e passei em primeiro lugar, que era para abrir um Hospital Dia, eu fui coordenar esse Hospital Dia, foi o primeiro Hospital Dia do Brasil, em São Paulo (Jô Benetton).

Roseli Esquerdo Lopes, enquanto aluna na graduação, participou do movimento de criação de vagas públicas e, posteriormente passou no concurso e assumiu uma das vagas. A gente batalhou a criação do cargo e um concurso público para vagas para terapia ocupacional na Secretaria do Estado da Saúde e o concurso saiu, 1980, seis vagas para o Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo, aí a gente fez o concurso (Roseli Esquerdo Lopes). Mariângela Scaglione Quarentei contou que também passou no concurso, mas não chegou a assumir, como Roseli.

Os terapeutas ocupacionais passaram a questionar o papel da profissão, a capitalização do setor da saúde e o caráter assistencialista do Estado que se efetivava no tecnicismo da prática profissional. Questiona-se as funções sociais da terapia ocupacional com maior consciência crítica das realidades com as quais se atuava. Para atuar com as camadas populares foi preciso superar a visão de “terapia do trabalho” ampliando para a “terapia do não-trabalho”, buscando emancipação dos grupos de

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forma criativa e reflexiva, modificando a atuação e o papel do técnico enquanto agente histórico, social, ético e político (SOARES, 1991; LOPES, 2013; GALHEIGO, 2016).

Os conflitos políticos nacionais tiveram sua contribuição. A Ditadura Militar gerou diferentes movimentos e mobilizações populares a favor da redemocratização e da ampliação dos direitos e da cidadania, que influenciaram fortemente tanto a atuação profissional, quanto a forma de pensar a terapia ocupacional. Também passaram a ser questionadas a opressão autoritária nos manicômios e a falta de direitos da população sob seu aprisionamento (LOPES, 2004; BARROS, 2004; LOPES, 2013). Processos que, com o final da Ditadura, culminarão na Constituição de 1988, nas reformas sanitária e psiquiátrica, em políticas sociais para grupos específicos e para o campo da assistência social, e também em novas discussões teóricas na profissão.

As problemáticas geradas no interior das relações sociais, que antes eram respondidas por metodologias orientadas pelo caráter biomédico, centradas na patologia (“patologização da normalidade” e a “medicalização do social”), transbordavam contradições e paradoxos sociais e culturais. Foi preciso encontrar novos caminhos e busca de possíveis soluções, criar diálogos para atingir criticamente a diversidade das questões (LOPES, 2004; BARROS, 2004).

Os terapeutas ocupacionais docentes iniciaram suas trajetórias formais na pesquisa com questionamentos intensos a fim de reduzir o distanciamento do saber aplicado, porém enfrentaram dificuldades. A inexistência de programas de pós- graduação específicos na terapia ocupacional no país tornou lento o processo de capacitação acadêmica, comparado a de outras profissões como a fisioterapia, por exemplo, que também não contava com programas específicos (LOPES, 2013).

A inserção nos programas de pós-graduação articulou as primeiras discussões sobre a profissão com caráter epistemológico e filosófico em busca de maior criticidade e criatividade na atuação (MEDEIROS, 2010). Acreditava-se que a formação em terapia ocupacional não era direcionada apenas para a apreensão de técnicas e informações, deveria ser também para a “elaboração de um conceito de sujeito, de mundo, de organização social e de como se viver na sociedade” (LOPES, 2013, p. 175).

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A partir dos anos 1980 emergiu um processo de reflexão crítica no âmbito da terapia ocupacional brasileira, tanto acerca do papel técnico, ao considerar as condições sociais, culturais, econômicas, históricas e políticas dos indivíduos e coletivos, como do papel de produtor de conhecimento para a área. Novos referencias passaram a ser incorporados nas discussões, de campos como da Psicologia Social, Sociologia e Filosofia, inspirando questões sobre o perfil profissional, não mais apenas técnico, como também ético e político (BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002; MACHADO, 1991).

Para Guajardo Córdova (2012), o encontro da visão anglo-saxã de ciência com as Ciências Humanas e com a questão social, implicou justamente na ruptura com as perspectivas epistemológicas positivista, pragmática e funcionalista que dominaram a estrutura histórica da profissão. Esse conjunto de encontros, rupturas e mudanças seriam consequência das transformações sócio-históricas das quais a terapia ocupacional faz parte e é produzida (GUAJARDO CÓRDOVA, 2012).

O novo conhecimento que começa a ser produzido21 perpassou por questões

epistemológicas, históricas e sociais, tendo em vista a função da profissão pela e para a intervenção social, e relacionando com conceitos e valores sobre os indivíduos, grupos, sociedade, sobre saúde e doença, etc. (MEDEIROS, 2010).

Galheigo (1988) problematizou a atuação profissional e refletiu sobre imaginários e questões que envolvem a profissão. Dentre elas, a questão da caracterização feminina da profissão22 e as dicotomias que reforçam a questão de gênero no trabalho, o

confronto com a submissão à prescrição médica. As dificuldades para a conquista do espaço profissional e também dos próprios profissionais de romperem com modelos historicamente cristalizados. Atentado para a necessidade de se produzir novos conhecimentos, mas considerando a relação teórico-prática. “Há que se cuidar para que

21 Dentre os trabalhos da época, são interlocutoras: Léa Beatriz Teixeira Soares (1987), Berenice Rosa

Francisco (1988), Sandra Maria Galheigo (1988), Maria Heloísa R. Medeiros (1989), Lílian V. Magalhães (1989), Jussara de Mesquita Pinto (1990), Beatriz Ambrósio do Nascimento (1990), Iracema S. V. Ferrigno (1990), Glória N. Velasco Maroto (1991), Roseli Esquerdo Lopes (1991), dentre outros que investiram no conhecimento e perspectivas nacionais da terapia ocupacional (LOPES, 2004).

22 Questão abordada por outros trabalhos na história da profissão, como a tese de doutorado de Maria José

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não haja outra dicotomia teórico-prática e a Terapia Ocupacional mostre-se como uma prática sem teoria ou como teoria sem prática” (GALHEIGO, 1988, p. 80).

Os estudos de Berenice Rosa Francisco e Jussara de Mesquita Pinto se propuseram uma análise com três diferentes concepções sobre o sujeito, a sociedade e suas relações, que poderiam ser identificadas nos processos terapêuticos ocupacionais. Com isso, descrevem as Correntes Metodológicas ou Filosóficas da Terapia Ocupacional, que seriam: a Positivista, a Humanista e a Materialista Histórica (FRANCISCO, 2001; PINTO, 1990).

Para justificar a existência e o desenvolvimento de cada corrente, Jussara de Mesquita Pinto (1990) faz uma análise histórica da terapia ocupacional sendo influenciada pelos processos históricos, científicos e filosóficos. Os perfis teriam orientado a terapia ocupacional no Brasil desde a década de 1960, inicialmente o Positivista, depois o Humanista, com predomínio na década de 1970, e o Materialista Histórico que surge no final dos anos 1970 e 1980. De fato, a autora mostra um processo de mudanças de concepções e atuações profissionais até chegar no período de sua produção, quando uma grande porcentagem de terapeutas ocupacionais passa a utilizar referenciais materialista históricos em pesquisas e fundamentando práticas.

Berenice Rosa Francisco (2001) explicou como as diferentes visões (positivista, humanista e materialista histórica) sobre o indivíduo e a sociedade estão presentes em concepções e atuações da terapia ocupacional. É interessante notar as transformações nas formas de compreensão do indivíduo e de sua atuação no mundo. O materialismo histórico, a corrente mais recente, compreende o indivíduo como um ser criador, atuante, consciente, organizador de seu cotidiano, fazedor de sua história e da história do mundo. E a atividade, para a terapia ocupacional, é entendida com práxis, pela qual o indivíduo expressa seu contexto de vida, em sua rede social (FRANCISCO, 2001). A própria perspectiva utilizada por Francisco para esta construção teórica foi materialista histórica.

Apesar da classificação e caracterização descritas, os modelos seriam coexistentes, ou seja, podendo ser visualizados num mesmo período (PINTO, 1990). Tal formulação teve grande impacto nas discussões profissionais, repercutindo no ensino e na formação graduada das próximas gerações. Positivamente, promoveu reflexões que

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conectaram práticas ou técnicas a orientações teórico-metodológicas e, também, o olhar para a epistemologia da profissão, na relação de seus conhecimentos com sua história.

Dentre os conflitos de tal proposição, foi a divisão de toda uma classe profissional em três perfis profissionais, acusando que cada profissional deveria se encaixar em uma delas e, além de tudo, ficar estigmatizado por isso. Mas, com o tempo pode-se perceber, que partir dos referenciais para classificar todas as atuações não é suficiente para definir as diversas práticas assistenciais. Ou mesmo, torna-se um risco identificar cada corrente a um determinado campo de especialidade teórico-prático ou à prática voltada para um determinado grupo populacional/social. Nota-se a dificuldade de correspondência à realidade, correndo-se o risco de promover julgamentos de valores enganosos e rupturas de perfis na categoria.

Sobre essa categorização, Mângia (1998) apontou que tenderia a uma ilusão de homogeneização, já que os modelos não se aplicam à multiplicidade das intervenções. O enquadramento partindo de teorias não consegue dar conta de todo um conjunto de práticas e concepções, que não são inertes nem homogêneas. Ou seja, não seria possível que apreendessem toda a concretude e a complexidade dos problemas, das instituições ou serviços, de suas peculiaridades e do potencial de criação de cada profissional em suas intervenções (MÂNGIA, 1998).

Embora tenha se mostrado insuficiente para classificar as práticas, a proposição influenciou a formação da graduação, instigaram importantes questionamentos sobre como os referenciais teórico-metodológicos poderiam efetivamente produzir e transformar práticas concretas. Mostrou dificuldades para mudar as estruturas sociais, mas, por outro lado, também se atentou para a possibilidade de promover mudanças na prática profissional. A partir de então, surgiram propostas teórico-práticas inovadoras, aumentando o repertório de ações da terapia ocupacional no Brasil (LOPES, 2013).

Sobre estudos epistemológicos e sociais da profissão, Medeiros (2010) explica que o conhecimento da terapia ocupacional foi constituído pelas ciências psicológicas, sociológicas, biológicas e médicas, formando um campo do saber e da prática multidisciplinar. Trata-se de uma profissão muito nova como área de conhecimento, ou ciência, como se pretende ser. E, como não possui uma tradição de conhecimentos próprios e sistematizados, não teria uma epistemologia própria, porém o debate

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epistemológico foi iniciado. Para isso, contribuem as áreas de História, Filosofia e Antropologia (MEDEIROS, 2010).

Além dos trabalhos produzidos no diálogo com a capacitação e o sistema formal de ensino, experiências importantes foram iniciadas por coletivos de formação independentes no Brasil, que produziram principalmente na relação com a prática clínica e assistencial. Uma proposta foi a de Rui Chamone Jorge que, entre as décadas de 1970 e 1990, se aprofundou em estudos sobre a profissão e fundou o Grupo de Estudos em Terapia Ocupacional GesTO, onde divulgou sua perspectiva teórica e prática sobre a profissão. Mesmo ligado ao campo da saúde mental, dedicou seus estudos à compreensão do objeto e da especificidade da terapia ocupacional (PEDRAL; BASTOS, 2008).

Jô Benetton iniciou com grupos de estudo e supervisão em terapia ocupacional na década de 1970, inicialmente voltados para psiquiatria e saúde mental, mas com o passar dos anos e o desenvolvimento do seu método, superará a relação exclusiva com um campo, contribuindo para toda terapia ocupacional. Ela criara o CETO – Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional23, a Revista CETO e o Método da Terapia

Ocupacional Dinâmica (MTOD)24 (CETO, 2015;BENETTON; MARCOLINO, 2013).

Sobre suas proposições, Jô Benetton comenta, o CETO (Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional, antigo centro de estudos), que eu fundei em 1980 e estou trabalhando nele até hoje, é o meu lugar de investigação e de pesquisa. Eu leio todas as teses, todos os trabalhos que me mandam. Eu dou uma olhada na metodologia, isso é muito importante, porque o único jeito de saber terapia ocupacional é fazer terapia ocupacional. É muito difícil escrever sobre terapia ocupacional (Jô Benetton).

Após a década de 1990, fortaleceu o investimento acadêmico e profissional direcionado para os campos específicos, nas interfaces da terapia ocupacional com

23 Inicialmente chamado de Centro de Estudos em Terapia Ocupacional (CETO, 2015).

24 A primeira denominação dada foi “Terapia Ocupacional Psicodinâmica”, com sustentação psicanalítica,

mas por volta dos anos 2000 foi renomeada de “Terapia Ocupacional Dinâmica”, seguindo por um caminho próprio com definições conceituais e sistematização de procedimentos e técnicas, e logo terá o Método da Terapia Ocupacional Dinâmica (MARCOLINO; FANTINATTI, 2014).

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outras áreas. Ampliaram-se os campos de interface, conectados com saberes da Sociologia, Antropologia, Saúde Pública, Artes, Psicologia Social, Educação, Saúde Coletiva, entre outros. Diversas experiências formativas e de pesquisa, articuladas dentro dos campos, passaram a abordar questões referentes à assistência, instituições, populações específicas e metodologias de trabalho (MÂNGIA, 1999).

A conexão com outros campos do saber ofereceu novas e importantes possibilidades de caminhos na busca por entendimento e solução das demandas que emergiam nas práticas assistenciais (LOPES, 2004). Porém, também há uma maior produção de conhecimentos nesses campos, aparecendo o desafio da transposição desse conhecimento para a própria terapia ocupacional. A discussão sobre os fundamentos da profissão, ou mesmo a possibilidade de criação de cursos próprios de pós-graduação, acabaram ficando em segundo plano (LANCMAN, 1998; EMMEL; LANCMAN, 1998; LANCMAN; EMMEL, 2003).

Esse é um processo com ganhos e desafios. Fortaleceu um movimento de abertura para campos de atuação, ensino e pesquisa, de conexões com diferentes áreas, que contribuíram para produção de determinados e específicos conhecimentos da profissão. Abriu caminho para as discussões sobre composições interdisciplinares. E, também, apresenta-se um desafio para conectar esses diferentes conhecimentos e encontrar raízes comuns ou conexões que expressem pontos de identificação.

Um dos desafios é a busca pela legitimação da profissão e de suas diferentes proposições. A crescente produção acadêmica com maior investimento nos campos gerou questões acerca do reconhecimento científico da terapia ocupacional, com dúvidas se deveria ser conquistada pela unificação de suas concepções, metodologias e finalidades ou se seria possível alcança-lo diante da pluralidade dos campos; se a profissão deveria ser considerada ciência ou tecnologia. Apareceram diferentes posições sobre como enfrentar a validação dos discursos profissionais. Iniciou-se um debate sobre a relação da profissão com a cientificidade.

Algumas produções teóricas de autores da América do Norte que discutiam a fundamentação e validação científica da profissão influenciaram ou, ao menos, abriram o debate entre os terapeutas ocupacionais brasileiros, como: Mary Reilly com a proposição do Comportamento Ocupacional; Gary Kielhofner e a elaboração do Modelo

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da Ocupação Humana; Elizabeth June Yerxa e a criação da Ciência Ocupacional (MEDEIROS, 2010; DRUMMOND, 2000).

Porém os modelos não foram bem absorvidos pelas discussões nacionais, por exemplo, pela defesa de que, para ser uma ciência, ou estar em vias de se tornar, a profissão deveria tornar-se um campo unitário e delimitado de conhecimentos. E, assim, seria necessário um consenso sobre uma única definição do objeto e da finalidade da profissão, por exemplo. Tratando-se de um modelo de intervenção válido para apenas um conjunto de práticas terapêuticas ocupacionais desenvolvidas no país (MEDEIROS, 2010; MÂNGIA, 1998).

No debate nacional, buscando um avanço técnico-científico, Caníglia25 defendeu

que se repensasse sua etimologia (origem do termo), além da caracterização de sua especificidade (finalidade e objeto) e da produção e sistematização de seus conhecimentos, conceitos e metodologias de ação. Sugeriu a mudança do nome da profissão para praxiterapia, quando na relação com a assistência pela (meio) e para (fim) a práxis, e para praxiologia (ciência da atividade humana) no desenvolvimento da produção teórica (CANÍGLIA; CARVALHO; LOPES, 1993).

Distanciando da ideia de ciência, autores como Mângia (1998) e Lopes (CANÍGLIA; CARVALHO; LOPES, 1993) se aproximam da explicação de Tassara (1993) sobre a terapia ocupacional ser uma tecnologia, já que se direciona para a prática, reunindo um conjunto de técnicas com origem científica. Diferenciando: as técnicas seriam procedimentos que respondem à realidade, prevendo transformações, a ciência seria uma forma de conhecer, não é o conhecimento e a tecnologia uma união de ambas, não existindo diferença de status ou valor entre ciência e tecnologia. Portanto, uma tecnologia não se distancia da ciência, pois faz uso dos conhecimentos científicos para atuar em um campo específico de problemas. Na tecnologia, a ciência é complementar à atuação técnica (TASSARA, 1993).

25 Texto publicado em artigo, sobre a mesa redonda “Terapia Ocupacional: ciência da atividade humana”,

da IX Semana de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que reuniu os docentes Marília Caníglia, Fabio Bruno de Carvalho e Roseli Esquerdo Lopes.

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O desafio de alcançar a legitimidade da profissão esteve atrelado à dificuldade de delimitar as competências da terapia ocupacional e, ao mesmo tempo, à falta de produção teórica própria da área. E os docentes, pesquisadores e educadores estiveram fortemente atrelados a esse desafio, pois a eles cabe a tarefa de estabelecer currículos e propostas pedagógicas seguindo o eixo de produção da área. Sendo preciso reconhecer a interdisciplinaridade da profissão, ampliando suas relações, mas também fundamentar o campo, superando as dificuldades teórico-práticas (DRUMMOND, 2000).

No final da década de 1990, o Brasil viveu um forte progresso neoliberal, com as políticas de Estado mínimo e a crescente vulnerabilidade dos grupos fez com que terapeutas ocupacionais olhassem para a sociedade e para a prática profissional de outra forma. A questão social, que antes era articulada timidamente pela classe, passa a ser foco de investimento para alguns profissionais, principalmente os articulados com o campo, que posteriormente será de Terapia Ocupacional Social, e que influenciaram e modificaram proposições da terapia ocupacional no Brasil (LOPES, 2013; BARROS; GHIRARDI; LOPES, 2002).

Sandra Maria Galheigo conta sobre a extinção da disciplina que ministrava sobre terapia ocupacional social e Roseli Esquerdo Lopes sobre a criação de um coletivo (Metuia) para estimular a reflexão e a produção da terapia ocupacional junto às questões sociais. Em 1993, o novo currículo da PUC-Campinas não oferece mais Terapia Ocupacional Social, tendo a disciplina sido substituída por Terapia Ocupacional na Saúde Mental e Inserção Social. Encontro com a Denise Dias Barros e discutimos a possibilidade de se fazer um grupo sobre Terapia Ocupacional Social. Ela fala da Roseli que estava em São Carlos, na UFSCar, onde a disciplina de Terapia Ocupacional Social também foi extinta, e decidimos por criar, um grupo de discussão (Sandra Maria Galheigo).

A criação do Metuia foi uma proposição da Denise de juntar um grupo de pessoas para pensar alguma coisa que não era exatamente Terapia Ocupacional Social. Tinha uns panfletinhos históricos que a gente fez no Metuia, usávamos a expressão “Terapia Ocupacional no Campo Social”. O primeiro texto que a gente escreve (Roseli, Isabel Ghirardi e Denise) se chama “Terapia Ocupacional e Sociedade”, até meio confuso, mas ele vai dando essa direção, para mim, foi daí que foi

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se constituindo a questão de uma versão em torno da gestão da questão social na sociedade capitalista em um Brasil que se constituía como Estado capitalista democrático, pós ditadura e aquilo que os terapeutas ocupacionais poderiam fazer... e isso vai para mim constituindo a Terapia Ocupacional Social (Roseli Esquerdo Lopes).

O papel do terapeuta ocupacional foi problematizado como um articulador social, com compromisso técnico, ético e político, sendo fundamental a compreensão dos processos sócio-históricos, culturais, políticos, econômicos, etc (BARROS, 1990). Oferecendo escuta, compreensão e atenção às necessidades e demandas de sujeitos e coletivos, a partir de seu contexto. Tendo como objetivo aumentar o poder contratual dos envolvidos, por meio da elaboração de projetos de vida, a partir dos eixos norteadores que são a cidadania, a emancipação e a participação social (GALHEIGO, 2012).

Com a abertura e desenvolvimento de campos, como o social, de fato, houve a ampliação e qualificação da prática assistencial, assim como das reflexões sobre o papel técnico do profissional e da produção teórica dos conhecimentos, desenvolvendo o