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Professora Colaboradora C – Cíntia (pseudónimo)

CAPÍTULO 5 RESULTADOS

5.1.3. Professora Colaboradora C – Cíntia (pseudónimo)

Partindo das respostas dadas pela professora C, Cíntia (Pseudónimo), às 11 primeiras questões do guião da entrevista realizada após o preenchimento do Questionário VOSTS, cuja transcrição se encontra no Anexo 5.3, e, ainda, em função dos dados recolhidos no cabeçalho da folha de respostas desse questionário, constata-se que a docente possui uma licenciatura em Geologia, da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra, e doze anos de serviço docente. Começou a trabalhar logo após o término do curso, em 1996, na categoria de professora contratada. Frequentou a parte curricular do Mestrado de Geologia, na Universidade de Coimbra. Afirma ainda que

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sente ter uma preparação deficiente na área de Biologia, como o testemunha o seguinte episódio:

E10 – então sente algumas lacunas na parte da biologia?

PC10 – de biologia --- sim senhora … que até é o medo que eu tenho . estás a perceber . de ficar . imagina . numa escola secundária com 12.º ano de biologia . de geologia não me assusta . mas de biologia assusta-me bastante .. porque a minha universidade como é uma universidade mais velha . enquanto por exemplo as do Minho . tinham biologia e geologia \Aveiro/ biologia e geologia ensino . eu mesmo . o mestrado que eu fiz . era de .. biociências .. o ensino das ciências . não tinha nada a ver com . ahm . aquilo que eu pensava que ia aprender para dar nas escolas . não tinha nada a ver com isso . era por exemplo . o magnetismo da Terra era uma disciplina . uma cadeira era essa . não tinha . não era específico . depois acabei de desistir por causa disso (Anexo 5, Abril de 2009)

Relativamente às funções que desempenha, a docente considera-se satisfeita em ser professora. No que diz respeito ao que sente quando ensina ciências (E14), a professora C considerou o seguinte:

PC14 – grau de satisfação … é assim . gosto do que faço . ahm . estou satisfeita . com . com. com a função que desempenho . porque eu gosto de os ensinar. ahm . e gosto de ciência . portanto sinto-me satisfeita a ensinar . não estou totalmente satisfeita devido aos alunos que tenho .. porque os alunos não me .. é assim . eu acomodei-me um bocado . no básico . nunca estive no secundário . tive pouco tempo no secundário . passei para o básico e acomodei-me . tendo alunos com um nível . com . pouca exigência . mais uma pessoa se acomoda . quando eu tinha bons alunos . eles . ahm . obrigavam-me a pesquisar com eles . estás a perceber?

E15 – ---uhm (confirma acenado positivamente com a cabeça)

PC15 - faziam-me muitas perguntas . íamos pesquisar . sentia-me mais motivada

E16 – ---sentia-se mais motivada?

PC16 – assim sinto mesmo . estou acomodada à situação

E17 – sente que fica pelo que o programa diz e pelo que o livro diz?

PC17 – pelo programa . pelo livro . /e depois também outra coisa\ . o tempo não me permite avançar muito mais do que isso . há determinados assuntos que eu

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acho que são importantíssimos . que eu gostava . por exemplo . de estar ali muito tempo com eles . e não posso . porque tenho de andar um bocadinho para a frente . se não depois não cumpro o programa e depois sou chamada à atenção . etecetera . etecetera (Anexo 5, Abril de 2009)

A este propósito, pediu-se-lhe que referisse quais as estratégias empregues quando ensina Ciências (E19) e os materiais ou recursos que utiliza (E20):

PC19 – como é que eu dou a minha aula . é assim . ahm . primeiro exponho algo sobre a matéria . o que é que vou dar . explico-lhes . primeiro pergunto-lhes logo se eles têm alguma noção . escrevo o sumário no início . e depois costumo perguntar se eles sabem o que é que está no sumário . o que é que será que vamos falar . começo assim . e depois falo . dou * ambiente . depois falo . vou falando . e no fim . no fim não . à medida que vou falando uma coisinha vou escrevendo tipo um resumo . ou um esquema . que eles dizem que eu sou a professora dos esquemas . faço sempre um esquemazinho no quadro

E20- uhm

PC20 – não uso . uso pouco . lá está . não uso computador . que ainda não estou muito à vontade com o computador . uso acetatos . também me ajudam um bocado os acetatos . mas é praticamente isso . e depois exercícios . sempre que eu dou uma matéria fazemos exercícios . e corrigimos os exercícios

E21 – então para além dos acetatos . que usas muito . ahm . que outros materiais ou recursos utiliza?

PC21 – …. filmes . talvez . e não uso muito mais (Anexo 5, Abril de 2009)

Verifica-se, deste modo, que a professora começa, por expor ―algo sobre a matéria‖ e questiona os alunos se ―têm alguma noção ‖ sobre o assunto que vai abordar (PC19). À medida que expõe os assuntos vai registando no quadro ―tipo um resumo, ou um esquema‖ (PC19).

No que se refere às respostas da professora Cíntia às dezanove questões do questionário VOSTS foi possível definir diferentes categorias de resposta, face aos vários itens do questionário, sistematizadas no quadro 9.

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Quadro 9 – Respostas dadas pela Professora C – Cíntia às questões dos itens da versão abreviada do VOSTS e correspondente categoria de resposta, antes da Formação

Item Código

Original Tópicos Correspondentes

Respostas dadas/ Categoria da Resposta

1 10111 Definição de Ciência F - Aceitável

2 10211 Definição de Tecnologia D - Aceitável 3 10421 Ciência e Tecnologia e qualidade de vida D - Realista 4 20121 Controlo político e governamental da Ciência D - Realista 5 20141 Controlo político e governamental da Ciência F - Aceitável 6 20211 Controlo da Ciência pelo sector privado F - Aceitável 7 20611 Influência de grupos de interesse particular sobre a

Ciência F - Ingénua

8 40217 Contribuição da Ciência e da Tecnologia para

decisões sociais D - Realista

9 40311

Contribuição da Ciência e da Tecnologia [C&T] para a criação de problemas sociais e investimento em C&T

versus investimento social

D - Aceitável

10 40321

Contribuição da Ciência e da Tecnologia [C&T] para a criação de problemas sociais e investimento em C&T

versus investimento social

D - Realista

11 40411 Contribuição da C&T para a resolução de problemas

sociais D - Aceitável

12 40531 Contribuição da C&T para o bem-estar económico E - Realista 13 60311 Ideologias e crenças religiosas dos cientistas B - Aceitável 14 60411 Vida social dos cientistas D - Realista 15 60611 "Efeito do género" nas carreiras científicas F - Realista 16 70212 Tomada de decisão sobre questões científicas C - Ingénua 17 80111 Tomada de decisão sobre questões tecnológicas D - Aceitável 18 80211 Controlo público da Tecnologia F - Aceitável 19 90211 Natureza dos modelos científicos D - Aceitável

A partir do quadro anterior verifica-se que a professora C (Cíntia), em 19 questões, evidenciou sete respostas realistas, dez aceitáveis e duas ingénuas. Estas últimas, bem como as definições de Ciência e Tecnologia, foram exploradas numa entrevista.

Assim, começou por se centrar a atenção nas definições de Ciência e Tecnologia e na inter-relação destas duas áreas com a Sociedade, como documenta o episódio extraído se da transcrição da entrevista:

PC22 – \a ciência/. acho que ciência é . para mim é . ciência é . a procura de conhecimentos . depende da ciência . mas procura . procurar informação .

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conhecimentos . sobre aquele assunto . é uma procura . eu acho a ciência uma constante procura de conhecimento .

E23 – e por Tecnologia?

PC23 – é assim . tecnologia para mim está interligada com ciência . a tecnologia são os meios que me permitem avançar na ciência . e ao descobrir mais . não é ? . quanto mais eu . mais eu . descubro na ciência . mais me ajuda . mais arranjo tecnologia diferente . mais avançada . e essa tecnologia avançada . vai-me permitir avançar na ciência . por isso é que eu acho que uma . é assim . tecnologia são mais máquinas específicas . não é? . acho eu

E24 – uhm .e acha que ambas . a ciência e a tecnologia . têm alguma relação com a sociedade? ou seja que relação estabelece entre ambas e a sociedade? PC24 – têm . tem .. ahm . depende . depende da sociedade . é assim . eu acho que a sociedade . como é que eu hei-de explicar .. a sociedade .. é assim . se não fosse a procura dos conhecimentos e se não fosse a ciência . o que é que seria a sociedade . não é? . não tínhamos informação acerca de nada . não é? . ahm . a . tecnologia . para haver tecnologia . e quem é que vai utilizar essa tecnologia? . a sociedade . portanto para evoluir a sociedade . nós temos que ter tecnologia . e temos que ter tecnologia como? com a ciência . por isso é que eu acho que está tudo encadeado uma coisa nas outras

Apesar da professora Sara ter respondido de forma aceitável aos itens 1 e 2 do VOSTS, respectivamente sobre a ―Definição de Ciência‖ e ―Definição de Tecnologia‖, evidencia na entrevista uma concepção ingénua de Ciência ao confiná-la, sobretudo, ao domínio do conhecimento científico e de Tecnologia ao encará-la como um conjunto de meios indispensáveis à aplicação da Ciência. Respondeu também de modo realista ao item 3 do mesmo questionário, referente à ―Ciência, Tecnologia e qualidade de vida‖, mas, na entrevista, assumiu posições que indicam, para este item, uma concepção ingénua. A inter-relação Ciência, Tecnologia e Sociedade é vista, apenas, num panorama positivo e em benefício da Humanidade.

No item 7 (20611) sobre ―Influência de grupos de interesse particular sobre a Ciência‖. Neste ponto do VOSTS foi seleccionada, entre as várias respostas do questionário e também da entrevista, a alínea F. Assim, para esta professora ―embora tentem, nem sempre estas instituições ou grupos conseguem influenciar com êxito a condução de determinadas pesquisas, cabendo a última palavra aos cientistas‖. Na entrevista, depois de ler novamente todas as alíneas, optou por uma resposta realista, a alínea C (PC33),

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defendendo uma posição que é consonante com visões contemporâneas do empreendimento científico. De acordo com esta opção, essas instituições ou grupos ―influenciam, a opinião pública e, por conseguinte, os cientistas‖. A justificação desta alteração encontra-se no episódio seguinte, retirado da transcrição da entrevista:

PC26 – (lê as várias alíneas do item 7, em voz alta) …… (t= 48s) o que eu entendi daqui . é assim . muitas vezes . esses ambientalistas . essas pessoas tentam mudar determinados rumos das coisas . ahm . e nem sempre eles conseguem . \ esta parte aqui ‖cabendo a última palavra aos cientistas‖ (volta a ler em voz alta o final da línea F) . é que eu depois . estava/ . é assim . eu lembro-me que há determinadas coisas que são feitas em Portugal . depois vem os ambientalistas dizer que não se pode fazer aquilo porque . por causa disto . por causa daquilo . vem com certas entraves . estás a perceber?

E27- sim

PC27- as coisas fazem-se na mesma . acontece . as coisas aparecem feitas na mesma

E28 – acha que isso tem a ver com a última palavra dos cientistas?

PC28 - … pode não ter . pois estes cientistas . quando estava a fazer isto . eu . agora sinceramente .. pode não ter a ver com a última palavra dos cientistas . portanto …. (volta a ler a línea F do questionário VOSTS) é assim . os cientistas .. \não é só por ser cientistas que eles têm o direito de ter a última palavra/ . não é? por isso é que eu agora estava a ver isto de outra maneira (risos) . entendes . quando eu vi . é que é assim . isto realmente ―embora tentem, nem sempre essas instituições conseguem‖ (lê directamente da alínea F do item 7) . mas não . a última palavra não pode ser dos cientistas porque eles também não têm a razão toda . nem têm que ter essa influência

E29 – porque não escolheu a alínea D?

PC29 – ―porque influenciam o governo e as opções deste em matéria de financiamento à investigação‖ (lê a alínea D do item 7) … Achas que eles conseguem influenciar? . em termos de governo? …. achas que pode ser? . ―influenciam o governo e as opções deste em matéria de financiamento à investigação‖? (torna a ler a alínea D)

E30 –acha que não? acha que não têm força suficiente para influenciar o governo?

PC30 - … depende dos tipos do governo (risos)

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PC31 – ―porque influenciam a opinião pública e, por conseguinte, os cientistas‖ (lê a alínea C do item 7) . essa influenciam . essa aqui conseguem influenciar . acho que influenciam mais depressa .. a opinião pública do que o governo . estás a perceber? .. porque o governo é o que eu te digo . o governo depende muito do tipo de pessoas que esteja no governo e da sensibilidade que tem para essas coisas . entendes? . a opinião pública eu acho que influencia muito mais rápido

E32 – e mantém a resposta? mantém a alínea F?

PC32 – eu acho que esta aqui . esta aqui . dos cientistas tirou-me * . esta aqui . influenciam a opinião pública

E33 – vai alterar para qual?

PC33 – a alínea C (Anexo 5, Abril de 2009)

A segunda e última resposta ingénua explorada reporta-se ao item 16 (70212), referente a "Tomada de decisões sobre questões científicas‖, no qual a professora optou pela alínea C. No seu ponto de vista, quando não existe consenso acerca dum determinado assunto é ―porque os cientistas interpretam os factos de modo diverso, à luz de diferentes teorias científicas, e não por efeito de valores morais ou motivos pessoais.‖, como testemunha o seguinte episódio.

PC34 – (efectua nova leitura das diferentes alíneas) …… (t=52s) . sim . se eu estiver a perceber bem a questão . é … sim . porque é assim .. independentemente dos valores pessoais . segundo o que eu percebi . independentemente dos valores pessoais ou dos valores morais . não é? . os cientistas .. os cientistas interpretam . ahm . se eles estiverem a fazer uma investigação . não é? . eles vão no sentido . estão a investigar uma coisa . não é porque . ahm . ahm . por motivo pessoal . ou por motivo moral que eles não vão chegar ao fim . ou vão ter outra opinião . ou vão desviar a pesquisa que estavam a fazer . estão a fazer uma determinada pesquisa

E35 – acha, então, que eles (cientistas) colocam os valores morais à margem da investigação?

PC35 – eu acho . e têm de pôr! … é assim . têm de pôr . \isto é difícil de explicar/ (risos) … por exemplo . investigações a nível do corpo humano . não é? E36 - uhm

PC36 – eu acho que os cientistas . quando eles estão a investigar alguma coisa do corpo humano . ahm .. não é porque não devem que vão parar . eu acho que

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eles devem avançar . muitas vezes . aspectos morais . mas eu acho que eles não podem ligar a isso . porque se eles vão ligar a isso não faziam determinadas investigações . penso eu (Anexo 5, Abril de 2009)

A análise do episódio anterior permite dizer que para esta professora as opiniões pessoais, os valores morais ou os motivos individuais não influenciam a opinião dos cientistas (PC34), revelando, assim, concepções ingénuas relativas à tomada de decisões sobre questões científicas que se distanciam evidentemente das actuais visões de empreendimento científico.