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PROGRAMA ACARAJÉ

No documento Acarajé: tradição e modernidade (páginas 96-99)

CAPITULO II MERCADO DO ACARAJÉ VENDEDORAS E VENDEDORES DE ACARAJÉS

PROGRAMA ACARAJÉ

Segundo Ferreira Filho ao longo do século XIX viajantes, médicos e autoridades públicas demonstraram preocupação com as condições de higiene em que se encontrava o comércio de alimentos em Salvador. Os principais alvos de criticas deles foram as feiras livres, os antigos mercados e o comércio de calçada.

O autor destaca que no inicio do século XX, em 1908, o médico Octavio Torres da Silva produziu uma tese de doutoramento na qual analisava as condições urbanísticas e sanitárias das feiras e mercados da cidade. Ele constatou que os principais mercados da cidade funcionavam em locais impróprios, em imóveis antigos, sem a mínima infra-estrutura necessária para abrigar um comercio de alimentos. Os mercados de Sta. Bárbara, São João, do Ouro, da Baixa de Sapateiros e do Curriachito se encontravam nessa situação: sem água potável, esgotamento sanitário. Para completar, as mercadorias eram vendidas em meio de ratos, baratas, moscas e até urubus. Em relação a venda de comidas nas ruas, o médico observou que as vendedoras, segundo ele, de origem africana se instalavam no bairro comercial em meio a buracos, e lixo. Criticando esse tipo de comércio fez o seguinte comentário: “as tradicionais africanas com nojentos quibandas (sic) em abarracamentos, vendendo comidas ”( FERREIRA FILHO,2003,106).

Com objetivo de sanar as deficiência sanitárias dos locais públicos, em 1925, foi publicado o Código Sanitário da Bahia, que na opinião de Ferreira Filho(FERREIRA FILHO,2003, 110) teve o objetivo de retomar os projetos de reforma sanitária instituído pelos governadores Antonio Muniz (1916-20) e J.J Seabra (1920-24) durante seus governos. Nesse período, o então governador Góes Calmon, além de publicar o Código Sanitário reorganizou o Serviço de Saúde Pública, delegando a esse setor a responsabilidade de fiscalizar o comércio de produtos alimentícios na cidade. Apesar da iniciativa, poucas mudanças ocorreram na estrutura do comércio vigente, pois não foram criadas condições sólidas para o desenvolvimento de outro modelo de comércio mais organizado e higiênico, perdurando assim os mesmos problemas.

Na atualidade, o comentário escrito que encontramos que levanta duvidas sobre as questões de higiene ligadas a fabricação do acarajé e do abará, foi no livro de Hidelgardes Vianna, “A Bahia já foi assim( crônicas e costumes)” , publicado em 1973. Nesta obra, a autora sugeriu que o poder público interviesse e fiscalizasse as vendedoras dos quitutes, pelo fato de muitas delas demonstrarem desleixo e sujeira nos seus tabuleiros e produtos. Ela disse o seguinte: “Acarajés e abarás que vêm sendo vendido por aqui bem que mereciam ser policiados, fiscalizados. Uns são imundos na apresentação, outros são horríveis no paladar. A imundice poderia ser controlada pelas repartições de saúde publica”.(VIANNA,1973,124).

O apelo feito pela escritora só foi parcialmente atendido em 1998, quando o então prefeito Antonio Imbassahy, publicou um decreto que ordenava a venda do acarajé na cidade. Um dos pré-requisitos para a vendedora ter direito à licença era a apresentação do atestado de saúde, comprovando que ela não era portadora de nenhuma enfermidade que pudesse impedi- la de manipular alimento. Nesse mesmo documento ficou instituída uma multa de 30 UFIR’s, caso a vendedora não mantivesse os equipamentos em perfeito estado de conservação e limpo.

O assunto até então tratado com melindres tornou-se pauta de discussão, quando no ano de 2002 a Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia, UFBA, recolheu e analisou amostra de massa de acarajé de várias vendedoras espalhadas pela cidade. O resultado não poderia ter sido mais desconcertante e comprometedor, pois 100 % das amostras analisadas estavam contaminadas por coliformes fecais e bactérias diversas, transmissoras de inúmeras doenças ao ser humano.O vexame da contaminação do acarajé, símbolo da cultura baiana, foi noticiado pelo Jornal Nacional para todo o país.

Como conseqüência, o consumo do acarajé diminuiu, causando uma perda, tanto para as vendedoras do quitute, quanto para o Governo do Estado, que teve a imagem das suas “garotas propaganda” comprometida. Segundo a ABAM, a notícia fez com que o consumo do acarajé diminuísse em cerca de 30 a 40 %. Diante desse impacto, o Estado, em parceria com empresas privadas, lançou um programa para ensinar as vendedoras do quitute a manipular corretamente os alimentos, deixando-os livre de qualquer contaminação. Assim nasceu o “Programa Acarajé 10”.

O programa que teve como objetivo oferecer às vendedoras de acarajé, treinamento sobre manipulação alimentar, higiene pessoal, higiene das instalações e utensílios. Como certificação de qualidade foi instituído um selo que garantiria a boa qualidade do produto, uma espécie de ISO. A primeira etapa foi lançada no inicio do ano de 2002, e segundo o próprio Sebrae em dezembro daquele ano o programa havia conseguido certificar cerca de 50 vendedoras. Vale ressaltar, que a primeira etapa destinou-se apenas a certificação das vendedoras fixadas no Centro Histórico. De acordo com Vanete Fonseca, coordenadora de treinamento do SENAC, no ano de 2003 uma nova turma foi organizada, dando oportunidade para novas vendedoras participarem do treinamento e da certificação.

O curso, com carga horária de 40 horas, foi composto de quatro fases: seminários; parte teórica dividida em dois módulos distintos, visita (a cozinha e ao local de venda) e por fim a avaliação.Os seminários foram abertos e contaram com a presença de aproximadamente 800 vendedoras inscritas. O primeiro módulo, que compunha a parte teórica, abrangia conteúdos específicos que tratavam de assuntos ligados a higiene pessoal, ambiental e manipulação de utensílios. O segundo módulo trazia informações sobre armazenamento, pré- preparo e armazenamento da massa.A terceira etapa, chamada de “check-list” se concretizava com uma visita de um consultor do SEBRAE aos pontos de produção (cozinhas) e consumo (tabuleiros de acarajés) com intuito de verificar se higiene e modificações estabelecidas estavam dentro das especificações que previa o programa, e por fim, a avaliação teórica e a certificação que culminava com o recebimento do selo de qualidade.

Segundo a coordenadora do programa, o custo por vendedora foi de R$ 1.150,00, que foi patrocinado pelo Ministério do Turismo.Mas, para participar do treinamento era necessário que as vendedoras investissem R$ 20,00 para custeio do material didático que, inclusive, poderia ser pago em duas vezes. Logo no inicio do programa apareceu o primeiro entrave, que

foi o fato das cursistas alegarem não ter condições de pagar pelos módulos, logo em seguida, vieram as dificuldades de disponibilidade de tempo, assim como, falta de recursos para arcar com o transporte, de casa até o local do curso, e com as reformas das instalações da cozinha, pré-requisito indispensável para recebimento dos certificados. Por conta disso, de 2003 até 2005, apenas 124 vendedoras conseguiram receber a certificação.

Na conversa que tive em 2005, com a coordenadora do programa, ela declarou que além dessas dificuldades relatadas existiu ainda a questão da sazonalidade das vendedoras, pois muitas delas que receberam o selo, mudaram de endereço ou de “ponto”, sem informar ao programa a nova localização. Dai não foi mais possível monitorar o seu trabalho. Após 2005 não encontrei mais registro sobre o andamento do programa, mas, durante o período das pesquisas tentei agendar um horário com Vanete Fonseca, mas, infelizmente não foi possível, pois a mesma estava fora do estado. Recentemente numa conversa que tive com a presidente da ABAM, Leda Marques, ela informou que o programa foi desativado por falta de verba.

O DECRETO 12.175 – REGULAMENTAÇÃO DA VENDA DO ACARAJÉ NAS RUAS

No documento Acarajé: tradição e modernidade (páginas 96-99)