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3 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

3.3 O Programa Uniafro e o papel dos NEABs

Segundo Cardoso et al (2016, p. 1393) “das inúmeras ações governamentais desenvolvidas na última década, destacam-se aquelas voltadas para o enfrentamento das desigualdades raciais na Educação”. Uma das iniciativas nesse sentido é o Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Instituições Federais e Estaduais de Educação Superior (Uniafro), este se insere no contexto das políticas públicas promovidas pelo Ministério da Educação (MEC), ampliando a abrangência das ações de formação de professores, na área de história e cultura afro-brasileiras.

Sendo este um Programa de ações afirmativas, cabe ressaltar o seu significado, que conforme Mayorga e Souza,

são políticas e práticas públicas e privadas, de caráter compulsório ou facultativo, que têm como objetivo corrigir desigualdades historicamente atribuídas e impostas a determinados grupos sociais. Incluem negros, indígenas, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiências e outros grupos cujos direitos sociais têm sido desconsiderados e não reconhecidos em função do tratamento desigual dado às suas diferenças; as ações afirmativas visam à promoção da diversidade cultural e da justiça social (MAYORGA; SOUZA, 2010, p. 205)

As ações afirmativas aplicadas à educação, no caso brasileiro, respondem a uma reivindicação histórica do movimento social negro na perspectiva da reparação dos danos ou das consequências do longo processo de escravidão e o reconhecimento. Buscam restituir direitos sociais básicos historicamente negados pelo Estado brasileiro a esse segmento da sociedade. Elas se expressam de diversas formas, sendo a mais conhecida as cotas para o

acesso, a permanência e o sucesso acadêmico nas universidades. Também se aplicam no mercado de trabalho, na saúde, na comunicação58, entre outros.

Neste contexto, o Programa Uniafro foi criado em 2005, por meio da Secretaria de Educação Superior (SESU) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), com os objetivos de incentivar as ações de mobilização e sensibilização de instituições de ensino superior, com vistas à implementação de políticas de ação afirmativa; contribuir para a formação de estudantes afro-brasileiros nas instituições de educação superior, em especial as que adotam sistema de reserva de vagas e estimular a integração das ações de implementação das diretrizes curriculares étnico-raciais (BARROS, 2011, p. 136).

O motivo da criação do Uniafro partiu da necessidade de se respeitar e valorizar a diversidade étnico-racial, superar o racismo e a discriminação racial na escola. Além disso, esse Programa tem como objetivo contribuir com a implementação da Lei Nº 10.639/2003 e da Lei Nº 11.645/2008, que inseriu a temática indígena. Visa, ainda, cumprir com as determinações do Parecer CNE nº 03/2004 e a Resolução nº 1/2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Segundo estudo de Negreiros (2013, p. 67) o primeiro edital do Uniafro convocando as instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) a apresentarem propostas por meio dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs) ou grupos correlatos, foi lançado no dia 5 de abril de 2005. Para a seleção de propostas, o objetivo geral do 1º edital Uniafro é apoiar as IPES no desenvolvimento de programas e projetos de ensino, pesquisa e extensão que contribuam para a implementação e para o impacto de políticas de ação afirmativa para a população negra. Além disso, o Edital 2005 objetiva dotar os NEABs ou grupos correlatos de melhores condições de gestão de suas atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão para os fins prioritários enunciados no programa Uniafro. As propostas deveriam atender a pelo menos um dos seguintes eixos: publicação de obras e material didático-pedagógico,

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Como exemplo de ação afirmativa no mercado de trabalho, está as cotas para negros nos concursos públicos, Lei Nº 12.990/2014. Na saúde, vários programas visam incorporar a população negra nas ações prioritárias, como observado na Política Nacional de Saúde da População Negra (Seppir/Ministério da Saúde); a constituição do Comitê Técnico de Saúde da População Negra, em 2004; o Programa de combate ao Racismo Institucional (PCRI), em 2005; a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, lançada pela Seppir, em 2007. Na comunicação, tem como exemplo o destaque no Plano Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR), instituído em 2009, no eixo 4, item IX, o estímulo à inclusão de cotas de representantes das populações negras, indígenas, ciganas e demais minorias étnicas, nas mídias, especialmente a televisiva e em peças publicitárias.

formação de professores e acesso e permanência voltados para estudantes negros ao ensino superior.

Conforme essa autora, das instituições que concorreram ao Edital nº 1/2005 Uniafro, dezoito foram selecionadas e tiveram seus projetos aprovados integralmente ou parcialmente. Destas dezoito instituições, apenas nove firmaram o acordo de cooperação e receberam os recursos do MEC para a execução de seus programas e/ou projetos, que teriam a duração de 10 meses após a assinatura dos termos de cooperação. No ano seguinte foi lançado o edital de 2006, com o mesmo formato e objetivos, isto é, apoiar as ações a serem executadas pelas instituições dentro dos eixos apresentados e fortalecer os NEABs dentro das instituições.

Nos anos de 2008 e 2009, os editais lançados tiveram objetivos um pouco diferentes, inclusive em termos de financiamento. Visando fomentar as ações do Uniafro e aprimorar o repasse financeiro às instituições, o MEC, por meio da Resolução CD/FNDE nº 14, de 28 de abril de 2008, estabeleceu critérios para assistência financeira às instituições de educação superior, por meio de habilitação e apresentação de projetos de formação inicial e continuada, nas modalidades presencial e a distância, para professores de educação básica, graduandos de licenciatura e cursos de Pedagogia, assim como para a elaboração de material didático específico para uso na Educação Básica.

O MEC apoia projetos de formação inicial (licenciatura e Pedagogia) com carga horária mínima de 30h; de curso de formação continuada para professores da rede de ensino de educação básica nas modalidades: extensão, com carga horária mínima de 60h; aperfeiçoamento, com carga horária mínima de 180h; e especialização, com carga horária de 360h. Dessa maneira, várias instituições de ensino superior, a partir do atendimento aos editais do MEC, vêm ofertando cursos de formação inicial e continuada, nas modalidades presencial e a distância.

Com relação aos dois momentos do Programa Uniafro (os editais lançados e o advento da Resolução CD/FNDE nº 14/2008) Negreiros salienta que eles estabelecem considerações sobre a política educacional para a Educação das Relações Étnico-raciais, como um programa que visa a promoção da igualdade racial na educação, uma vez que:

O programa pretendia possuir um caráter tanto valorativo da cultura negra, na medida em que incentivava a formação e a produção de conteúdo que tem a educação das relações étnico-raciais como premissa, quanto redistributivo, por incentivar a adoção de ações afirmativas nas instituições de ensino superior como programa de promoção da igualdade racial na educação (NEGREIROS, 2013, p. 69).

Essa característica dual do Programa teve como articulador importante os NEABs. Observa-se que, conforme disposições da referida Resolução CD/FNDE nº 14/2008, somente as Instituições Federais e Estaduais de Educação Superior dotados de NEABs ou grupos correlatos poderá solicitar recursos para a formação inicial e continuada de professores e para a elaboração de material didático. Esta norma legal define NEAB ou grupo correlato como “núcleo de natureza acadêmica que desenvolva atividades explicitamente vinculadas aos estudos afro-brasileiros e africanos e à educação para as relações étnico-raciais, reconhecido institucionalmente por meio de instrumento legal validado por dirigente máximo da instituição” (BRASIL, 2008).

Cabe salientar que alguns Núcleos, com o advento da Lei Nº 11.645/2008, incorporaram a temática indígena nas suas ações e a sigla passou a ser NEABI (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas). Para fins deste tópico será utiliza a nomenclatura NEAB, pois nem todos os núcleos incorporaram essa temática e/ou renomearam a sigla.

Dessa maneira, o aporte financeiro para a execução das referidas ações contribuem, também, para a estruturação dos NEABs dentro das Instituições Federais e Estaduais de Educação Superior. Segundo Siss (2014, p. 183) os NEABs têm desempenhado um papel ativo e fundamental na implementação das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008. Ele entende que as universidades, os institutos federais de educação, ciência e tecnologia, se constituem como lócus privilegiado de formação (inicial e continuada) de professores e que precisam fazê-lo na perspectiva da Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER).

Os NEABs são constituídos, na sua grande maioria, por pesquisadores, professores, técnicos administrativos em educação e alunos (de graduação e pós-graduação) que se articulam com a finalidade de discutir e difundir a temática afro-brasileira e indígena e de propor projetos que visem a formação inicial e continuada nessa temática. Para Siss:

parcela significativa dos pesquisadores dos NEABs entende que um dos maiores, senão o maior e mais importante desafio colocado para a educação brasileira é o que diz respeito à formação de professores para uma prática pedagógica eficiente no âmbito de uma sociedade tão diversificada culturalmente como o é a nossa. Concordamos com o fato de que, se a formação inicial e continuada dos professores realizada pelas universidades brasileiras se fez em consonância com essas leis, esses professores assim formados estarão aptos a perceber as ideologias e os estereótipos racistas socialmente produzidos e veiculados pelos diversos materiais didáticos colocados à sua disposição e também a poder desmistificar valores particulares que os currículos escolares muitas das vezes tentam tornar gerais ou hegemônicos e que se materializam no cotidiano escolar (SISS, 2014, p. 184).

Dessa mesma maneira entende Barros (2011), quando menciona que os cursos de formação de professores da rede pública voltados à temática étnico-raciais, de um modo geral, propõem uma nova forma de registro da História do Negro no Brasil, recuperando e valorizando a contribuição negra no processo de formação do país, isso faz com que a história do negro e da África sejam apresentadas sem apelo a estereótipos ou distorções (BARROS, 2011, p. 3).

Segundo a avaliação de Siss (2014, p. 184), as ações dos NEABs vêm favorecendo o ensino da cultura afro-brasileira e africana, atuando nos âmbitos do ensino, da pesquisa e da extensão, no sentido de produzir e difundir conhecimentos no campo das desigualdades e diversidades étnico-raciais e da educação, em consonância com a legislação vigente.

Devido à ampliação da oferta de cursos à distância (graduação, extensão, pós- graduação) passou-se a lançar mão dessa modalidade de educação para a oferta de cursos de formação continuada para os professores da Educação Básica, versando sobre temáticas ligadas à diversidade, como os cursos que tratam da Educação para as Relações Étnico- raciais, ensino de História e Cultura Afro-brasileiras, ou a Promoção da Igualdade Racial na Escola.

Barros (2011) destaca que essa ampliação de cursos a distância levantou a preocupação sobre a viabilidade ou pertinência dessa oferta nessa modalidade de educação. Segundo esta autora, a reflexão sobre a formação de professores em cursos com essas temáticas, a distância, provoca questionamentos de várias ordens: “da pertinência do trabalho com temas transversais nesta modalidade educativa à adequação das tecnologias de informação e comunicação eletrônicas ao trabalho educativo num contexto de exclusão digital” (p. 87). Ela menciona, ainda, a necessidade de incorporação das novas tecnologias de informação e comunicação ao ensino de História e Cultura Afro-brasileiras como forma de estimular práticas em educação das relações étnico-raciais afinadas às mudanças teórico- metodológicas ocorridas na Educação (BARROS, 2011, p. 88).

Oliveira (2016), levando em consideração a proposta do Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (Penesb)59, ressalta que a oferta de cursos de formação inicial

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O Penesb é um programa criado no ano de 1995, vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (FEUFF), realiza pesquisas, atividades de ensino e extensão sobre o negro em educação. Atua, desde a criação, na formação continuada de profissionais da educação, por meio de cursos de extensão e

especialização, na modalidade presencial até 2009, quando passou a utilizar na formação as modalidades presenciais e a distância. A partir de 2013 começou a oferecer formação continuada somente na modalidade a distância. Atua, ainda, na formação inicial, nos cursos de pedagogia e demais licenciaturas, no Programa de Pós- Graduação em Educação (mestrado e doutorado), na linha de pesquisa Diversidade, Desigualdades Sociais e Educação, que inclui a orientação de pesquisas e componentes curriculares sobre o tema (informação disponível na página eletrônica da UFF <http://www.uff.br/penesb/index.php/quem-somos>).

ou continuada, independente da modalidade em que são oferecidos, deve-se orientar pelo princípio da qualidade. A autora entende que:

em ambas as modalidades, presencial e a distância, respeitando-se as particularidades de cada uma, há de se considerar a necessidade de estabelecer critérios de qualidade e uma organização e dinâmica que impeçam o aligeiramento e a superficialidade da formação oferecida, isto é, que garantam um nível de ensino compatível com uma atuação docente devidamente qualificada (OLIVEIRA, 2016, p. 8).

Além do aspecto da qualidade, Oliveira (2016, p. 9) ressalta algumas vantagens da formação continuada a distância, principalmente nos grandes centros, como a redução dos percentuais de desistência (por não precisar realizar grandes deslocamentos) e maior assimilação dos conhecimentos curriculares (realização de tarefas semanais).

A formação continuada de professores para a educação das relações étnico-raciais também é uma preocupação do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da UFOP. Para ajudar na investigação proposta neste trabalho, cabe salientar como este Núcleo se insere no contexto das ações de implementação da Lei Nº 10.639/2003 e da Lei Nº 11.645/2008, por meio do Programa Uniafro, quando se propôs a ofertar um curso dessa natureza, na modalidade a distância.

4 O QUE DIZEM AS PESQUISAS CIENTÍFICAS SOBRE A EDUCAÇÃO A