• Nenhum resultado encontrado

1 A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E A SUA CONFORMAÇÃO NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

1.2 Regulamentação da EAD para a Educação Superior

Embora existissem legislações esparsas desde as primeiras iniciativas da Educação a Distância no Brasil, foi no ano de 1996 que a EAD foi oficializada como modalidade válida e equivalente para todos os níveis de ensino, por meio da Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN). Ao prever a EAD nesta Lei, o legislador demonstrou a sua intenção de incorporar no texto normativo o que estava acontecendo na prática.

Os artigos 80 e 87 da LDBEN versam sobre a EAD, de forma ampla, conforme se observa:

Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.

Art. 87... II - prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados;

III - realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância (BRASIL, 1996)

Alguns autores fazem crítica ao caput do art. 80, destacando o caráter ambíguo que é atribuído à modalidade a distância, como é a crítica de Benakouche (2000, p. 6) que menciona o uso da expressão “ensino a distância” ao invés de “educação a distância”, expressão que considera mais adequada.

O caput do art. 80 foi regulamentado por meio do Decreto Nº 2.494/98, alterado pelo Decreto Nº 5.622/2005, sendo este, mais recentemente, revogado por meio do Decreto Nº 9.057, de 25 de maio de 2017, passando a ser o novo referencial para a EAD no Brasil. O fato deste Decreto ser uma norma muito recente cabe apresentá-lo fazendo uma análise comparativa, principalmente em relação ao Decreto Nº 5.622/2005 e ao art. 1º do Decreto Nº 6.303/2007, que foram revogados, mas antes serão apresentadas as normas ainda em vigor.

A Resolução Nº 1, de 3 de abril de 2001, do Conselho Nacional de Educação, estabelece normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação lato e stricto sensu (mestrado e doutorado)11. Com relação aos cursos de pós-graduação lato sensu a distância12, as instituições de ensino superior ou instituições especialmente credenciadas para atuarem nesse nível educacional não precisam de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento, para a oferta desses cursos, por isso mesmo observa-se uma grande expansão da EAD nessa área. Como está sendo o caso das chamadas do MEC para a oferta do Curso Uniafro.

Os cursos de pós-graduação lato sensu a distância são oferecidos para matrícula de portadores de diploma de curso superior; estão sujeitos à supervisão dos órgãos competentes a ser efetuada por ocasião do recredenciamento da instituição; deverão incluir, necessariamente, provas presenciais e defesa presencial de monografia ou trabalho de conclusão de curso; a instituição responsável expedirá certificado a que farão jus os alunos que tiverem obtido aproveitamento segundo os critérios de avaliação previamente estabelecidos, assegurada, nos cursos presenciais, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) de frequência, além de outros requisitos de certificação (BRASIL, 2001).

Conforme a Portaria Nº 4.059, de 10 de dezembro de 2004, as instituições de ensino superior poderão introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas integrantes do currículo que utilizem modalidade semipresencial13, desde que esta oferta não ultrapasse 20% (vinte por cento) da carga horária total do curso e que as avaliações ofertadas sejam presenciais (BRASIL, 2004a).

A Portaria Ministerial Nº 4.361, de 29 de dezembro de 2004 disciplina os processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior (IES),

11

Os cursos de pós-graduação stricto sensu a distância estão sujeitos às mesmas exigências de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento previstas na legislação para os cursos presenciais.

12 Estão incluídos nessa categoria os cursos de MBA (Master Business Administration) ou equivalentes. 13

Esta Portaria caracteriza a modalidade semipresencial como quaisquer atividades didáticas, módulos ou unidades de ensino-aprendizagem centrados na auto-aprendizagem e com a mediação de recursos didáticos organizados em diferentes suportes de informação que utilizem tecnologias de comunicação remota (BRASIL, 2004c).

credenciamento para oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, entre outros aspectos (BRASIL, 2004b).

O Decreto Nº 5.773, de 9 de maio de 2006, estabelece que é de competência da Secretaria de Educação a Distância instruir e exarar parecer nos processos de credenciamento e recredenciamento de instituições específico para a oferta de educação superior a distância, promovendo as diligências necessárias. Cabe ao Conselho Nacional de Educação (CNE) decidir sobre pedidos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior a distância (BRASIL, 2006).

A Portaria Normativa 2, de 10 de janeiro de 2007, prevê que os cursos de EAD devem estar previstos no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) das instituições dos sistemas federal e estaduais (BRASIL, 2007).

Cabe salientar que as Instituições de Ensino Superior (IES) e os cursos de graduação presenciais e a distância passam por processo de avaliação, sob a responsabilidade do INEP, que coordena o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), Lei Nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Conforme essa Lei, o SINAES tem o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes (BRASIL, 2004)14.

No ano de 2003 o MEC publicou os Referenciais de Qualidade para a Educação a Distância com o objetivo de subsidiar atos legais do poder público no que se referem aos processos específicos de regulação, supervisão e avaliação da modalidade a distância. No ano de 2007 o Referencial foi atualizado por uma comissão de especialistas e submetido à consulta pública. Esse documento não tem força de lei, mas circunscreve no ordenamento legal vigente em complemento às determinações específicas da LDBEN, do Decreto Nº 5.622/2005, do Decreto Nº 5.773/2006 e das Portarias Normativas 1 e 2 do ano de 2007. As orientações contidas neste documento terão função indutora no tocante à concepção teórico- metodológica da educação a distância e da organização de sistemas de EAD no Brasil.

Os Referenciais apresentam um conjunto de definições e conceitos que visam garantir qualidade nos processos de educação a distância e coibir a precarização da educação superior a distância e a sua oferta indiscriminada e sem garantias das condições básicas para o desenvolvimento de cursos com qualidade. O documento demonstra que a modalidade a distância possui características diferenciadas e próprias, por isso evidencia que os projetos de

14

O SINAES tem por finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior (BRASIL, 2004).

cursos na modalidade a distância devem compreender as categorias que envolvem aspectos pedagógicos, recursos humanos e infraestrutura (BRASIL, 2007c).

Parte-se agora para a análise comparativa entre o Decreto Nº 9.057/2017, recém- publicado, e o Decreto Nº 5.622/2005. Este último trazia uma conceituação de EAD (que será abordada posteriormente) e estabeleceu, ainda, os momentos presenciais como sendo obrigatórios e manifestava, ainda, que a EAD poderia ser ofertada para: 1. a educação básica (em casos autorizados por lei), 2. a educação de jovens e adultos, 3. a educação especial (conforme legislação pertinente), 4. a educação profissional e 5. a educação superior, nos seguintes cursos e programas: sequenciais, graduação, especialização, mestrado e doutorado.

Alguns dispositivos do Decreto Nº 5.622/2005 foram alterados por meio do Decreto Nº 6.303, de 12 de dezembro de 2007, estabelecendo novas regras, como: 1. a abrangência para atuação da instituição para fins de credenciamento para oferta de cursos e programas na modalidade a distância; 2. os momentos presenciais obrigatórios serão realizados na sede da instituição ou nos polos de apoio presencial (PAP); 3. sobre a solicitação da ampliação da abrangência da instituição; entre vários outros aspectos que visam o adequado funcionamento técnico, administrativo e pedagógico dos cursos ofertados na modalidade a distância (BRASIL, 2007a).

O Decreto Nº 9.057/2017 trouxe algumas novidades em comparação com estas normas. Uma das alterações diz respeito à possibilidade da IES com prerrogativa de autonomia universitária poder pedir apenas o credenciamento institucional (com um mínimo de um curso de graduação na modalidade a distância), mas continua a existir o ato autorizativo próprio de EAD para instituições e cursos. O novo Decreto não menciona a existência de cursos de graduação sem atividades presenciais, mas não exige provas presenciais, deixando outras atividades presenciais conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), a necessidade destas atividades presenciais será definida pela natureza do curso. O Decreto permite, ainda, o credenciamento de IES exclusivamente para a EAD.

Este Decreto em análise revogou, ainda, o art. 1º do Decreto Nº 6.303/2007, que estabelecia regras de abrangência para atuação da instituição para fins de credenciamento para oferta de cursos e programas na modalidade a distância e sobre os momentos presenciais obrigatórios, que deveriam ser realizados na sede da instituição ou nos polos de apoio presencial (PAP) (BRASIL, 2007a).

A Portaria Normativa Nº 11, de 20 de junho de 2017, consta que poderá ser criado um curso sem a previsão de atividades presenciais, mas deverá ser autorizado pela Secretaria de Regulação e Supervisão do Ensino Superior (SERES), após avaliação in loco (§1º, art. 8º).

Esta Portaria disciplina, ainda, sobre a possibilidade das IES credenciadas criarem Polos de Educação a Distância (Polos de EaD) por ato próprio, podendo ser em parceria com outra pessoa jurídica, preferencialmente, instituição de ensino, mas devendo observar o quantitativo máximo conforme o resultado do Conceito Institucional mais recente, disposto no art. 12. A Portaria estabelece que as atividades presenciais, se estiverem definidas na proposta do curso, serão realizadas na sede da IES, nos polos de EAD ou em ambiente profissional (art. 8º) (BRASIL, 2017b).

Antes da edição dessas novas normas, alguns autores analisaram a regulamentação da EAD no Brasil e, em muitos casos, ponderaram que ela se constituiu um avanço. Como pode ser observado no dizer de Rover (2003, p. 58), quando destaca que a atual legislação retira da EAD o caráter apenas complementar observada nas legislações anteriores, quando as tecnologias utilizadas eram o rádio e a televisão. A legislação evidencia a valorização do papel da EAD, principalmente nas situações em que é preciso avançar, como é o caso da capacitação para os professores. Dessa maneira, a EAD passa a fazer parte do projeto pedagógico da sociedade brasileira.

A recepção da EAD na legislação brasileira é considerada um avanço, inclusive permitindo a oferta de cursos de formação continuada de professores. Benakouche (2000, p. 17) acredita que vários dos problemas atuais da EAD no Brasil decorrem da ausência de regulamentação, sendo ela necessária para garantir a qualidade, fazendo minimizar os preconceitos que existem sobre a EAD.

Ainda com relação à regulamentação da EAD no Brasil antes de 2017, Vianney (2008) entende que o MEC, a partir de 2007, tentou reconceituar a educação a distância e a induzir um modelo semipresencial para essa modalidade de ensino. Ele problematiza a questão apontando que:

A natureza, o conceito e a operação da educação a distância, apropriados e definidos institucionalmente por estabelecimentos públicos e privados de ensino superior geram características organizacionais próprias e em acordo com as abordagens metodológicas, acadêmicas e dos recursos tecnológicos adotados em cada instituição. E, ao início de 2007 não se verificavam no campo da educação a distância imperativo legal ou determinação científica, quer no Brasil, quer em outros países, que obrigassem ou conduzissem à adoção de um modelo organizacional único para estabelecer metodologia ou tecnologia padrão para a modalidade como um fator gerador de qualidade (VIANNEY, 2008, p.)

Moran (2009) ao se posicionar quanto à regulamentação da EAD, também antes da nova regulamentação, evidencia a contradição e o preconceito com relação à EAD ao exigir que a avaliação seja presencial. Este autor destaca que entende as possibilidades de fraude a

distância, que são encontradas também no presencial, mas, segundo ele, não se pode impedir, legalmente, que um curso a distância possa ser totalmente on-line. Ele também se manifesta com relação aos polos, quando destaca que o seu conceito não pode ser unívoco, exigindo um único modelo como possível, além disso, a necessidade de um polo deve estar atrelada ao projeto que se pretende desenvolver.

Observa-se que alguns dos aspectos apontados nas análises críticas dos autores, relacionadas à regulamentação da EAD no Brasil, foram incorporados na nova legislação. Não será apresentada neste estudo uma análise crítica sobre a nova regulamentação da EAD, por considerar muito prematura. Por isso, apresentou-se apenas a nova legislação, no sentido de apontar as mudanças trazidas em comparação à legislação anterior. Entende-se que uma norma nova comporta várias análises que poderão culminar, inclusive, em novas alterações em outros dispositivos vigentes, nas diretrizes para a EAD e na produção científica sobre o assunto.

Para finalizar este tópico, considera-se que a compreensão da regulamentação da EAD vem em complemento com o entendimento de algumas especificidades dessa modalidade de educação. Conhecer essas singularidades contribui para minimizar as resistências comumente direcionadas a essa modalidade de educação. Para Benakouche (2000, p. 19) muitas dessas resistências vêm especialmente dos profissionais da educação, impedindo-os, muitas vezes, de empreender um debate consequente sobre o tema. A ampliação do debate sobre a EAD contribui, ainda, para a reflexão sobre seus limites e possibilidades.