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balde a primeira obra idealizada e introjetada no pensamento po- lítico e social da época, exemplo da modernização que se avizinha- va. O desenho projetado para o crescimento e expansão da cida- de tinha como objetivo ampliar a área da cidade em cerca de seis vezes o tamanho atual. O espaço foi pensado com traços retilíneos, ruas largas e funcionais, possuin- do toda infraestrutura necessária.

O projeto deveria “possuir características físicas diversas da encontrada no núcleo central da Ilha” (KLUG, 2009 p. 27). O espaço ocupado pela capital por mais de três séculos era vista pelo engenheiro responsável pelo pro- jeto do Novo Arrabalde, Saturnino de Brito, como um “equívoco”. Para ele, a localização de Vitória no terreno

A r r a b a l d e : Que se encon- tra localizado na periferia de uma cidade; fora dos limi- tes; subúrbio. Local extrema- mente afasta- do do centro (cidade, bairro etc); arredor. Francisco Rodrigues Saturnino de Brito for- mou-se engenheiro civil em 1886 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro tendo partici- pado da expansão da malha rodoviária de vários estados brasilei- ros como Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. A partir de 1892 começa a realizar trabalhos volta- dos para a área de sane- amento básico vindo a participar de importan- tes projetos em Vitória/ ES, Campos dos Goy- tacazes/RJ, Santos/ SP, validando através deles princípios higie- nistas a fim de cons- truir um saber urbano de matriz sanitária. O projeto do Novo Arrabalde, considera- do inovador em ter- mos arquitetônicos e urbanísticos, propu- nha grandes áreas pú- blicas como bosques e parques aproveitando e valorizando as paisa- gens naturais presen- tes na cidade além da utilização do espaço de forma racional. O diferencial desse empreendimento es- tava na proposta su- gerida por Saturnino de Brito onde a esté- tica, a higienização, a racionalidade e a fun- cionalidade são parte do mesmo projeto.

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O projeto do Novo Arrabalde (figura 14) é antes de tudo “uma nova organização do espaço em âmbito estadual, e tinha por finalidade motivar o desenvolvi- mento, através da atração e centralização espacial de capitais privados em Vitória, dirigidos para o comér- cio” (CAMPOS JÚNIOR, 1996, p. 138).

Há de se questionar as razões existentes na área es- colhida para a implantação do Novo Arrabalde. Al- gumas especulações dizem respeito aos ganhos finan- ceiros de empreiteiras com o novo empreendimento, porém, não há muitos estudos que contribuam para a confirmação dos interesses particulares das empresas.

Fig. 14 – Projeto do Novo Arrabalde. Fonte: Biblioteca Central da Ufes.

A Companhia Torrens, escolhida para executar diver- sos projetos de infraestrutura no Estado, tinha como algumas de suas incumbências a concessão por parte do governo federal para realizar melhorias no porto, os grandes aterros como o do Campinho, atual Parque Moscoso (figura 15). Em contrapartida nesta concessão, a empresa tinha interesse e preferência na aquisição de lotes na porção nordeste (Novo Arrabalde), objetivan- do fomentar a especulação imobiliária e valorização do espaço.

Fig. 15 – Aterro do campinho (Atual Parque Moscoso), 1909. Fonte: Acervo da Biblioteca Central da Ufes.

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Por essa razão, haveria suspostamente uma influência da empresa na escolha do local para expansão da cidade já que a empreiteira havia adquirido grandes loteamentos na região em que seria construído o Novo Arrabalde. Existia, por- tanto, a expectativa de que Vitória se tornaria uma grande praça comercial e os terrenos adquiridos sofreriam valori- zação em consequência da infraestrutura que a própria empresa iria instalar no local. Fato é que por questões diversas (econômicas e políticas), a empresa não executou todas as ações planejadas.

Um dos argumentos utilizados pelo governo para a escolha do local para expansão era que havia o esgotamento do es- paço físico da região central, porém essa justificativa pode ser questionada. Existiam grandes vazios na porção sudoeste (atual Vila Rubim, Ilha do Príncipe, Santo Antônio) que poderiam ser usados como moradia. Além dela havia a região noroeste da ilha que já estava sendo habitada naquele momento (Proximidade da atual Rodovia Serafim Derenzi).

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Ocorre que a expansão para essas áreas, incluiria contemplar a população já existente e expandir a urbanização para locais que eram habitados pelas classes menos favorecidas, como os habitantes da chamada Cidade de Palha.

(figura 16). Quando fazemos uma análise um pouco mais criteriosa da geo- grafia da ilha, parece-nos mais viável levar infraestrutura e condições básicas de urbanização para as regiões adjacentes ao território já ocupado pela popu- lação de Vitória. A proximidade faria com que os custos fossem menores e os projetos executados com mais celeridade. Mesmo assim, a região escolhida para a expansão foi o Novo Arrabalde, fato que nos leva a questionar sobre os reais objetivos da escolha e a quais interesses iriam atender.

Mesmo com todos os questionamentos citados acima, a expansão da ilha para o nordeste ocorreu, ainda que só se consolidasse nas décadas seguintes (mais precisamente na segunda metade do século XX). O projeto do Novo Arrabalde se adequava aos novos conceitos de modernidade e modernização instalados na Europa na segunda metade do século XIX e estava nos planos do governo. O objetivo de transformar a capital na principal praça comercial do estado com grande expectativa de desenvolvimento e ampliação da ativi- dade portuária, importadora e exportadora, seja por via marítima, seja pelas ferrovias permaneceu latente. A expectativa era exportar a produção de café para todo o Brasil e para o mundo além de atrair para a capital grandes indús- trias e empreendimentos comerciais. Fato é que o projeto não se concretizou nesse governo como dito acima.

Atualmente conhecida como Vila Rubim, a cidade de pa- lha concentrava grande parte dos pobres que moravam na ilha. Muitos deles eram imi- grantes do interior do estado ou de outras regiões do Bra- sil que vinham em busca de melhores condições de vida. Essa área possuía casebres e casas de palha construídas fora dos padrões das casas do centro da cidade, razão do nome. Elas eram cons- truídas pelos próprios mora- dores e deixavam ainda mais à mostra a fragilidade dos serviços públicos oferecidos.

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Crise do café: No final do século XIX, o Brasil tinha como principal produto de exportação o café. Ocorre então, uma superprodução onde a oferta acaba superando a demanda. O mercado europeu e americano não estava absorvendo na mesma velocidade a produção que chegou a ter 4 milhões de sacas excedentes, fato que fez o valor do café baixar de forma significativa. Para conter esse desalinhamento, alguns estados em 1906 agem na economia afim de promover o equilibro e diminuir as quedas estocando o excesso da pro- dução, retornando o produto ao mercado após a estabilidade dos preços. Este acordo denominado convênio de Taubaté retirou do mercado cerca de 8 milhões de sacas de café, além de aumentar impostos de novos cafezais para impedir sua criação. Tal ação estendeu-se até 1910 e conseguiu amenizar a crise, tornando-se a primeira política de valorização do café.

Obras de infraestrutura e

embelezamento

No final do século XIX, o Espírito Santo teve um momento especialmente promissor com a alta do valor da saca do café e o consequente aumento da receita do Estado, já que o produto era o principal item de exportação e fonte de arrecadação de impostos.

Após este momento de euforia entre os anos de 1892 e 1895 decorrente da exportação de café, uma crise nacional na indústria cafeeira

atingiu o Estado fazendo com que os governos do início do século XX diminuíssem ou mes- mo paralisassem os projetos mais suntuosos e portanto, onerosos para os cofres públicos. As atenções voltaram-se para necessidades básicas como abastecimento de água, esgoto, luz elé- trica, ruas melhores estruturadas, por exemplo.

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Corroborando a necessidade de melhorias básicas no núcleo central da capital no que diz respeito à infraes- trutura, Derenzi reitera que

[...] o governo, nos limites de seus recursos, deverá cuidar da construção e conservação de boas estradas de rodagem [...] deverá empenhar-se pela multiplicação e desenvol- vimentos dos núcleos colonais [...]. Dentre outros problemas que pedem a imediata aten- ção do gôverno, destacam-se naturalmente o saneamento e melhoramento da nossa capital, o da higiene pública e o da instru- ção popular (DERENZI, 1965, p. 149-150).

Para atingir os objetivos foi criado o Plano de Me- lhoramentos e de Embelezamento de Vitória, um do- cumento pensado no intuito de executar as ações de melhorias de infraestruturas e que tem início com a derrubada de casas e igrejas, desapropriações, cons- trução de ícones nacionais (bustos e estátuas) que da- riam força à República, construção de novos prédios do governo, muitos circundando o Palácio Anchieta, alargamento de ruas (figura 17), aterros de grandes áreas em diferentes localidades, instalação do bonde elétrico e de luz elétrica por todo o centro, água e esgoto, construção de parques públicos e praças, dre-

nagem, construção do matadouro municipal e do cemi- tério em área afastada do centro, entre outros projetos.

Fig. 17 – Alargamento da Rua Jerônimo Monteiro.. Fonte: Biblioteca Central da Ufes.

Essa projeção estabelece um novo significado da cidade buscando a sua reestruturação, alinhando beleza, sanea- mento, higiene e modernização através de provimentos básicos. Alinhado com a ideia de embelezamento e tra- zendo para a capital características europeias e um agir europeizado, a construção do Parque Moscoso (figura 18) trouxe para Vitória um local onde a burguesia es-

38 Educação na cidade: o processo de modernização da cidade de Vitória em debate Fig. 18 – Parque Moscoso, 1927. Fonte: Biblioteca Central da Ufes.

tabelecida recentemente encontrava espaço para lazer e relacionamen- tos sociais. O modelo do Parque Moscoso foi inspirado nos jardins e parques parisienses construídos pelo prefeito de Paris Georges-Eugène Haussmann, entre 1853 e 1870. Além do Parque Moscoso, outras inter- venções tiveram inspiração nas reformas europeias. A seguir, falaremos um pouco mais sobre os conceitos envolvidos nas transformações que ecoaram por todo o mundo.

Georges - Eugène Haussmann: Prefeito responsável pela refor- ma urbana de Paris entre 1853 e 1870, o então Barão de Haus- mann, criou um projeto de mo- dernização e embelezamento estratégico da cidade. Além de tornar a cidade mais bela e im- ponente, a reforma tinha como objetivo dirimir conflitos entre o governo e civis expulsando os antigos moradores do local (oriundos da classe trabalha- dora) para a periferia, demo- lindo ruas estreitas e casas, re- fazendo a geometria das ruas, casas e comércio. Surge então, uma Paris homogênea, limpa e elegante que influenciou ca- pitais por todo o mundo, in- clusive no Brasil. As ações de Haussmann também sofreram críticas, uma vez que a des- truição do patrimônio não era levado em consideração.

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Não contêm apenas monumentos, se- des de instituições, mas também espaços apropriados para festas, para os desfiles, passeios, diversões. O núcleo urbano tor- na-se, assim, produto de consumo de uma alta qualidade [...]. Sobrevive graças a esse duplo papel: lugar de consumo e consu- mo do lugar (LEFEBVRE, 2001, p. 20).

Todas as intervenções físicas ocorridas após a indus- trialização foram em direção ao processo de solidifi- cação de uma nova concepção de cidade, adaptada ao consumo além de instrumento de poder. David Harvey, geógrafo estudioso do urbanismo, em seu livro: “Cidades rebeldes: do direito à cidade à revo- lução urbana”, faz uma reflexão sobre o as mudanças ocorridas em Paris na metade do século XIX:

formação das infraestruturas urbanas, mas também na criação de todo um estilo de vida urbana totalmente novo e um novo tipo de per- sona urbana. Paris tornou-se a Cidade Luz, o maior centro de consumo, turismo e prazeres – os cafés, as grandes lojas de departamento, a indústria da moda, as grandes exposições transformaram o estilo de vida urbano, per- mitindo a absorção de vastos excedentes me- diante um consumo desmedido que ao mes- mo tempo agredia os tradicionalistas e excluía os trabalhadores (HARVEY, 2014, p. 38).

A transformação da cidade descrita acima por Harvey, causa um sentimento de estranhamento e alienação do espaço, reiterando o pensamento de Lefebvre no livro “A Revolução Urbana”. Lefebvre afirma que após a Re- volução Industrial houve uma grande transformação na estrutura das cidades, não somente no que diz respeito à parte física, mas nas implicações sociais desencadeadas no processo, na simbologia presente na atmosfera dessa nova cidade:

Ações como a limpeza da cidade, demolição de vias estreitas (ainda remanescentes da época medieval) e construção de jardins e parques, foram algumas das mudanças postas em prática na Paris da segunda me- tade do século XIX. As reformas executadas nos gran- des centros urbanos durante esse período, são analisa- das por Lefebvre:

[...] estripação de Paris de acordo com uma estra- tégia, expulsão do proletariado para a periferia, invenção simultânea do subúrbio e do habitat, aburguesamento, como despovoamento e apodre- cimento dos centros (LEFEBVRE, 2008, p. 102). O sistema funcionou bem por cerca de quin-

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Analisando os preceitos deste momento histórico, onde o velho é substituído pelo novo (com demo- lições, desapropriações) e o clássico pelo moderno (alargamento de ruas, edificações imponentes), como se fosse necessário aniquilar um para o surgimento do outro, verificamos nas entrelinhas da modernidade os interesses econômicos envolvidos (ascensão política e econômica das elites cafeeiras, por exemplo).

Além dos fatos descritos acima, citamos ainda a se- paração entre o Estado e a Igreja (aumento no nú- mero de construções de prédios do governo), a nova configuração social (burguesia e proletariado), conse- quências da expansão do liberalismo econômico que continua a romper fronteiras até os dias de hoje. Com base no que foi explanado, a capital de Vitória

sofreu um reflexo das intervenções mundiais como as realizadas em Paris e reproduzidas no Rio de Janeiro: alargamento das ruas, construções de parques e praças, obras de saneamento básico (sistema de água e esgoto), instalação de luz elétrica, entre outras.

Observamos em nossa capital o afastamento das classes menos favorecidas para as periferias da cidade após as reformas do centro da cidade. No início do século XX, após as obras de revitalização e urbanização, o centro da cidade sofreu uma valorização do espaço. Parte da elite se instalou nos arredores do Parque Moscoso e a popu- lação que antes morava ali passou a habitar os subúrbios que estavam se delineando.

O aparecimento de classes sociais e a estratificação das relações de trabalho contribuiram nas palavras de Lefe- bvre (2008, p. 79) para o aparecimento da “cotidianida- de no urbano: a vida privada reclusa, contribuiu com a fragmentação do sujeito, tédio e alienação, característi- cas da modernidade capitalista industrial”.

Observamos em Vitória características dos efeitos da urbanização: a negação do passado e reformulação da cidade, ação que beneficiou a nova classe em ascensão – a burguesia – privilegiando os que estavam no poder.

Liberalismo econômico: Pressupõe a defesa da li- berdade de ação produtiva e por conseguinte eman- cipação econômica, uma economia com pouca in- tervenção do estado nas práticas econômicas. Como características principais podemos apontar ainda: o individualismo, o livre mercado, participação mí- nima do Estado e defesa da propriedade privada.

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Consolidação dos aterros e

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