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O projeto de referência consiste em um conjunto de projetos das especialidades de arquitetura, estrutura e instalações prediais, compatibilizados entre si, contratados e produzidos por diferentes empresas de projeto. Realizados com foco no programa MCMV, procuraram atender às empresas construtoras através dos requisitos técnicos e de custo adequados ao programa de necessidades imposto pelo programa habitacional.

A ideia de elaborar projetos de referência surgiu por iniciativa do SINDUSCON20, com o objetivo primordial de dar celeridade ao processo de aprovação dos empreendimentos. Para tanto, realizou-se um convênio entre a Caixa

19 60% dos empreendimentos (faixa 0-3 SM) contratados pela CEF são no âmbito do projeto de

referência.

20 O SINDUSCON/Ce é a entidade de classe da Indústria da Construção Civil em todo o Estado do Ceará e tem como atividade principal representar o setor e defender seus interesses junto ao governo e à sociedade. Fundado em 1942, conta atualmente com mais de 430 empresas associadas. As informações desta seção foram levantadas a partir de entrevista com um vice-diretor desta instituição e complementadas através das entrevistas com os profissionais projetistas envolvidos.

Econômica Federal, o SINDUSCON e demais órgãos públicos do governo municipal e estadual, no sentido de atender mais rapidamente às demandas do programa habitacional em questão, dentro da faixa de renda até três salários mínimos, ou seja, desenvolveram-se antecipadamente projetos que atendessem ao solicitado pelo MCMV e a empresa que usasse este projeto teria o trâmite mais rápido dentro da CEF já que a mesma tinha aprovado previamente o projeto.

Os projetos dizem respeito apenas à edificação, tudo que poderia ser padronizado acima do nível do solo, desconsiderando implantação no terreno. Esta adaptação é necessária caso a caso, através de outros projetos complementares. Três tipologias arquitetônicas foram desenvolvidas concomitantemente por diferentes empresas de projeto: casa; térreo + 01; e térreo + 03 (ver quadro 4.1).

Quadro 4.1 – Tipologias e Empresas do Projeto de Referência

PROJETO ESPECIALIDADE ID21 C A SO 1 Tipologia Casa Arquitetura Empresa A Instalações Empresa B Estruturas -- C A SO 2 Tipologia Térreo + 01 Arquitetura Empresa C Instalações Estruturas Empresa D C A SO 3 Tipologia Térreo + 03 Arquitetura Empresa E Instalações Empresa F Estruturas Empresa G Fonte: Autora

Com exceção da tipologia “casa”, na qual cada projetista assinou contrato individualmente, nos demais, os projetos foram contratados por pacote, sendo o profissional arquiteto o contato principal da equipe com o SINDUSCON.

O critério, por sua vez, para a contratação do desenvolvimento da tipologia “térreo + 01” foi por convite, devido à experiência anterior do arquiteto, que havia desenvolvido o projeto de referência da mesma tipologia para o Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Por isso, e aproveitando o histórico anterior, o mesmo escritório foi chamado para realizar uma adaptação do projeto para o MCMV. Apesar de existirem três tipologias disponíveis, os dados levantados na CEF revelam

21 Cada ID representa uma empresa de projeto que assina autoria de cada tipologia apresentada,

que a tipologia “térreo + 01” é a mais utilizada pelas construtoras. Segundo o entrevistado do SINDUSCON, “é porque os construtores já estão muito acostumados a construir o térreo + 01 por causa do PAR”, o que foi confirmado pelos demais entrevistados.

No caso da tipologia “térreo + 03”, o critério de contratação foi concurso. Para participar, várias empresas de projeto recebiam indicações das próprias construtoras filiadas, com base nas relações de confiança já estabelecidas. As equipes de projetistas, representadas pelo arquiteto, se candidataram para desenvolver o projeto e após consenso entre os associados do SINDUSCON, os escolhidos foram contratados.

Ainda com relação ao tipo de contratação, os entrevistados afirmam que não houve nenhum tipo de contrato diferenciado. A especificidade está no fato de que, ao finalizar todo o processo de projeto e aprovação, os mesmos passam a ser de propriedade do SINDUSCON. Este o disponibiliza em meio magnético aos associados, que ao se utilizarem dos projetos, devem pagar os royalties aos projetistas e uma porcentagem ao próprio SINDUSCON, um valor acordado anteriormente, com base na quantidade de unidades habitacionais de cada empreendimento. Assim sendo, além do valor inicial pago pelo projeto completo, os projetistas passam a receber, indefinidamente, um valor por repetição.

Segundo os projetistas envolvidos, o processo de projeto e aprovação foi desgastante e mais demorado que o esperado. Mesmo antes de submeter a documentação ao agente financiador, os projetos foram intensamente discutidos, em várias etapas, inclusive relacionando o orçamento às decisões de projeto. As equipes tinham como desafio dar soluções para racionalizar a construção do empreendimento, além de atender às exigências técnicas impostas pelo programa.

Houve diversas alterações nos projetos e os profissionais reclamaram também do alto nível de exigência por parte dos técnicos e engenheiros da CEF. Para acompanhar este processo e dar suporte às equipes de projeto, o SINDUSCON criou três comissões específicas, uma para cada tipologia. Além desta tarefa, os membros destas comissões coordenavam as reuniões e participavam da avaliação dos projetos apresentados.

Apesar de todo esforço dos setores da iniciativa privada na tentativa de agilizar os processos de aprovação, percebeu-se que havia uma dependência de diversos outros agentes, que segundo o entrevistado, não cumpriram com os

acordos estabelecidos pelo convênio proposto. Para cada novo empreendimento, era ainda necessário aprovar diversos outros projetos específicos de cada terreno, tais como implantação, terraplenagem, estação de tratamento de esgoto, etc. Deste modo, diminuir a quantidade de projetos no processo de aprovação não foi suficiente para a sua celeridade.

Dentro deste contexto, BISIO (2011) empregou a ferramenta lean de MFV para representar e analisar o fluxo das informações ao longo do tempo de processo de projeto, estudando o caso da tipologia “térreo + 01”. O referido trabalho torna-se interessante na medida em que identifica os gargalos presentes no processo de aprovação destes empreendimentos e propõe melhorias, baseadas nos mapas de fluxo de valor futuros para este caso.

Voltando às questões relativas à proposta do SINDUSCON, o estado do Ceará, foi o pioneiro e único do Brasil com relação aos projetos de referência para a faixa de renda de até três salários mínimos do programa MCMV. Entretanto, a própria entidade de classe reconhece o fracasso da iniciativa, por não ter conquistado seu objetivo principal de maior celeridade nos processos de aprovação. Ao ser questionado sobre sugestões de melhoria para o processo, o entrevistado disse não ter mais nenhuma contribuição.

Segundo o entrevistado, vários outros estados brasileiros conseguiram aprovar projetos num intervalo de tempo menor que os projetos de referência desenvolvidos no Ceará. Acrescenta ainda que a situação vem melhorando, mas não por causa do projeto de referência. A própria CEF tem realizado esforços para dar mais agilidade no processo de aprovação, e segundo ele, isto se deve ao fato de que o Banco do Brasil também passou a participar do programa MCMV como agente financiador, gerando assim uma concorrência no mercado.

Para ilustrar este cenário, o entrevistado, que também é construtor, afirma ter aprovado um projeto no Banco do Brasil em cinquenta dias, enquanto que na Caixa Econômica Federal o projeto que mais rápido aprovou, precisou de cerca de seis meses em análise. O entrevistado acredita que os entraves burocráticos têm sido o principal motivo para os baixos índices de execução do MCMV no estado do Ceará.

Mesmo assim, avaliam a iniciativa do projeto de referência como positiva, no sentido da troca de conhecimento, acúmulo de experiências e maior diálogo entre todos os agentes envolvidos, sejam eles os profissionais projetistas, construtoras,

SINDUSCON ou órgãos públicos. Apesar de todo este cenário, os projetos de referência ainda são amplamente utilizados pelas construtoras, muito provavelmente por questões de custo e comodidade ou pela aproximação criada com os projetistas. Outro fator positivo gerado com a experiência dos empreendimentos concluídos no âmbito dos projetos de referência é a avaliação pós-ocupação. Em alguns casos, o histórico de obra, especialmente relativo aos problemas, possibilitaram discussões com os engenheiros da CEF, no sentido de permitir modificações e melhorias nos sistemas construtivos utilizados.