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Propondo Data e Lugar

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Capítulo 2 A Ascensão da Dinastia Omrida: Estudo Exegético de 1Rs

8. Propondo Data e Lugar

Obra Historiográfica Deuteronomista (OHD), isto devido à grande influência que os livros bíblicos do Pentateuco, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis sofreram do livro de Deuteronômio, nos aspectos linguísticos e teológicos. A OHD surgiu em meados do séc. VII AEC em Judá, após o desaparecimento do reino de Israel Norte, e uma obra estritamente centrada no Templo de Jerusalém (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003, p. 27-29; CAZELLES, 2008, p. 66).

Para Finkelstein (2003, p. 28), “a maior parte da história deuteronomista foi escrita no tempo do rei Josias, a fim de servir a sua ideologia religiosa e suas ambições territoriais, e que foi concluída e editada no exílio, poucos anos mais tarde”. A história de Israel está intimamente ligada à ideologia e teologia do Templo de Jerusalém, o núcleo da cultura social e religiosa de Judá. Com isso, o rei Josias, ordenou que fossem destruídos todos os templos tribais e fronteiriços de Judá, bem como destruir toda forma de religiosidade que não estivesse dentro do formato da religião do Templo, inclusive os ícones de divindades que havia dentro do Templo de Jerusalém em sua época (2Rs 23).

Na literatura de 1 e 2 Reis os reis do Israel Norte foram julgados de acordo com sua fidelidade ou infidelidade para com o santuário nacional de Jerusalém, isto pelo fato de tentarem construir uma história sincrônica dos dois reinos. Ora, o reino do Israel Norte foi desfeito em 722 AEC quando os assírios invadiram Samaria e as demais cidades do Norte. Samaria se tornou, então, uma província assíria, e os assírios trocaram a sua população pela população de outras localidades, dissolvendo desta forma, o reino de Israel Norte (CAZELLES, 2008, p. 66).

Nesta época da invasão assíria, muitos israelitas do Norte fugiram para o sul, para o reino de Judá, refugiados da guerra, incluindo vários levitas e sacerdotes. Estes refugiados chegaram em grupos que possuíam as mesmas origens culturais, e a memória trágica da guerra, de terem que fugir de suas terras, abandonando suas casas para irem para outra região, por vezes rivalizada.

Os refugiados chegaram com sua memória coletiva originária do Norte, com sua religiosidade e cultura própria. Os sacerdotes e levitas do Norte passaram a assumir funções secundárias no Templo de Jerusalém e o povo tendo que se submeter às novas formas culturais e religiosas. Com a

centralização do culto em Jerusalém e do estabelecimento gradual do monoteísmo41 javista, os refugiados do Israel Norte passaram a correr sério risco

de expropriação de sua memória individual e coletiva (HALBWACHS, 1991, p.3.). Isto se intensificou, quando da redação dos textos relatando a história dos dois reinos Israel Norte e Judá, ao sul.

Depois de cerca de cem anos do desmantelamento do reino do Norte, as novas gerações dos refugiados foram assimilando a nova cultura judaíta, embora com indícios de alguma resistência por parte de grupos minoritários. O reino do Israel Norte, nos textos deuteronomistas, foi sendo colocado cada vez mais como o reino vilão, e todos os seus reis como ruins, maus e detestáveis. Desta forma, tais textos culpam os reis nortistas pelo desmantelamento do reino de Israel Norte.

Marguerat (2009, p. 22,23) aborda um pouco desta construção dos textos dos livros dos Reis em sua obra Para Ler as Narrativas Bíblicas, quando aborda o tema do narrador onisciente e confiável. Ele diz que o narrador é reconhecido como onisciente e é considerado confiável pelo leitor. O narrador pode narrar as cenas mais íntimas de uma personagem, das quais não existem testemunhas, os sentimentos mais profundos e a intenções mais perversas e pecaminosas do coração.

Por outro lado, o leitor confia no narrador. Reconhece-o como

confiável. É sempre assim na narração bíblica: o leitor adere à

narrativa do narrador, ao seu sistema de valores. E, quando o narrador dos livros dos Reis faz a triagem entre os reis que agradam a Deus e aqueles cujas ações não agradam a Deus, o leitor aceita. (MARGUERAT; BOURQUIN, 2009, p. 22,23).

Posso citar como exemplo as avaliações de quatro reis do Israel Norte, os reis da dinastia omrida (1 Reis 16.25; 16.30; 22.53 e 2 Reis 3.2). A fórmula avaliativa se repete a todos os demais reis do Israel Norte, anteriores e posteriores, mas estes que formam a dinastia omrida foram os que receberam as piores avaliações.

Mas não é isso que a arqueologia atual tem nos mostrado. Com o avanço das pesquisas arqueológicas pode-se enxergar outra realidade do Israel Norte, o outro lado da história, o que não foi contado pelos narradores deuteronomistas.

41 Sobre “monoteísmo” veja REIMER, Haroldo. Inefável e sem Forma: Estudos sobre o

Os omridas foram grandes governantes e empreendedores. Os projetos de Omri foram mais ousados que os de Judá, no sul. O desenvolvimento do Israel do Norte aconteceu mesmo diante do expansionismo arameu, de Damasco, e do avanço assírio de Assurnasírpal II (883-859 AEC). Em suas relações internacionais, Israel Norte fez alianças com a Fenícia, tornando-se parceiros no rendoso comércio marítimo internacional a partir do Mediterrâneo (SIQUEIRA, 1997, p. 95,96).

Ao contrário do que é narrado na história bíblica, os omridas foram grandes monarcas. O reino de Israel Norte se expandiu ao norte até a região de Dan, ao oeste até o mar, e ao leste e sudeste dentro das terras de Moab, território transjordaniano. Estes dados são confirmados em fontes extra bíblicas, como a Estela de Dan e a Estela Moabita. Além disso, Omri e Acab realizaram obras monumentais, testificadas pela arqueologia tanto em Samaria quanto em Megiddo e Ḥazor. Até hoje a arquitetura do sítio de Samaria impressiona tanto arqueólogos quanto visitantes (ROCCA, 2008, p. 145-148.).

Os autores deuteronomistas dos livros dos Reis tiveram a intenção de esconder a história do Israel Norte, para favorecer os ideais culturais e religiosos de Judá. O fato de nas avaliações dos reis os reis do Norte serem todos ruins mostra que o texto foi uma construção ideológica baseada no Templo de Jerusalém. Como a história bíblica foi escrita e editada por autores de Judá, depois do fim do reino do Israel Norte, o sul foi favorecido.

Para Nelson (1981, p. 36-40), em sua obra The Double Redaction of the

Deuteronomistic History, o texto dos Reis dev ter sido editado a partir do período

de Josias, quando foram editadas as avaliações dos reis com a anulação total de Israel Norte. Mesmo assim, ele afirma que ainda pode ter havido outro editor exílico trabalhando no texto, principalmente na segunda metade do livro de 2 Reis. Segundo Nelson, existe muita semelhança nos relatos e duplicações de texto com pouca modificação entre eles.

A discussão acerca da redação deuteronomista e acerca da própria datação do movimento deuteronomista tem gerado muitos questionamentos e levantado muitas dúvidas, principalmente por parte dos minimalistas. Segundo Römer, é inevitável, ao se estudar a Bíblia, não se deparar com a hipótese da Obra Historiográfica Deuteronomista. Para ele, os livros de Deuteronômio e Reis constituem uma unidade redacional elaborada durante o exílio babilônico, que os

livros dos reis são uma intepretação teológica da história e não uma interpretação estritamente histórica (RÖMER; PURY; MACCI, 2000, p. 24-25).

Esta acirrada discussão a respeito da datação do livro dos Reis é de longa data, e atualmente, com os novos paradigmas arqueológicos surgindo e se estabelecendo, os exegetas e historiadores bíblicos estão reavaliando suas posições e outros já mergulharam na nova visão da história bíblica. Segundo Kaefer, autor das introduções aos livros históricos da Nova Bíblia Pastoral, os livros dos Reis e os de Samuel começaram a se formar entre as épocas de Ezequias e Josias, quando Judá se torna um Estado desenvolvido,

Como se pode perceber, as divergências de opiniões nunca trouxeram consenso entre exegetas e historiadores bíblicos acerca da datação dos livros dos Reis, mas esta nova visão e através da nova cronologia proposta por Finkelstein e seguida por Kaefer parece ser a mais plausível no momento, porque possui provas consistentes arqueológicas, históricas e bíblicas. A proposta apresentada pelos maximalistas, de que os textos dos Reis começaram a ser escritos já durante a época de Salomão (séc. X AEC) ou a apresentada pelos minimalistas, que negam totalmente a historicidade dos Reis e ainda os datam no final do período helênico, na época dos Hasmoneus, não são consistentes como parecem.

O texto dos Reis não pode ter sido escrito antes do séc. IX AEC, já que Judá não passava de um Estado pequeno, sem muitos recursos e sem muita expressão. Judá só se torna um Estado forte quando o Estado de Israel Norte deixa de existir (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003, p. 311-338). Também não poderia ter sido escrito no final do período helênico, durante o governo hasmoneu, porque com o achado das estelas de Dan e de Mesha, percebeu-se que a semelhança das narrativas e a quantidade de detalhes referentes à época da monarquia, não poderiam ter sido utilizados pelos reis Hasmoneus em seus projetos de legitimação e poder (SCHMIDT, 207, p. 5-6, 12-14).

Com relação à datação é possível que os textos dos Reis tenham sido editados no final da monarquia, entre o séc. VII e final do séc. VI AEC, ou em torno do início do séc. V AEC. A corte de Judá precisava de uma narrativa histórica para legitimar seu poder e a dinastia davídica, e para isto, editaram ideologicamente as antigas histórias e tradições de Israel Norte, favorecendo

Judá e desqualificando Israel Norte, deixando-o como vilão, pecador e digno de ter recebido os “juízos de Javé” com sua destruição em 722 AEC.

Considerações Finais

Por meio da análise exegética pode-se constatar que após uma sequência de golpes de estado, Omri, general de Israel Norte, sobe ao poder em Tirza. Havia nessa época conflitos contra os filisteus em Gibeton, nas proximidades da cidade de Gezer, na fronteira sul de Israel Norte. A entidade política de Israel Norte começou a se expandir e ocupar os vales férteis, e chegou até as proximidades de Gibeton. Isto é um sinal de que a monarquia estava num processo evolutivo que culminaria com a subida de Omri ao poder em 884 AEC, primeira metade do séc. IX AEC.

Os conflitos contra os filisteus eram na verdade conflitos com o poder egípcio, que estava enfraquecido em Canaan e perdendo territórios. Os filisteus estavam guerreando em nome do Egito, ou pelo menos sob sua autoridade. Omri sobe ao poder poucos dias depois de Zimri, general dos carros de guerra, assassinar Elá, rei de Israel Norte. O exército proclama Omri como rei, e ele sobe ao trono com o apoio do exército de Israel. A morte de Zimri e de Tibne são misteriosas, embora seja possível que ambos tenha sido mortos por Omri.

Omri reina por seis anos em Tirza e constrói Samaria (1Rs 16.23-28). Não é possível saber quanto tempo levou para construir Samaria, mas o texto diz que no sexto ano de seu reinado, Omri muda a capital norte-israelita para Samaria, reinado de lá por mais seis anos. A edificação de Samaria foi ponto central para a expansão e estabelecimento da monarquia norte-israelita. As inovações arquitetônicas, as construções monumentais, portões e muros de casamata passaram a fazer parte das construções da dinastia omrida. A narrativa não apresenta detalhes a respeito da construção de Samaria (1Rs 16.24), ao contrário, apresenta de forma resumida e insuficiente, num único versículo, mostrando total desprezo por parte do narrador.

Depois da morte de Omri, Acab sobe ao poder em Samaria. Sob seu reinado, Israel Norte é elevado ao nível de potência regional, dominando territórios e submetendo reinos vizinhos à vassalagem. Acab reina independente, não há nenhum poder sobre ele. Mas esta não é a realidade

apresentada na narrativa. Acab é avaliado como o pior de todos os reis de Israel Norte, e como se fosse pouco, o narrador diz que Acab fez ainda mais abominações que todos os reis que vieram antes dele. Sua avaliação, como vimos na análise exegética, é extremamente negativa pelo menos por quatro motivos: 1. Casou-se com Jezabel, princesa fenícia; 2. Serviu a Baal e o adorou; 3. Edificou um templo e um altar a Baal em Samaria; e, 4. Fez uma Aserá em Samaria (1Rs 16.29-33).

O acréscimo de oito versículos na LXX traz informações interessantes sobre o comércio de ouro em Eilat, Ezion-Geber. A narrativa diz que Josafá fez navios para Társis, para comercializar o ouro proveniente de Ofir, costa litorânea oeste da Arábia. Esta é uma informação importante para a compreensão de até onde chegou o domínio de Israel Norte sob o reinado de Acab. Josafá era vassalo de Acab, e este colocou uma princesa omrida na corte de Judá, em Jerusalém. Estas informações retiradas da exegese são muito úteis para a construção e o prosseguimento da pesquisa sobre a formação do primeiro Estado israelita.

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