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Proposta Curricular para o Ensino da Matemática no 1º Grau – 1988

CAPÍTULO II: ANÁLISE DOCUMENTAL

2.3 Proposta Curricular para o Ensino da Matemática no 1º Grau – 1988

O descontentamento com a situação do ensino de Matemática, pautado pela proposta de transmissão de conhecimento presente nos Guias Curriculares de 1975, leva a SE - Secretaria de Estado de Educação, a envolver docentes ligados às principais Universidades do Estado, a equipe técnica da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) e Professores da Rede Estadual de Ensino na elaboração de uma nova organização curricular, cuja versão preliminar é discutida com todos os professores na Semana do Planejamento, em fevereiro de 1986, e complementada nas discussões periódicas com professores e especialistas.

Assim, em dezembro de 1988, foi encaminhada aos professores e às equipes responsáveis pelas DE(s) do Estado de São Paulo, a versão definitiva da Proposta Curricular-1988. A CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, que debateu e ouviu sugestões de professores especialistas de todo o Estado de São Paulo, apresenta uma Proposta Curricular que parte do apelo de colaboração dos professores para a sua implantação e procura deixar claro que não busca a limitação do trabalho docente:

Trata-se, portanto, de uma proposta coletivamente construída, mas não acabada. Como todo documento orientador da prática docente só se concretiza, só se torna realidade, ao ser incorporada ao planejamento escolar, transformando-se no cotidiano das salas de aula. Não deve, portanto, ser encarada como instrumento cerceador da atuação do professor, mas sim como subsídio necessário à organicidade do trabalho pedagógico que ocorre nas múltiplas unidades escolares. (PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA, 1988, p.2)

Tais medidas visavam a melhoria da qualidade do ensino oferecido pelas escolas públicas no momento histórico de redemocratização do poder político no país e que tinham como preocupação, certas questões que já há muito tempo contribuíam para o não avanço desta disciplina:

• um ensino voltado à mecanização de algoritmos, à memorização de regras e esquemas de resolução de problemas baseados na imitação e repetição de modelos;

• a priorização dos temas algébricos e a redução ou, muitas vezes, eliminação de um trabalho envolvendo os tópicos de Geometria;

• a tentativa de exigir do aluno uma formalização precoce e um nível de abstração em desacordo com seu amadurecimento. (PROPOSTA CURRICULAR, 1988, p.7)

Como ação básica para o sucesso da implantação da Proposta Curricular de 1988, a SE – Secretaria da Educação, trouxe a implantação da Jornada Única no Ciclo Básico, a instalação das Oficinas Pedagógicas nas Diretorias de Ensino e a implantação dos CEFAM - Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério. Tais medidas demonstravam que a Secretaria da Educação, antes preocupada em democratizar o acesso ao ensino, agora começava a se preocupar com a qualidade do que seria ensinado.

Outra iniciativa consistente dessa proposta e que poderia ter sido explorada continuamente, foi o Projeto Ipê. Experiências vivenciadas pela equipe responsável por essa Proposta como o trabalho “Subsídios para a Implementação do Guia Curricular de Matemática” (1977), o acompanhamento do Projeto “Geometria Experimental” (1979) e a elaboração, os testes e Implementação do “Atividades Matemáticas” (1981), ofereceram as idéias norteadoras do trabalho a ser executado. Essas idéias foram sintetizadas em 4 programas de televisão, o Projeto Ipê, e seus respectivos fascículos, operacionalizadas, na medida do possível, nos 19 programas do projeto 1ºGrau.

A Proposta procura respeitar a integração dos temas a serem trabalhados, bem como seu desenvolvimento “em espiral”:

(...) dominar as idéias básicas, usá-las eficientemente, exige constante aprofundamento da compreensão que delas se tem, o que se pode conseguir aprendendo-se a utilizá-las em formas progressivamente mais complexas. (BRUNER apud PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA – 1º GRAU, 1988, p.8).

Quanto ao ensino da Geometria, a Proposta Curricular (1988), deixa claro que pode se estudar Geometria sob várias perspectivas, partindo da aprendizagem da lógica ou de um ensino organizado a partir dos elementos básicos como ponto, retas e planos, ou ainda, estudando as transformações, como as métricas ou as topológicas, entretanto, abordando sob o seguinte olhar:

(...) pode-se partir da manipulação dos objetos, do reconhecimento, das formas mais freqüentes, de sua caracterização através das propriedades, da passagem dos relacionamentos entre objetos para o encadeamento de propriedades, para somente ao final do percurso aproximar-se de uma sistematização (PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA 1º GRAU, 1988, p.11)

É interessante destacar que a Proposta, consciente do papel da Matemática como respaldo aos processos de leitura e de escrita, valoriza a dimensão da linguagem no ensino da matemática, considerando que aprender a língua natural é mais do que aprender a descrever o mundo, “...é também criar significados, construir esquemas conceituais, desenvolver o raciocínio lógico, a capacidade de compreender, imaginar, na habilidade de argumentar, desenvolver o senso crítico” (PROPOSTA CURRICULAR, 1989, p. 13 ).

Para o ensino de Geometria, a linguagem matemática é a capacidade de articulação entre o pensamento e sua expressão lingüística, entre a percepção, a construção e a sua representação, assim, considerada como forma privilegiada de comunicação: “A Geometria é um natural e possivelmente insubstituível intermediário entre a linguagem ordinária e o formalismo matemático.” (THOM apud MACHADO, 2001, p. 22).

Segundo o modelo teórico que fundamenta essa pesquisa, o modelo Van Hiele (1984), a linguagem matemática, especificamente aplicada ao ensino da Geometria deve ser, uma característica deste ensino observada de maneira significativa para os professores de Matemática, pois ela pode orientar nas tomadas de decisões quanto ao seu ensino.

Assim como outras generalidades que caracterizam o modelo Van Hiele (1984, p.246 apud LINDQUIST 1994, p.5) este se refere à Linguagem na Geometria sob tal visão: “Cada nível tem seus próprios símbolos lingüísticos e seus próprios sistemas e relações que ligam estes símbolos”.

e Medidas, que durante as oito séries, deveriam ser tratados de modo simultâneo, ou paralelamente, pois a perspectiva era que a classe docente ensinasse os conteúdos matemáticos de forma globalizada, sem que nenhum conteúdo fosse mais contemplado que o outro, como era observado – uma das preocupações que esta Proposta Curricular tentou modificar – a abordagem da Geometria sempre ficava postergada, evidenciando que os professores de Matemática deveriam trabalhar o conteúdo geométrico, caracterizando as formas geométricas através de suas propriedades e classificando-as de acordo com as mesmas.

Ao analisarmos esta Proposta Curricular, observamos que a intenção da equipe técnica que a elaborou, não negligenciou a necessidade de capacitação dos docentes para trabalhar com os conceitos geométricos. Assim, tiveram o cuidado e a visão necessária com as orientações pedagógicas, para que estes conceitos fossem apropriados de maneira satisfatória pelos docentes e aplicada no cotidiano das salas de aulas.

A distribuição dos conteúdos geométricos, no quadro referente ao Ciclo Básico (1ª e 2ª séries ), 3ª e 4ª séries, traz os seguintes conteúdos:

Para as 1ª e 2ª séries:

* Percepção e distinção de forma;

* Identificação de semelhanças e diferenças entre os objetos, * Classificação segundo às formas;

* Representação de objetos – Construção de modelos;

* Classificação de figuras segundo o critério: planas e não planas; * Classificação das Figuras não planas e, poliedros e corpos redondos; * Reconhecimento de faces, arestas e vértices de um poliedro;

* Simetria em figuras planas e não planas. Para a 3ª série:

*Planificação de sólidos geométricos; *Curvas e segmentos de curvas;

*Noções de polígonos e classificação de polígonos segundo critérios variados:número de lados,eixo de simetria e medidas de lados; *Ângulo reto: Noção de paralelismo e perpendicularismo;

*Classificação dos triângulos, quanto ao perpendicularismo entre os lados e quanto a medida de seus lados;

*Classificação dos quadriláteros segundo: paralelismo de seus lados, perpendicularismo entre seus lados e medidas de lados;

* Identificação de prismas e pirâmides, numa coleção de poliedros; Para a 4ª série:

*Superfície: Conceito de superfície, superfície de figuras planas variadas; *Composição e decomposição de figuras. (PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA, 1988, pp.19,20 e 21)

caráter construtivista, ora princípios da teoria-histórico crítica, procuravam dar ao professor de matemática, sugestões de como poderiam ensinar aos seus alunos os conhecimentos geométricos, com exemplos de atividades, como as que se encontram nas páginas 34 e 35 da Proposta Curricular (1988), inclusive mostrando aos professores, como construírem seus materiais de apoio, uma estratégia para que estes trabalhassem de forma diferenciada os elementos geométricos de um poliedro: Arestas, Faces e Vértices.

É importante ressaltar que, a Proposta foi construída supondo um professor – leitor, curioso, estudioso e intelectual, com conhecimento pedagógico em sua área de conhecimento, assim como, a estrutura dos fascículos, foram apresentadas numa linguagem clara, favorecendo a apropriação do saber sistematizado.

Ao analisarmos os conteúdos geométricos sugeridos para os oito anos do Ensino Fundamental, observamos surpreendentemente que alguns conceitos como o reconhecimento de faces, arestas e vértices nos sólidos e simetria que deveriam ser trabalhados no Ciclo Básico (1ª e 2ª séries) pela Proposta Curricular (1988, p. 19) só aparecem na atual Proposta Curricular (2008, p.53), elaborada após vinte anos, para serem ensinados na 6ª série do Ensino Fundamental.

As Propostas Curriculares de 1988 e de 2008, encaminhadas aos professores de Matemática, num intervalo de duas décadas, foram elaboradas pela Equipe da CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas e alguns membros da equipe – matemáticos, estiveram presentes na elaboração das duas versões. Este fato, nos leva a inevitáveis questionamentos:

- Se os educadores matemáticos acreditavam que os alunos do Ciclo Básico – na década de 80 - poderiam aprender os elementos de um sólido, aprender a classificar as figuras ainda na 1ª e 2ª séries e avançar na compreensão destes conteúdos geométricos, porque resolveram colocar estes mesmos conteúdos para os alunos da atual escola púbica, somente na 6ª série do Ensino Fundamental, para o aluno, uma diferença de quatro anos escolares?

- Será que na elaboração da Proposta Curricular (1988), o foco da aprendizagem não levou em conta a maturidade intelectual e cognitiva das crianças, oferecendo-lhes conteúdos geométricos num nível muito além do que poderiam aprender?

- Suas concepções sobre a relação idade/aprendizagem/maturidade mudaram tanto em vinte anos?

- Ou será que se apoiaram nas palavras de Bruner (1975) e acreditaram que a classe docente reconheceria os pensamentos desse autor?

Partimos da hipótese de que qualquer assunto pode ser ensinado com eficiência, de alguma forma intelectualmente honesta, a qualquer criança, em qualquer estágio de desenvolvimento..., em cada estágio de desenvolvimento, ela possui um modo característico de visualizar o mundo e explicá-lo a si mesmo. A tarefa de ensinar determinada matéria a uma criança, em qualquer idade, é a de representar a estrutura da referida matéria em termos de visualização e compreensão que a criança tem das coisas (BRUNER, 1975, p.31-32)

Evidenciam-se, no entanto, a preocupação com o desenvolvimento cognitivo, a busca de articulação entre os conteúdos, a abordagem dos conceitos geométricos a partir da exploração sensorial do mundo físico e a preocupação com a construção de idéias geométricas sem resvalar para o desenvolvimento excessivamente precoce do formalismo. Nesses questionamentos, talvez sejam possíveis algumas respostas para acalmar nossos anseios de pesquisadores, mas como reverter, depois de quase vinte anos, na prática e na atuação docente atual, esse quadro grave que insiste em se perpetuar?

É bom registrar, no entanto, que a descontinuidade da política educacional paulista, deve ser apontada como a principal causa desse estado de coisas. Simplesmente interrompeu-se a rede de formação continuada existente na Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) e na Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), com apoio fundamental nas equipes técnicas das delegacias de ensino, e nada foi colocado no lugar, a não ser a ânsia pelo desenvolvimento dos projetos de informática e os sofisticados projetos de inovação tecnológica, cujos resultados mais visíveis, são os constantes nos péssimos indicadores de avaliação.

Mas é fácil levantar nos quadros docentes das universidades, muitas delas particulares, bom número de excelentes professores, que foram preparados no processo formativo plural que existia na rede estadual paulista até 1.994.

A partir de 1.995 praticamente não houve investimento sério em formação continuada de professores e em discussão curricular no estado de São Paulo. A Proposta Curricular que deveria ser amplamente debatida, implementada na prática e reformulada nesse longo período, caiu no esquecimento. Resulta que documentos importantes como os do projeto Classes de Aceleração, as Atividades Matemáticas e

as Experiências Matemáticas, que envolveram anos de pesquisa séria, são desconhecidos de grande parte dos educadores da rede.

No estado de São Paulo, a política educacional se mostrou mais descontínua, quando ficou quatorze anos seguidos sob o controle do mesmo grupo político.

Afinal, nessa análise, constatamos que de qualquer forma, o Ensino da Geometria foi pensado de maneira séria – enquanto oferecido nas Orientações Curriculares e Pedagógicas dessa Proposta (1988), mas infelizmente, a história nos mostrou que as Oficinas Pedagógicas, só conseguiram garantir o ensino dos conteúdos geométricos até os Coordenadores das Escolas, porque no interior das salas de aula, os docentes não interpretaram de forma satisfatória os objetivos da Proposta que lhes foi encaminhada. Mas, é de se destacar, também, a queixa dos professores quanto à falta de orientação técnico-pedagógica.

Essa reivindicação da classe docente, com razão, estende-se aos dias atuais.