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PROPOSTA PARA O CENÁRIO 2: REVISÃO PONTUAL DA LEI DE TERRAS

2. CONTEÚDO DO DOSSIER

2.2. PLANO DE EXPLORAÇÃO E REVOGAÇÃO DE DUAT

2.3.3. PROPOSTA PARA O CENÁRIO 2: REVISÃO PONTUAL DA LEI DE TERRAS

Revisão pontual da Lei de Terras no contexto do actual

quadro constitucional e com o fim de viabilizar a

transmissibilidade do DUAT

FUNDAMENTAÇÃO

A reforma da legislação de terras em Moçambique foi iniciada em 1979 com a aprovação da primeira Lei de Terras e no contexto da primeira constituição do novo país e depois continuada em 1997 com a aprovação da Lei nº. 19/97, de 1 de Outubro e já no contexto da Constituição de 1990. O processo que conduziu à aprovação da nova Lei de Terras foi antecedido da aprovação pelo Governo de uma

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Política Nacional de Terras (PNT) através da Resolução nº. 10/95, de 17 de Outubro e foi dominado por um amplo debate nacional.

Entre os consensos ora alcançados e reflectidos na PNT estava o reconhecimento de que a nova Lei de Terras deveria eliminar as contradições verificadas entre a legislação de terras na altura em vigor e a nova situação sócio-política e económica do país e perante a nova Constituição [ponto 56, parágrafo (i) da PNT]:

Uma dessas contradições tinha a ver com a emergência de práticas de transmissão do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra - DUAT e outras transacções similares, mas que não encontravam acolhimento na lei. Por isso, uma das propostas que tinham sido avançadas para alinhar a lei de terras com a realidade social era a provisão de um sistema de transferência dos direitos de uso e aproveitamento da terra. O sistema então proposto, deveria diferenciar duas situações [ponto 56, parágrafo (i) da PNT]:

− Nas áreas onde predominam o uso urbano e o sector empresarial rural, seriam previstos mecanismos que permitissem a transferência onerosa de títulos de uso e aproveitamento da terra entre seus titulares, tanto entre nacionais como de estrangeiros para nacionais, sempre que investimentos tivessem sido feitos no terreno, prevendo-se os tamanhos mínimos dos terrenos (de acordo com as suas finalidades) e introduzindo-se mecanismos que impedissem a especulação ou acumulação de terras, sem prejuízo da necessidade de se incentivar o camponês familiar e o pequeno produtor (ponto 60, da PNT); − Nas áreas onde predomina o sector familiar, prevaleceria o direito

consuetudinário na transmissão dos direitos de uso e aproveitamento da terra. O acesso de investidores a estas áreas deveria ser negociado e acordado com a comunidade, processo esse que deveria ser apoiado pelos órgãos do Estado, a todos os níveis (ponto 61, da PNT).

No entanto, e considerando a necessidade de um processo gradual de reformas, a nova Lei de Terras preferiu não avançar muito nessa questão, considerando a sensibilidade e complexidade da mesma.

Com efeito, a questão da transmissão da terra através dos direitos que sobre ela incidem é uma das mais sensíveis no contexto de qualquer lei de terras em particular para um país como o nosso que carrega um passado colonial que deixou suas marcas de injustiça e exclusão económica e social e que o novo Estado deve imediatamente procurar resolver.

Aquando da regulamentação da lei em 1998 (Decreto nº. 66/98, de 8 de Dezembro), o Governo viu-se com poucas possibilidades para avançar na questão da transmissibilidade dos direitos, perante o silêncio da lei de referência. Por isso, não foi mais além da menção da figura de “cessão de exploração”, sem no entanto dar-lhe algum conteúdo e utilidade prática. De igual modo, tentativas mais recen tes no sentido de se desenvolver o referido mecanismo de “cessão de exploração” têm sido de difícil consenso tanto entre a classe dos juristas como entre os principais utilizadores da terra (cidadãos e empresariado) e grupos da sociedade civil.

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No entanto, deve-se reconhecer que a dinâmica social e económica do país mostra que o fenómeno da transmissão dos direitos sobre a terra é imparável e não há nenhuma lei que o possa conter e isto pela própria natureza das coisas: o uso e aproveitamento de um “bem” como a terra historicamente e em qualquer parte do mundo implica alguma forma de passagem do respectivo direito de uma mão para outra, mesmo que isso tenha de acontecer à margem da lei e da economia nacional e, neste caso, em benefício de uns poucos e em detrimento da maioria dos cidadãos. A proposta que se avança tem em conta a experiência acumulada em quase 20 anos de implementação da presente Lei de Terras e considerando a necessidade de trazer a terra no centro do desenvolvimento económico e do combate à pobreza, fazendo com que as actuais formas de transacção de direitos sobre a terra possam decorrer à luz da lei e em benefício do Estado, através de receitas tributárias, e dos cidadãos moçambicanos, em primeiro lugar. A mesma, procura igualmente aproximar o nosso país às práticas observadas em outros países com um regime de propriedade pública ou estatal sobre a terra como o nosso, como são os casos da República Unida da Tanzânia, República do Zimbabwe e República Popular da China.

A revisão proposta incide basicamente sobre o actual artigo 16 (transmissão) da lei em apreço, com o objectivo de permitir que:

− os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra possam ceder a terceiros esse direito, a título oneroso e definitivo, mediante prévia autorização da entidade competente e observados certos requisitos;

− os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra possam ceder, a título oneroso e temporário, o direito de exploração da terra que ocupam, parcial ou totalmente, mediante prévia autorização da entidade competente e observados certos requisitos;

− os titulares do direito de uso e aproveitamento da terra em regime de autorização definitiva, possam constituir hipotecas sobre a terra que ocupam, o direito de uso e aceder, a título oneroso e temporário, o direito de exploração da terra que ocupam, mediante prévia autorização da entidade competente e observados certos requisitos.

Nota-se que a harmonização do regime jurídico proposto com a Constituição da República, concretamente com o desiderato constitucional segundo o qual a “terra é propriedade do Estado e não deve ser vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada” (Artigo da CRM) se consegue com a introdução da figura da “aprovação pela entidade competente” para que qualquer transmissão de direitos sobre a terra tenha validade.

Desse modo, se evita que a terra e os direitos que sobre ela incidem entrem no mercado ou no comércio livre. Haverá, pois, um mercado controlado de DUATs como primeiro passo de uma possível liberalização no futuro.

Por outro, requisitos adicionais procurarão conter o risco para a especulação e acumulação da terra, os quais incluirão: prova de investimento feito, limites na duração de contratos transmissivos de DUATs, área mínima em caso de transmissão parcial do DUAT, limites no número de títulos que um sujeito pode transmitir numa

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zona (Cidade ou Distrito) e, possibilidade do Estado exercer o direito de preferência quando o requerente seja um sujeito estrangeiro.

Os procedimentos sobre como se irá processar a autorização para a transmissão do DUAT serão objecto de uma regulamentação pelo Governo, a qual deverá ter em conta as especificidades próprias das zonas urbanas sob jurisdição dos municípios e das zonas rurais, assim como dos vários usos sociais: urbanização, agro-pecuários, exploração florestal, reflorestamento, exploração de recursos minerais, exploração do petróleo e gás, turismo, etc.

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ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA Lei nº. _____/20...

de ___ de ____

Tornando-se necessário continuar com o ajustamento da legislação de terras à realidade socio-económica do país de modo a trazer este recurso de valor inestimável para o centro do desenvolvimento económico em benefício dos moçambicanos, em primeiro lugar, e considerando a experiência acumulada em quase 20 anos de implementação da actual legislação de terras, ao abrigo do disposto no nº. 1 do artigo 179 da Constituição, a Assembleia da República determina:

Artigo 1: É alterado o artigo 16 da Lei 19/97, de 1 de Outubro, que passa a ter a seguinte

redacção:

Artigo 16 (Transmissão) 19. …….

20. O titular do direito de uso e aproveitamento da terra adquirido ao abrigo de uma autorização pode, mediante prévia autorização da entidade competente e observados os requisitos legais, por acto entre-vivos vivos:

a) Transmitir o seu direito, a título definitivo e oneroso ou não;

b) Sendo pessoa singular nacional, ceder a título temporário e oneroso, a exploração da terra que ocupa;

c) Constituir hipoteca sobre a terra que ocupa. 21. …..

22. Com a transmissão de um imóvel, construção ou qualquer infra-estrutura económica transmite-se o direito de uso e aproveitamento do respectivo terreno, desde que: d) A transmissão seja precedida dos correspondentes registos cadastral, matricial e

predial, sucessivamente;

e) O seu titular tenha sido devidamente autorizado a edificar esse imóvel ou infra- estrutura no terreno ou tenha legalmente adquirido o respectivo direito de propriedade;

f) A propriedade do imóvel ou infra-estrutura económica tenha sido registada em seu nome.

e) o decurso de um prazo mínimo de aproveitamento efectivo do terreno.

23. Sendo o transmitente uma pessoa singular ou colectiva estrangeira, a autorização para transmissão apenas será dada se a transmissão for a favor das comunidades locais ou a famílias locais, sendo a transmissão sempre não onerosa e podendo-se dispensar outras formalidades legais previstas na presente lei.

24. O previsto nos números 2 e 4 do presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, às transmissões de direitos sobre terrenos em regime de ocupação de boa-fé entre pessoas singulares nacionais, devendo a autorização da transação pela entidade competente ser precedida do processo de reconhecimento do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra e do seu registo nos termos da lei.

25. Sem prejuízo do previsto nos números anteriores a transmissão apenas procede legalmente se forem cumpridos os seguintes requisitos, cumulativamente:

a) A transmissão recai sobre terrenos onde tenham sido feitos investimentos significativos no terreno;

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b) O Direito de Uso e Aproveitamento da Terra esteja em regime de autorização definitiva, podendo esta circunstância ser suprida por autorização prévia da entidade competente com o fim de viabilizar a transação e considerando a importância económica do investimento que directa ou indirectamente tenha sido feito sobre ou em relação ao terreno em causa;

c) As garantias dadas pelo transmissário da sua capacidade de manter o Plano de Exploração ou a natureza do empreendimento inicial para o qual o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra tenha sido autorizado ou reconhecido, sem prejuízo da possibilidade de actualização desse plano ou natureza do empreendimento no acto do registo e averbamento da transmissão.

d) Outros requisitos que venham a ser acrescentados e actualizados pelo Governo com o fim de controlar a acumulação e especulação de terras, incluindo os que incidam sobre o decurso de um prazo mínimo de aproveitamento efectivo do terreno.

26. As transmissões de direitos sobre a terra adquiridos por ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais segundo as normas e práticas costumeiras serão regidas ao brigo dessas mesmas normas e apenas são permitidas quando feitas entre membros da mesma comunidade ou membros de comunidades vizinhas. 27. Fora do previsto no número anterior, as comunidades locais apenas poderão,

mediante autorização prévia pela entidade competente, transmitir Direitos de Uso e Aproveitamento da Terra por via do mecanismo previsto na alínea b) do número 2 do presente artigo e com a observância dos seguintes requisitos:

c) O terreno sobre o qual incide a transação tenha sido previamente identificado e o respectivo Direito de Uso e Aproveitamento da Terra reconhecido pela entidade competente, bem como registado nos termos da lei;

d) A transação seja parte de um acordo de parceria económica entre a comunidade e o investidor no contexto da partilha de benefícios da exploração da terra e dos recursos naturais locais.

28. A autorização referida nos números anteriores caduca no prazo de 6 (seis) meses a contar da data de tomada de conhecimento pelo requerente do respectivo despacho. 29. Sempre que a transmissão seja a título oneroso deve ser indicado o seu valor para

efeitos fiscais e outros fins de registo.

30. Nos termos a determinar por diploma especial do Governo e sem prejuízo do disposto no número anterior a transação será cobrada taxa mesmo quando não tenha sido declarada como onerosa pelos seus intervenientes ou seu valor não tenha sido adequadamente declarado.

31. O Estado goza do direito de preferência na transferência definitiva de um Direito de Uso e Aproveitamento da Terra feita por um titular estrangeiro, em especial quando esteja em causa um interesse nacional, nomeadamente a necessidade de alocação de terras a favor das comunidades ou de requerentes nacionais.

32. Sem prejuízo da inalterabilidade da sua posição e obrigações perante o Estado e o transmitente, o transmissário poderá transferir o seu direito a terceiras pessoas mas sempre a título temporário e com prazos não alongados, desde que não haja oposição do transmitente.

33. Salvo para o previsto no número 8 do presente artigo, todas as transmissões serão feitas por meio de contratos assinados pelas duas partes e bastando para o efeito o reconhecimento presencial das assinaturas junto do Notário, não devendo este reconhecer as assinaturas se os termos do contrato apresentado não coincidirem com os termos de autorização constantes na certidão passada pelo serviço cadastral competente.

34. Os contratos de transmissão dos direitos referidos nos números anteriores são transmissíveis por herança, sem distinção de sexo.

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35. As transmissões do direito de uso e aproveitamento da terra e outras transações similares realizadas fora dos termos previstos no presente artigo são consideradas nulas e de nenhum efeito e dão lugar à revogação do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 18 da presente lei.

36. Os tribunais não podem proferir sentenças de que resulte a transmissão de Direitos de Uso e Aproveitamento da Terra ou outro tipo de transação prevista no presente artigo, se não ficar provado que a transmissão em causa terá sido autorizada pela entidade competente e que cumpriu os demais requisitos previstos na lei.

37. Compete ao Governo regulamentar os procedimentos a serem observados pelos requerentes e pelas entidades competentes para a submissão e aprovação dos pedidos de transmissão previstos no presente artigo, incluindo sobre:

j) Os limites dos prazos de duração dos contratos transmissivos de DUATs, k) A área mínima em caso de transmissão parcial do DUAT;

l) Os limites no número de títulos que um sujeito pode transmitir dentro de uma Cidade ou Distrito;

m) Direitos e obrigações do beneficiário do transmissário;

n) Os requisitos para possível fraccionamento ou emparcelamento de terrenos; o) Mecanismos de tributação das transmissões autorizadas;

p) As taxas de autorização de pedidos de transmissão;

q) As cláusulas contratuais obrigatórias dos contratos de transmissão;

r) As condições para a autorização da cedência de direitos dos cessionários a terceiros.

38. A autoridade competente referida nos números anteriores são as que decorrem do regime de competências da presente lei.

39. Se os despachos de pedidos de autorização feitos ao abrigo do presente artigo não forem comunicados ao requerente no prazo de 6 (seis) meses, o pedido será dado como indeferido, para todos os efeitos legais, em especial para efeitos de recurso contencioso nos termos da lei.

40. A regulamentação referida no número anterior deverá ter em conta as especificidades próprias das zonas urbanas sob jurisdição dos municípios e das zonas rurais, assim como dos vários usos sociais: urbanização, agro-pecuário, exploração florestal, reflorestamento, exploração de recursos minerais, exploração do petróleo e gás, turismo, etc.

Aprovada pela Assembleia da República, aos _______ de _____ 2016.

O Presidente da Assembleia da República, ...

Promulgada, a ___ de ____ de 20....

Publique-se

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2.3.4. PROPOSTA PARA O CENÁRIO 3: REVISÃO PONTUAL DO