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Mesmo com as modificações trazidas pela legislação no decorrer dos anos, as quais visavam a objetivar a aplicação da lei, impedindo que pessoas conduzissem veículos automotores sob a influência de álcool, algumas controvérsias e divergentes opiniões ainda persistem principalmente no que tange à verificação categórica da situação delituosa.

Conforme parágrafo 1º inciso I do artigo 306 do CTB, Incluído pela Lei nº 12.760, de 2012 “§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por: I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar”.

Para alguns, inclusive Lima M. (2015b, p. 137), há uma relação de complementação e dependência entre o caput do artigo 306 e seu parágrafo primeiro, se o legislador deixasse somente o caput, o crime seria de perigo abstrato e facilmente provado por qualquer meio. Mas no momento em que se determina um patamar de álcool certo como limite, a tipicidade só será detectada se for feito o exame pericial específico.

É que outro exame, perícia, vídeo, prova outra qualquer, muito menos a testemunhal, comprovará aquele limite estabelecido por lei. Afirma a incoerência legislativa, no sentido de desconhecimento do princípio da não auto incriminação, já que o agente não é obrigado a fazer o exame invasivo, seja de sangue ou bafômetro e, se não o fizer, ante o § 1º, não se caracterizará o crime.

Por outro lado, entende Marcão (2017a, p. 167-168) que esta forma de pensar prevaleceu enquanto vigente as alterações tragas pela Lei nº 11.705/2008:

[...] apenas poderia ser chamada a prestar contas à Justiça Criminal em razão de “embriaguez ao volante”, nos moldes do art. 306, caput, primeira parte, do CTB, a pessoa que assim desejasse ou aquela que fosse enleada ou mal informada a respeito de seus direitos e, por isso, optasse por se submeter ou consentir em ser submetida a exames de alcoolemia ou teste do “bafômetro” tratados no art. 277 do mesmo Codex, e, em decorrência disso, ficasse provada a presença da dosagem não permitida de álcool por litro de sangue, sabido que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, (...).

Marcão (2017a, p. 167-168), assevera que:

Essa irresponsabilidade patrocinada pelo Poder Legislativo (mais uma) perdurou por mais de 4 (quatro) anos, período em que vivemos verdadeiro “estado de impunidade” em relação ao crime ora tratado, e as estatísticas relacionadas a acidentes de trânsito só fizeram aumentar drasticamente.

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. (BRASIL, 2014)

§ 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. (BRASIL, 2012)

Sobre o uso do bafômetro, corrobora Nucci (2017c, p. 716) não ser exigível, pois ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Entretanto, o Estado não perde o poder de polícia por conta disso. Se um motorista for flagrado colocando em risco a segurança no trânsito, sob a suspeita de estar dirigindo influenciado pelo álcool, pode ser impedido de prosseguir. A atual redação do art. 306, particularmente no tocante ao descrito nos § 1º e § 2º, permite demonstrar a prática do crime por variados meios. O motorista pode ser compelido a sair do veículo, fazer testes de equilíbrio emocional e motor, respondendo a perguntas, pois cabe ao poder de polícia a verificação quanto ao estado de embriaguez.

E sobre os sinais de alteração da capacidade psicomotora, assevera existir vários indícios de alteração da capacidade mental para controlar os movimentos corporais, tais como modificação na fala, incapacidade de se equilibrar, tremor nas mãos, linguagem desconexa etc.

Esclarece o autor Marcão (2017a, p. 168) que a Lei n. 12.760, de 20 de dezembro de 2012, é auto aplicável e não depende de qualquer regulamentação do CONTRAN, a situação normativa mudou, e, agora, embora seja possível, não se faz imprescindível prova técnica. Diz o inciso II § 1º do art. 306 que as condutas previstas no caput serão constatadas por sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo CONTRAN, alteração da capacidade psicomotora.

Contrapõe Lima M. (2015b, p. 137) que, piorando a situação tutelada, o legislador estipula que os “sinais” poderão caracterizar o crime e que o CONTRAN irá disciplinar como aferir os sinais. “Pasmem: como se aferir uma dosagem preestabelecida em número por sinais? Como disciplinar isso em Resolução?”

Para Nucci (2017c, p. 717), em relação à resolução 432 de 2013, não há necessidade de se disciplinar pelo Contran, pois o disposto pelo § 1º diz respeito a processo penal, vale dizer, como comprovar o previsto no caput. Entende-se que os dois incisos pretendem evidenciar o desnecessário em matéria penal, tendo em vista que o tipo básico é mais que suficiente para compreensão do delito. Ademais, não cabe a nenhum órgão de trânsito estipular, por meio de ato administrativo, como se comprova um crime.

A despeito disso, e em caráter de complementação normativa e objeto do debate, a referida resolução nº 432, de 23 de janeiro de 2013 do CONTRAN, quanto à verificação do crime estabelece:

Art. 7º O crime previsto no art. 306 do CTB será caracterizado por qualquer um dos procedimentos abaixo:

I – exame de sangue que apresente resultado igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue (6 dg/L);

II - teste de etilômetro com medição realizada igual ou superior a 0,34 miligrama de álcool por litro de ar alveolar expirado (0,34 mg/L), descontado o erro máximo admissível nos termos da “Tabela de Valores Referenciais para Etilômetro” constante no Anexo I;

III – exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de consumo de outras substâncias psicoativas que determinem dependência;

IV – sinais de alteração da capacidade psicomotora obtido na forma do art. 5º. § 1º A ocorrência do crime de que trata o caput não elide a aplicação do disposto no art. 165 do CTB.

§ 2º Configurado o crime de que trata este artigo, o condutor e testemunhas, se houver, serão encaminhados à Polícia Judiciária, devendo ser acompanhados dos elementos probatórios. (SANTA CATARINA, 2013)

Complementa que:

Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão ser verificados por:

I – exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou

II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.

§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que com provem a situação do condutor.

§ 2º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o inciso II deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar o auto de infração. (SANTA CATARINA, 2013)

Os sinais, segundo o anexo II da resolução, a serem observados pelo agente fiscalizador seriam:

a. Quanto à aparência, se o condutor apresenta: i. Sonolência;

ii. Olhos vermelhos; iii. Vômito;

iv. Soluços;

v. Desordem nas vestes; vi. Odor de álcool no hálito.

b. Quanto à atitude, se o condutor apresenta: i. Agressividade; ii. Arrogância; iii. Exaltação; iv. Ironia; v. Falante; vi. Dispersão.

c. Quanto à orientação, se o condutor: i. sabe onde está;

ii. sabe a data e a hora.

d. Quanto à memória, se o condutor: i. sabe seu endereço;

ii. lembra dos atos cometidos;

e. Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta: i. Dificuldade no equilíbrio;

ii. Fala alterada; (SANTA CATARINA, 2013)

Alerta Gomes, L. (2013, n.p) para as especificidades de cada ser humano diante do caso concreto, o juiz, no entanto, tem que considerar cada pessoa concreta seu sexo, altura, peso etc. e cada fato concreto (condução normal ou anormal).

1. Que a concentração de álcool até 0,2 gramas por litro de sangue (um bombom

com licor, por exemplo) é absolutamente insignificante (tolerada) – Resolução 133/2012 -, não tendo nenhuma relevância nem sequer para fins administrativos. 2. De qualquer maneira, de 0,1 a 0,3 o álcool produz leve euforia e relaxamento, com visão e movimentos já alterados (O Globo de 14.08.11, p. 40). 3. Que existe a “falsa” alcoolização, quando o condutor apresenta vários sinais típicos de embriaguez (olhos vermelhos, voz pastosa etc.), mas em razão de uma noite mal dormida (não tendo ingerido nenhuma gota de álcool ou outra substância psicoativa). 4. Que o condutor, neste caso de “falsa” alcoolização, caso cometa alguma irregularidade relevante no trânsito, pode responder pelo que fez como incurso no art. 34 da Lei das Contravenções Penais (jamais no art. 306 do CTB). 5. Que o condutor, com 0,5g de álcool por litro de sangue apresenta ausência de manifestações de embriaguez, salvo em pessoas hipersensíveis ao álcool (autores que sustentam essa tese: Du Pan, Lambercier, Naville, Herman, Achard) – (veja Silva Silva: 2009, p. 82). 6. De qualquer modo, de 0,4 a 0,6 o álcool produz taquicardia e respiração ofegante, assim como diminuição das funções cerebrais (O Globo de 14.08.11, p. 40). 7. Que o condutor hipersensível ao álcool, mesmo com menos de 0,6 g/l, pode cometer o crime do art. 306, quando pratica uma conduta de perigosidade real (em razão do álcool). 8. Sem essa perigosidade real na conduta, pode o condutor responder pela infração administrativa do art. 165 do CTB. 9. Que o condutor, com menos de 0,5g/l não está embriagado (está alcoolizado, não embriagado) (Truffert). Normalmente, nessa situação, irá praticar a infração administrativa do art. 165. Mas se fazer uma condução anormal (zigue-zague, por exemplo), irá incorrer do art. 306 (crime). 10. Que o condutor, com menos de 0,6 g/l, não apresenta sinais evidentes de intoxicação, mas já apresenta falhas psicofísicas no comportamento (Simonín). 11. Que o condutor, com 0,5 a 1g/l, apresenta comportamento aparentemente normal, mas as respostas aos testes revelam sinais clínicos de embriaguez (Du Pan, Lambercier, Naville, Herman, Achard). 12. Com 0,6 a 1 grama, o álcool já gera ansiedade e depressão, problemas de coordenação muscular e baixa capacidade de tomar decisões (O Globo de 14.08.11, p. 40). 13. Que este condutor, nessas circunstâncias, pode praticar infração administrativa (art. 165) ou crime (art. 306), tudo dependendo de como conduzia o veículo (de forma normal ou anormal). 14. Que o fundamental agora (para os efeitos do art. 306) não é a quantificação da impregnação alcoólica, sim, a alteração da capacidade psicomotora assim como a influência efetiva do álcool na forma de conduzir. 15. Que o efeito do álcool em cada pessoa é muito variável, tudo dependendo do peso, do sexo, da altura etc. 16. Que de 1 a 1,5 gramas, o álcool produz reações ainda mais lentas e fala arrastada (O Globo de 14.08.11, p. 40). 17. Que o condutor, com 0,5 a 2g/l, já apresenta transtornos de conduta (Truffert). 18. Que 66% dos condutores, com 1 a 1,25 g/l, revelam sinais manifestos de intoxicação (Simonín). 19. Que 80% a 90% dos condutores, com 1 a 1,5g/l, apresentam sinais clínicos perceptíveis de embriaguez (Du Pan, Lambercier, Naville, Herman, Achard). 20. Que 95% dos condutores, com 1,5 a 2g/l, apresentam sinais perceptíveis de embriaguez (Du Pan, Lambercier, Naville, Herman, Achard). 21. Que o condutor com mais de 2 g/l está completamente embriagado (Truffert). 22. Que 1,6 a 2,9 gramas, o álcool gera baixa resposta a estímulos externos assim como quedas e falta de coordenação motora (O Globo de 14.08.11, p. 40). 23. Que de 2 a

2,5g/l já se pode falar em embriaguez na totalidade dos casos (Du Pan, Lambercier, Naville, Herman, Achard). 24. Que o condutor, com mais de 2,5g/l, apresenta ostensiva evidência de embriaguez (Du Pan, Lambercier, Naville, Herman, Achard).

25. Que de 3 a 3,9 gramas, o álcool já produz desmaios e anestesiamento (O Globo

de 14.08.11, p. 40). 26. Que o condutor, com mais de 3g/l, apresenta sinais inequívocos de intoxicação (Simonín). 27. Que o condutor, com 4 g/l, está completamente embriagado (Rojas). 28. Que 4g ou mais de álcool gera dificuldade respiratória e, eventualmente, morte (O Globo de 14.08.11, p. 40).

Por esses motivos exemplificados, poder-se falar em 50 tons ou mais de alcoolização. É fundamental que o juiz saiba distinguir cada uma das modalidades de alcoolização, fazendo o devido enquadramento legal podendo resultar em insignificância, infração administrativa ou crime. (GOMES, L 2013, n.p).

Neste sentido bem coloca Fukasawa (1998, p. 146) considerando que o álcool pode variar de intensidade no que se refere à sua influência sobre as pessoas, com tolerância diversificada, ou ainda a eventual demora na retirada pode fazer variar o nível de alcoolemia, dificultando a avaliação da concentração de álcool no momento do fato, o exame clínico poderá ser elemento até mais valioso que a própria perícia para a comprovação da embriaguez.

Em continuidade ao que preconiza a legislação de trânsito, estabelece o CTB no § 3º do artigo 306, que “o Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo”. (BRASIL, 2014).

O § 2º do artigo 306 amplia a possibilidade de verificação do disposto no artigo e traz o direito a contraprova, o § 3º autoriza um posicionamento estadual também sobre a divergência entre os testes, sendo a resolução 432/2013 omissa quanto à questão da contraprova. (BRASIL, 2014).

O Estado do Rio Grande do Sul, através de seu conselho estadual de trânsito complementou a norma federal, através da resolução 075 de 2013 especificando o que seria a contraprova:

Art. 27. Considera-se contraprova a segunda experiência, exame ou laudo, de natureza idêntica ou diversa, tipo de equipamento, ou método, ou conteúdo ou técnica, à primeira, dentro de espaço de tempo de 15 (quinze) minutos a 1 (uma) hora, que se destina a verificar a exatidão da primeira prova.

Parágrafo único. A contraprova poderá ser realizada com o mesmo equipamento, ou método, ou conteúdo ou técnica, utilizado na produção da primeira prova. (RIO GRANDE DO SUL, 2013)

Sendo que no caso de divergência entre a prova e a contraprova, traz os artigos 28, 29 e 30 que prevalecerá a mais benéfica ao condutor, sendo ambas disponibilizadas por meios próprios da administração pública, sendo a contraprova disponibilizada por meio de

instituição, entidade ou empresa de caráter privado, a divergência entre ambas será analisada, em matéria de defesa, em processo administrativo de defesa prévia ou recursos administrativos de questionamento de aplicação de penalidade ou nos eventuais processos judiciais.

No que tange à contraprova, adverte Nogueira (2013, p. 193) que não há uma obrigatoriedade do agente estatal em realizar a contraprova:

Ressalve-se que será sempre observado o direito à contraprova, sob pena de ilicitude da prova, caso o acusado manifeste o desejo de submeter-se a outro tipo de exame para contraprova e isso lhe seja negado. Assim, o acusado poderá, por exemplo, se submetido ao bafômetro, pedir que lhe seja feito exame de sangue ou exame clínico; se submetido a exame clínico, poderá pedir, naquele momento, a presença de outro médico que também o examine e ateste seu estado ou ainda que passa pelo teste do bafômetro ou também por exame de sangue, se desejar. (grifo nosso)

Transcorridas as principais considerações pertinentes acerca do crime de embriaguez ao volante, passaremos a analisar os dados coletados dos processos apreciados e julgados pelo Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina.

4 RELAÇÃO ENTRE O SUBSTRATO PROBATÓRIO E AS DECISÕES NO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: ANÁLISE DOS PROCESSOS JULGADOS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA NO PERÍODO DE 09/2018 A 12/2018

Esse capítulo se dedica a explicar e, ao mesmo tempo, responder o problema de pesquisa. Nesse sentido, uma parte da percepção dos julgadores a respeito do embasamento para a caracterização do crime de embriaguez ao volante, com a finalidade de evidenciar o meio de prova e fatores que levam a crer por uma decisão absolutório ou condenatório e, pela análise do contraste entre os dados coletados e a literatura revisada, compreender de que maneira se dá a subsunção da norma penal e sua aplicabilidade.

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