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1. Da psicologia

Por considerar que, no léxico do medo, existe um conjunto de expressões que não estão bem definidas, José António Marina (2006:30-36) apresenta uma cartografia elementar para precisar os diversos sentidos dessas expressões (quadro 2.6). Assim, e

a partir dos termos “inquietação” e “intranquilidade” (ou agitação, desassossego, nervosismo, etc.), que considera serem características afectivas partilhadas por diversas emoções, o autor define:

a) ANSIEDADE – uma intranquilidade desagradável.

a. ANGÚSTIA – uma ansiedade sem desencadeantes claros, acompanhada

de preocupações recorrentes, com uma antecipação vaga de ameaças globais e com dificuldade de pôr em prática programas de enfrentamento71 (de fuga, luta, imobilidade ou submissão).

b. MEDO – ansiedade provocada pela antecipação de um perigo.

b) EXCITAÇÃO – uma intranquilidade agradável perante, por exemplo, uma boa

notícia inesperada.

c. EXCITAÇÃO e ANSIEDADE – causam uma focalização da atenção e uma

activação do sistema digestivo, respiratório ou cardiovascular.

INQUIETAÇÃO OU INTRANQUILIDADE Agradável: EXCITAÇÃO Desagradável: ANSIEDADE

Sem causa conhecida: ANGÚSTIA

Com causa conhecida: MEDO

Quadro II.6 – Cartografia elementar do medo. Reprodução e tradução de Marina (2006:33).

71 Estratégias de enfrentamento – “os procedimentos com que enfrentamos as situações de stress,

ansiedade, angústia ou medo” (Marina, 2006:39).

Stress – “um sujeito experimenta stress quando a presença de acontecimentos, que exigem dele um esforço que ultrapassa os seus recursos mentais ou físicos, lhe provoca um sentimento desagradável, inquieto, debilitador, com sinais de activação fisiológica e incapacidade de controlar a situação”

(Morin, 2006:38).

Coping – “modo e maneiras de lutar contra os conflitos, problemas, angústias. Richard S. Lazarus (...) define-o como ‘os esforços cognitivos e comportamentais que se desenvolvem para lidar com exigências externas ou internas que o sujeito avalia como superiores aos seus próprios recursos”

Com esta distinção base, e considerando que os SENTIMENTOS (enquanto balanço

consciente da situação vivida) indicam o modo como os nossos desejos ou expectativas se comportam perante a realidade, Marina faz uma ampla caracterização e reflexão sobre o medo. Porque vou voltar mais vezes a este autor, limito-me, para já, a destacar alguns desses atributos:

- O medo provoca um SENTIMENTO DESAGRADÁVEL, inquieto e de falta de controlo.

- O medo leva à posta em prática de um PROGRAMA DE ENFRENTAMENTO* de fuga,

luta, imobilização ou submissão.

- O medo é um MODO DE PERCEBER o mundo que “surge da interacção de um pólo

subjectivo – o sujeito que o sente – com um pólo objectivo – o que o sujeito sente como ameaçador” (Marina, 2006:78).

- O medo é uma EMOÇÃO INDIVIDUAL, mas, porque é CONTAGIOSA, também é uma

emoção SOCIAL.

- O medo é um FENÓMENO TRANSACCIONAL, isto é, de causalidade circular.

“Tendemos a pensar que depois de uma causa vem o efeito. Mas aqui encontrámo-nos com influência recíprocas e o efeito converte-se em causa e ao contrário (Marina, 2006:16).

Em Daniel Goleman, encontro um outro conceito importante, o conceito de EMOÇÕES

DESTRUTIVAS72:

“Emoções destrutivas são emoções prejudiciais para o próprio e para os outros.

(...) São destrutivas quando sentidas em contextos não apropriados ou não normativos.

Quando o medo, por exemplo, é sentido numa situação familiar na qual não há nada a temer, é destrutivo. Mas se sentimos medo no momento em que um tigre está preste a saltar, então é apropriado e ajuda-nos a sobreviver” (Goleman, 2005:84; 210).

Destaco também duas implicações para a compreensão do medo (Goleman, 2005:189; 210):

72 Este conceito é apresentado no livro “Emoções destrutivas e como dominá-las” que, com narração de

Daniel Goleman (2005), junta nomes como o de Francisco Varela, Richard Davidson, Paul Ekman, Alan Wallace e do Dalai Lama. É um diálogo entre o conhecimento ocidental e a sabedoria oriental para, compreendendo o papel das emoções destrutivas no sofrimento humano, se encontrem caminhos de construção da paz.

1. Porque não pode ser categoricamente classificado como construtivo ou destrutivo, o medo tem instâncias negativas e instâncias positivas – o medo de ficar preso de angústias negativas pode, por exemplo, desenvolver a aspiração de libertação e dar azo a um estado espiritual de aspiração.

2. Uma pessoa não altera os seus sentimentos, mas pode alterar a sua acção – embora continuem a ter o mesmo impulso emocional, as pessoas são capazes de alterar a maneira como reagem a esse impulso.

2. Da bioenergia*

Em Alexander Lowen, criador da bionergia, encontro uma contribuição importante para o entendimento das relações que se estabelecem entre as distintas emoções e, especificamente, com o medo. De acordo com este autor, as emoções podem ser

classificadas como SIMPLES ou COMPOSTAS. As primeiras têm apenas um tom

sentimental, de prazer ou dor; as segundas contêm tanto elementos de prazer, como elementos de dor, e podem juntar-se a duas ou mais emoções para produzir uma reacção mais complexa. No ressentimento, por exemplo, há rancor e medo (Lowen, 1997:87-108).

Mas, além disso, também existem emoções que se constituem em PARES ANTAGÓNICOS.

São pares de emoçõesem que existe uma correspondência tão grande que facilmente

uma das emoções se transforma na outra. É o caso, por exemplo, do par RAIVA-MEDO73

(Lowen,1984:163SS):

73 Lowen (1984:163SS) descreve outros dois pares antagónicos (pânico-furor e terror-fúria) que completam

a compreensão do medo.

Pânico-furor: Sem o controlo do ego, o medo pode degenerar em pânico pois precisa que aquele acrescente um elemento racional e limite o comportamento dentro de determinados padrões. A raiva pode transformar-se em furor quando a identificação do ego com o corpo diminui e o seu controlo é enfraquecido. Pânico e furor baseiam-se na sensação de estar numa armadilha.

Manifestações físicas do pânico – corpo tenso, como em posição de fuga; peito inchado; garganta fechada, dificuldade de respiração, com sobrecarga na inspiração e incapacidade de expelir completamente o ar. O grito reprimido está subjacente à dificuldade de respirar.

Manifestações física do furor: excitação muscular excessiva; perda de controlo das acções. O furor é normalmente destrutivo para a pessoa e para o seu ambiente.

Terror-Fúria: O terror é uma forma de choque. Desenvolve-se em situações onde qualquer esforço para resistir ou escapar surge sem esperança. Manifestações físicas do terror: redução da sensibilidade do organismo; incapacidade de inspirar; sistema muscular paralisado com impossibilidade de fuga ou de luta. O terror representa a fuga para dentro. O terror é o efeito do furor dos pais sobre a

a) O medo e a raiva activam o sistema simpático-supra-renal para que forneça energia para a luta ou para a fuga. O sistema muscular encontra-se carregado e mobilizado para agir.

- Manifestações físicas do medo: mobiliza o movimento de fuga – movimento descendente ao longo das costas (ex: encolhimento da cauda do cão); carregamento para fugir. Se a fuga for impossível, a excitação fica presa no pescoço e nas costas, os ombros ficam levantados, os olhos arregalados, a cabeça para trás, a parte traseira recolhida, numa atitude que mostra que a pessoa se encontra num constante estado de medo, quer disso tenha, ou não, consciência.

- Manifestações físicas da raiva: mobiliza o movimento de ataque – movimento ascendente ao longo das costas (levanta, por exemplo, os pêlos do cão), movimento da cabeça para a frente, ombros para baixo74.

b) O medo desenvolve-se quando a ameaça de dor é feita por uma força aparentemente superior. A escolha entre lutar ou fugir depende do indivíduo e da situação. A raiva serve para manter e proteger a integridade física e psicológica do organismo.

c) Tal como chorar alivia a tristeza, também expressar a raiva alivia o medo. Não expressar a raiva não é uma escolha, mas sinal de medo.

- A pessoa a quem não é permitido expressar a raiva fica fechada, submissa, imobilizada numa posição de medo e de impotência. Pode tentar superar essa situação através da manipulação do seu ambiente.

criança. A imobilização dos movimentos acarreta a despersonalização, a dissociação entre o ego perceptivo e o corpo.

Manifestações físicas do terror na criança: estrutura do corpo tesa, contraída ou frouxa, com uma tonicidade muscular fraca; superfície do corpo mal irrigada; olhos inexpressivos; a expressão facial como uma máscara; respiração bloqueada por espasmos nos músculos da garganta e dos brônquios, inspiração superficial; tórax na posição expiratória.

A fúria, enquanto contrapartida do terror, é o ódio sem remorso com efeito destruidor – é fria, dura, representa o aspecto agressivo do ódio.

74 O impulso de morder é a primeira forma de manifestação da raiva. As inibições no morder são

parcialmente responsáveis por distúrbios na expressão da raiva. A incapacidade de ficar com raiva manifesta-se por explosões histéricas e sentimentos persistentes de irritação (Lowen, 1984).

Psicologia e bioenergia – síntese:

1. O medo não pode ser categoricamente classificado como construtivo ou destrutivo – tem instâncias positivas e construtivas.

2. O medo estabelece relações com outras emoções: com o ressentimento, a ansiedade, a raiva, o pânico… – a ansiedade é intranquilidade desagradável; a angústia é ansiedade sem desencadeantes claros; o terror é uma forma de choque em situações sem esperança.

3. Sem o controlo do ego, o medo pode degenerar em pânico e a raiva pode degenerar em furor.

4. Expressar a raiva alivia o medo.

5. Manifestações físicas do medo: ombros levantados, olhos arregalados, cabeça para trás, parte traseira recolhida.

6. Manifestações físicas da raiva: cabeça para a frente, ombros para baixo.

7. Manifestações físicas da ansiedade: activação do sistema nervoso central, sensações do sistema digestivo, respiratório ou cardiovascular.

Criação de um terceiro cenário de fundo – a palavra feita