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3.5 Das consequências do Julgamento

3.5.3 Quanto à omissão da Câmara

Por fim, de maneira complementar às duas consequências já explicadas neste tópico, importante e necessário evidenciar a face mais absurda do julgamento conjunto dos REs 848.826 e 729.744, a qual se deu exatamente por causa deste último.

Conforme já explicado neste trabalho, o RE 729.744 foi julgado, com repercussão geral, no sentido de que, ainda que a Câmara Municipal se omitisse no julgamento das contas do Prefeito, o parecer denegatório do Tribunal de Contas não poderia servir como base para enquadramento do caso em hipótese de inelegibilidade.

Desta forma, mesmo que a Constituição Federal tenha dado grande peso ao parecer do Tribunal de Contas ao impor que este só poderia ser derrubado pela decisão de 2/3 da Casa Legislativa, com o julgamento do RE 729.744, percebe-se um gigantesco enfraquecimento, no sentido de proporcionar ações práticas, do referido parecer.

Ao julgar neste sentido, o Plenário do Supremo diminuiu significativamente a força do parecer do Tribunal de Contas, a ponto de que, mesmo que a Câmara não se manifeste, simplesmente não há como o parecer técnico gerar inelegibilidade.

Ainda que se considerasse razoável o Tribunal de Contas participar no julgamento das contas de gestão como mero opinante, não há como pensar do mesmo modo neste segundo tópico. Trata-se de um desprestígio descabido a um órgão extremamente importante no país.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que é, no mínimo, questionável a competência absoluta atribuída à Câmara Municipal para efetuar o julgamento das contas municipais de gestão, principalmente quando se diz respeito à omissão do órgão legislativo nesta apreciação.

Embora a simples leitura do artigo 31 da Constituição Federal, de seu caput e do parágrafo 1º, dê a entender que o Tribunal de Contas é mero auxiliador na apreciação das contas do Poder Executivo, mostrou-se, aqui, que tal norma não pode ser interpretada de maneira isolada.

Isto porque, nesta forma de análise, é ignorado o tipo das contas que estão sendo apreciadas. São tratadas como idênticas as contas de governo e as de gestão, o que, por si só, já torna extremamente temerária a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Enquanto as contas de governo estão interligadas aos índices constitucionais reservados para cada área e ao plano de governo de cada Prefeito, as contas de gestão se referem a contratos ou outros gastos específicos, como por exemplo, um contrato de licitação, no qual o chefe do poder Executivo atua como ordenador de despesas.

Ressalte-se que os Tribunais de Contas são órgãos especializados em fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Desta forma, diante de tal especialização, em um breve raciocínio, há de se perceber que tais órgãos seriam os adequados e ideais para efetuarem o julgamento das contas de gestão municipais, já que estas se tratam de contratos ou outros gastos específicos, assuntos que são analisados rotineiramente pelos Tribunais de Contas.

Ocorre que tal discussão não tinha tanta relevância, pois, ainda que os prefeitos tivessem a obrigação de prestar contas, a negativa destas não gerava, a princípio, inelegibilidade para futuras candidaturas.

O assunto só veio à tona, de maneira mais incisiva, após alterações na Lei Complementar 64/90, quando veio a ser conhecida como “Lei da Ficha Limpa”. Em uma destas alterações, passou a figurar como inelegível, pelo período de oito anos, a figura do político que tivesse suas contas rejeitadas pelo órgão competente.

Diante de tamanha importância atribuída a este julgamento, uma vez que se trata de barrar ou não a candidatura de determinado cidadão, influenciando diretamente no processo de sufrágio universal e, consequentemente, na democracia, questionou-se o porquê de a Suprema Corte ter atribuído esta competência à Câmara, de modo que o parecer do Tribunal

de Contas se tornaria meramente opinativo, podendo ser derrubado por 2/3 do órgão legislativo.

Percebe-se, então, que para a maioria da Suprema Corte é irrelevante a natureza das prestações de contas no tocante ao órgão julgador, de forma que, neste tipo de controle externo, a Câmara Municipal será o órgão competente para julgar tanto as contas de governo, quanto as contas de gestão.

Tal decisão traz, principalmente à população, efeitos temerários, como a diminuição da eficácia do controle técnico das despesas, uma vez que estas podem ser julgadas apenas levando-se em conta fatores partidários, causando risco à moralidade administrativa e enfraquecimento dos efeitos da Lei da Ficha Limpa, pois um ordenador de despesas pode ter suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas, através de parecer fundamentado, contudo aprovadas pelo Legislativo Municipal, tornando-se a inelegibilidade inaplicável ao caso.

Esta decisão afeta, principalmente, os pequenos municípios, pois, na maioria destes, o Prefeito exerce, também, a função de ordenador de despesas, não delegando esta função para secretários, situação tratada como natural, pois, nestes locais, não há tanta estrutura no corpo do poder executivo.

Ora, se existe um órgão público especializado em fiscalização, dos mais diversos tipos, não é viável darmos a este órgão uma função meramente opinativa, pois, deste modo, abre-se a possibilidade de o parecer técnico ser totalmente ignorado pelos Vereadores, em um julgamento totalmente político, o qual deveria ser feito somente nas contas de governo.

Causa mais estranheza ainda, o julgamento do Recurso Extraordinário 729.744, pois, neste, decidiu-se que o parecer prévio do Tribunal de Contas não vigora, mesmo que a Câmara Municipal se omitir na execução do julgamento. Ou seja, atribuiu-se ao parecer técnico e especializado um peso quase irrelevante.

É por isso que, no início da argumentação, explicou-se que o artigo 31 da Constituição Federal, em seu caput e no parágrafo 2º, deve ser observado com ressalvas.

De início, surge a impressão de que o parecer do Tribunal de Contas tem grande peso, pois só poderá ser afastado por, no mínimo, 2/3 dos membros da casa legislativa. Porém, após análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, percebe-se que facilmente este parecer pode ser derrubado, não prevalecendo nem em caso de omissão da Câmara Municipal.

A argumentação trazida ao longo deste trabalho não quis, de qualquer forma, depreciar a moral e a inteligência dos Vereadores municipais, mas sim mostrar que, se o ordenamento jurídico brasileiro possui, instituído pela Constituição Federal, um órgão técnico específico para atuar em julgamentos de contas proveniente de contratos específicos, é temerário

incumbir tal tarefa à um órgão que não necessariamente tem conhecimento técnico para tal análise, negando a atribuição do Tribunal de Contas até mesmo em caso de omissão do órgão legislativo.

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