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De acordo com Fantasia e Leite (2013, p.54), a narrativa biográfica representa um método qualitativo que possibilita o estudo baseado nas questões da intersubjetividade, ou seja, um “[...] olhar sobre o real a partir da interação entre os sujeitos [...] [e] a consciência do seu próprio conhecimento”. Segundo Bernardo (2010, p.1595), a narrativa biográfica, também denominada de história de vida ou narrativa de experiência, “[...] permite a reflexão sobre a trajetória social e cultural das pessoas [...]”.

Para Beckert e Santos (2011), biografia é uma descrição de processos e experiências da história de vida de um sujeito, realizada por ele mesmo ou por outro. Ao contrário do que muitos podem pensar, “[...] biografias e trajetórias biográficas não são fenômenos puramente individuais, mas sociais, já que se constituem em uma sequência específica de ações selecionadas dentre as opções de ações possíveis no mundo social” (BECKERT; SANTOS, 2011, p.2). Conforme Conceição (2010, p.2), a escrita biográfica é uma “[...] forma de conhecimento histórico”, na qual é fundamental identificar e analisar as relações sociais de um sujeito.

Para Levi (2006), analisar um sujeito em sociedade constitui compreender sua rede de relações e pertencimentos. Em suma, as narrativas biográficas são reveladoras de contextos sócio-históricos (GUSSI, 2008). Ambas afirmativas corroboram com os fundamentos histórico-culturais e as complexas relações dialéticas e dialógicas a respeito da unidade individual/social, abordadas ao longo deste estudo (REY, 1997, 2003, 2005; VIGOTSKI, 1996, 2000; MORIN, 2011, 2014).

De acordo com Beckert e Santos (2011), uma narrativa biográfica possibilita não apenas a análise de vida, mas das relações entre o vivente (sujeito biografado) e o grupo/comunidade a que pertence. Para Conceição (2010), a força dos vínculos e mecanismos normativos e sociais sobre os sujeitos é que legitimam e qualificam o método biográfico. Segundo Elias (1994, p.8), sujeito e sociedade coexistem, pois aquele é constituído no social, mais especificamente naquela sociedade em que “[...] ele esteve envolvido e atuou [...]”. Assim, as relações sociais são o contexto das biografias. Para Gadotti (2004), através da narrativa biográfica se compreende um sujeito e também um grupo social e uma sociedade.

Essa contextualização é possível porque a técnica da narrativa biográfica, se adequadamente empregada, propicia captar as expressões do sujeito em relação às suas experiências e emoções, isto é, seus sentidos subjetivos (REY, 2003, 2005), que são representações do processo de formação social e cultural da mente, segundo Vigotski (1996).

Segundo Fantasia e Leite (2013, p.53), “ao deslocar a produção do discurso para os próprios sujeitos, as narrativas integram [...] as pluralidades das experiências [...] [e] a construção do conhecimento torna-se um processo de diálogo intersubjetivo”. Conforme Gussi (2008), a abordagem da narrativa biográfica apresenta três características: informativa (do contexto social do biografado), evocativa (do próprio biografado) e reflexiva (da relação entre o biografado e o pesquisador). A narrativa biográfica, enquanto um discurso, representa “[...] um campo de renegociação e reinvenção identitária” e enquanto método biográfico, está situada “[...] entre a privacidade de um sujeito e o espaço sócio-histórico de sua existência [...] ampliando a compreensão dos fenômenos sociais e grupais [...]” (CARVALHO, 2003, p.284).

Para Gussi (2008, p.8), a narrativa biográfica se configura por um conjunto de experiências, vivenciadas e narradas por quem as viveu e vive cotidianamente, portanto, “a experiência é um termo – epistemologicamente – presente na dimensão biográfica [...]”. Sua noção implica nas mediações entre o sujeito e a sociedade, neste sentido, toda “[...] experiência é subjetiva e social [...]” (DUBET, 1996, p.106). As experiências evocadas nas narrativas biográficas refletem um contexto social, dito de outro modo, “[...] as narrativas biográficas constroem os sujeitos por meio de suas experiências vividas, configurando suas identidades pessoais e coletivas [...] ao longo do tempo” (DUBET, 1996, p.9). Em suma, a experiência é a história do sujeito (SCOTT, 1999). A experiência é conquistada em um processo de aprendizagem que ocorre nos mais diversos contextos de socialização e cultura (GUSSI, 2008), os quais, por essa razão, podemos considerar contextos educativos, de formação, de desenvolvimento. Para Vieira (1995, p.127), um processo educativo constitui um sistema de referências de um determinado grupo e se compõe de todas “[...] as experiências da vida social e pelas opções que se tomou ao longo do percurso biográfico”.

Ao contrário das entrevistas, as narrativas biográficas não se valem de roteiros de perguntas, método este que segundo Beckert e Santos (2011) está consolidado na pesquisa sociológica alemã. Bernardo (2010) sugere duas dicas para realizar uma narrativa biográfica. A primeira é pedir ao sujeito para falar sobre sua vida pessoal: nome, família, infância, adolescência, vida adulta e o atual momento. A segunda dica é entrar na temática

propriamente dita solicitando ao sujeito entrevistado que fale livremente, porém sob a orientação de temas chave, relacionados à pesquisa (objetivos e questões norteadoras).

De acordo com Silva, A. (2007), em narrativas biográficas, ou histórias de vida, não se elabora um roteiro de entrevista, e sim, uma única questão provocativa, por exemplo: o biografado falar sobre sua trajetória em determinado local. No entanto, a execução dessa técnica de entrevista não estruturada pode ser de difícil aplicação devido ao fato de que alguns sujeitos biografados, muitas vezes, “[...] não verbalizavam questões livremente, por vezes se limitando a dizer que não tinham nada para falar, que não sabiam de nada ou que sabiam o mesmo do que outras pessoas com quem o pesquisador pudesse ter falado” (SILVA, A., 2007, p.125). Por isso, é interessante adotar um roteiro, tornando a entrevista do tipo semiestruturada, mas não com a intenção de limitar a narrativa, e sim, de estimular o biografado e não deixar que o procedimento escape aos objetivos da pesquisa. Silva A. (2007) relata que, em sua pesquisa, existiram casos em que o roteiro não foi utilizado, como também houve momentos em que a entrevista foi baseada no roteiro.

Para além dos procedimentos acima descritos, indica-se ainda os cuidados com o planejamento da coleta (critérios para a seleção e número de entrevistados, suas descrições básicas e como foram contatados), o roteiro da entrevista (incluindo os critérios de sua elaboração), a organização da entrevista (posicionamento das pessoas e equipamentos) e os procedimentos de análise (transcrição e tratamento). No entanto, esses procedimentos para utilização da narrativa biográfica são similares aos já apresentados anteriormente em relação à entrevista semiestruturada e, portanto, não cabe aqui repeti-los.

4.4 Construção das estratégias metodológicas dentro do campo de pesquisa: um diálogo