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QUARTO EMARANHADO DE LINHAS: A FORMAÇÃO CONTINUADA

Sixto Martínez fez o serviço militar num quartel de Sevilha. No meio do pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado montava guarda. Ninguém sabia por que se montava guarda para o banquinho. A guarda era feita porque sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de geração em geração os oficiais transmitiam a ordem os soldados obedeciam. Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre tinha sido feito.

E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis conhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E depois de muito cavoucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro dias, que um oficial tinha mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca.

(GALEANO, 2012, p. 62) Imagem 21: Lucas e o desafio dos elásticos, 2016. Fonte: acervo pessoal.

As fragilidades

O general ou coronel que quis saber a origem da ordem de vigília ao banquinho descobriu, como conta Galeano (2012), um arquivo de mais de três décadas que justificava, naquele tempo, aquela guarda. A tinta fresca que pintou o banco e iniciou a vigília já estava, há muito, seca, mas ninguém questionou. Dia sim e dia sim, o banquinho era olhado sem contestação, sempre “porque sim”, porque sempre se fez assim. E acho que de tanto repetir que se faz sem que seja perguntado, vai se tornando verdade, vai virando certeza inquestionável.

Não posso me colocar no lugar dos muitos soldados que fizeram vigília ao banquinho, porque entendo que não podemos assumir o lugar de ninguém, já que todas ou todos e cada uma ou cada um são únicas ou únicos em seus atos e respostas (BAKHTIN, 2010a), mas posso, em uma relação de empatia (BAKHTIN, 2010b) com eles, ver o mundo ampliado a partir do que eles me mostraram e, depois, já retornada ao meu lugar, completar o horizonte com o excedente de visão (BAKHTIN, 2010a) possível. Deste modo,

eu não posso fazer como se eu não estivesse aí; não posso agir, pensar, desejar, sentir como se eu não fosse eu, e cada identificação de si mesmo falha em sua pretensão de identificação com o outro. Mas, ao mesmo tempo, não posso fazer como se o outro não estivesse aí, não um outro genérico, mas o outro na sua singularidade que ocupa um lugar no espaço-tempo e na medida dos valores que eu não posso ocupar, próprio pelo não-álibi de cada um no existir (PONZIO, 2010, p. 23).

A minha realidade tem sido a da professora-pesquisadora que escreve a narrativa- bordado de pesquisa. E como será que posso, com o conto da ordem de vigília do banquinho, pensar na escola e na minha prática docente sem fazer como se eu não me identificasse com os soldados de Galeano (2012) e, ao mesmo tempo, como se eu não pensasse e agisse sendo eu?

As respostas para estas perguntas não nasceram prontas e também não surgiram com as perguntas. As perguntas e as respostas têm sido possíveis, como todos os emaranhados de linhas, como insisto em escrever por diversas vezes, como parte de um processo de escrita. Processo que começou com os caminhos tomados com o projeto inicial, passou para o olhar meu inventário, que deu início ao texto deste e dos outros emaranhados que foram apresentados para a banca de qualificação, que, depois, ainda foram relidos por muitas e muitas vezes junto com os comentários e os apontamentos feitos por muita gente querida, e foram, então, reorganizados, serviram de ajuda e de orientação para a escrita de outros emaranhados de linhas, assim como a escrita dos outros emaranhados de linhas também têm me ajudado a escrever este.

Assim, atrevo-me a repassar rapidamente alguns caminhos que narrei no “Pensando a narrativa-bordado de pesquisa”, porque tenho percebido durante o percurso de pesquisa que, retomando o que já foi narrado, posso contar ainda mais uma vez de uma outra forma e, talvez, produzir outros sentidos. Eu já havia feito o “Inventário III” e estava satisfeita com ele, pois parecia que estava acabado (BAKHTIN, 2010a) quando, em uma busca pelo certificado do curso de extensão da Pedagogia Freinet a fim de terminar a descrição em meu inventário, encontrei a pasta vermelha contendo os meus certificados de cursos, congressos e seminários, e, ao abri-la, senti uma mistura de vergonha com vontade de entender o que eles eram e por que, de certa maneira, eu me sentia envergonhada ao vê-los.

Por isso, elaborei o seguinte conjunto de questões: que cursos eram aqueles? O que eles me levaram a refletir sobre a minha prática? Por que eu havia feito esse ou aquele curso? Quais cursos e formações foram significativos para a minha prática? O que desenvolvi com as crianças a partir deles?

Tais perguntas foram as possíveis naquele momento, porque levavam em consideração o cotidiano que vivia na escola e também as muitas “ordens” que eu, as professoras e os professores, recebíamos. Já são nove anos sendo professora no mesmo município e na mesma escola. Ali o cotidiano às vezes é rotina, às vezes nos pega de surpresa, além do que, muitas vezes, não nos damos conta de questionar o que nunca foi questionado. Imersas e imersos nas leis que regem o nosso estatuto, não temos um plano de carreira que valorize realmente a formação continuada, não recebemos um adicional no rendimento, não somos reconhecidas com melhores condições de trabalho e não somos incentivadas a investir nosso tempo, esforço e economias em um curso de pós-graduação, quando nos tornamos mestras ou mestres e doutoras ou doutores ou quando compartilhamos nossa prática em seminários e congressos. Ali o único frágil incentivo, se é que posso chamar de incentivo, que temos ao finalizar nossos estudos são os pontos que fazem com que avancemos ou não na lista de classificação da escola para a atribuição de classes e, assim, podemos escolher a turma com a qual trabalharemos durante o ano.

Diferente de alguns municípios e algumas escolas que tenho conhecimento, em minha escola são as professoras e os professores que escolhem as turmas com as quais vão trabalhar durante o ano e não a gestão que indica as profissionais e os profissionais que acredita serem mais adequadas e adequados para o trabalho com cada uma das turmas. Porém, existe um fator que é determinante para que a escolha de atribuição de salas seja feita: o período de trabalho.

Neste município, por mais que já tenha passado o período probatório, por mais que em um ano se trabalhe no período da tarde, por exemplo, não existe uma garantia de que, no ano seguinte, a professora ou o professor seguirá no mesmo período, tudo é decidido na atribuição de classes. Intimamente relacionadas a isso, temos ainda duas problemáticas que também são frágeis: a primeira é que a atribuição das turmas só é feita no mês de fevereiro, ou seja, eu escolho a turma e o período em que vou trabalhar no mesmo ano da atribuição, impossibilitando que muitos planejamentos profissionais ocorram nas férias, como arrumar materiais, crachás, fichas de leitura, ou o que quer que seja; a segunda é que, de maneira geral em todo o município, nas escolas o período da manhã tem turmas de 5º ano, 4º ano e, às vezes, parte dos 3º ano, enquanto que o período da tarde fica com as turmas de 1º ano, 2º ano e, às vezes, parte dos 3º ano.

Quando converso com outras professoras e outros professores que trabalham em outros municípios, percebo que a preocupação delas e deles é com a turma que irão trabalhar, com a equipe que irão compor e planejar as aulas, os projetos, porque para elas e eles o período de trabalho é garantido, sofrendo alteração apenas se entram com um pedido de remoção. Conosco, entretanto, temos também que nos preocupar com o período em que iremos trabalhar. Não tenho filhas, filhos ou pessoas que dependem diretamente do meu horário de trabalho, mas muitas professoras e muitos professores que trabalham comigo são mães e pais e, conforme já conversamos muitas vezes, precisam também ajeitar os horários da família com o horário que trabalham. É preciso dizer também que é recorrente em minha escola que o período da manhã seja mais disputado.

Pensando nessas três fragilidades que são consideradas na escolha por uma turma e olhando agora para o “Inventário IV”91 de (guar)dados em que organizei melhor os certificados que encontrei na pasta vermelha, entendo o processo de inventariar justamente como um processo que, assim como a escrita da narrativa-bordado de pesquisa, vai sendo retomado, refeito e reorganizado, de modo que, talvez, de uma outra maneira, me revele outros indícios da minha prática.

Percebo, então, que em alguns anos tenho mais certificados do que em outros. Em 2015, tenho dois cursos online, em 2016, três, em 2017, um certificado de pós-graduação Lato Sensu à distância. Todos esses documentos não haviam sido inventariados em uma primeira ou segunda vez, porque consistiam em certificados que, certamente, me envergonhavam.

Para que a leitora e o leitor entendam o motivo de tanto embaraço, explico: tais certificados foram obtidos em cursos que fiz em que não pensei na formação continuada da forma como eu penso em tantos outros, na reflexão da minha prática, no conhecer uma proposta diferenciada. Não. Esses certificados são de cursos que fiz, não porque precisava dos cursos, mas porque eu precisava dos certificados.

O desejo de querer uma turma específica, bem como a necessidade ou a vontade de escolher o período com o que se vai trabalhar, fazem com que eu, professoras e professores recorramos a inúmeros cursos online de faculdades e escolas de formação que não necessariamente priorizam a reflexão, a formação da profissional, mas que nos ajudam a “subir de pontuação”, como cotidianamente falamos nos corredores da escola. Para cada carga horária apresentada nos certificados, uma pontuação é atribuída e somada àquela que já tínhamos no ano anterior, junto também com os pontos ganhos pelos dias trabalhados.

Percebo, agora, que a maior quantidade de certificados deste tipo em anos específicos tem relação com os anos em que eu precisava trabalhar no período da manhã, porque ou eu pretendia “dobrar” minha jornada de trabalho em outro município ou planejava cursar algumas disciplinas do Programa de Mestrado Profissional durante o período da tarde.

Nos anos de 2011 a 2015, 2017 e 2018 eu não tinha a preocupação com a permanência específica em um período, por isso, como percebo olhando meu “Inventário IV”, consistiram em anos em que eu pouco ou não realizei cursos e formações pensando apenas na classificação para a atribuição de classes do ano seguinte e me dispus a participar de congressos, seminários e cursos que possibilitassem a aprendizagem e a reflexões com a minha prática, tais como o “VI Seminário Fala outra Escola”, o “XVI Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino”, os cursos de extensão “Geometria na Educação Infantil e nos anos iniciais e conhecimento especializado do professor” e “Educação Ambiental e suas relações com a escola e a sociedade”.

Estar em contato com outras professoras e outros professores que buscaram, naquelas situações de cursos, seminários e encontros compartilhar o que fazem na sala de aula, que procuraram, assim como eu, realizar uma interlocução entre a prática e autoras e autores que discutem sobre um determinado assunto da escola, fazendo com que nossas reflexões fossem para além do vivido e que pudessem vivificar os escritos, possibilitou a construção de conhecimentos importantes que me atreverei a escrever com mais profundidade adiante.

Por isso, quando me deparo com os certificados de cursos realizados online como “Pedagogia de projetos” ou “A inclusão do aluno no contexto escolar”, sinto como se eu não

quisesse que estivessem naquela pasta, na minha história ou no “Inventário IV”, que eles não revelassem a minha participação em um sistema de pontuação classificatório que eu não concordo, justamente porque não coloca em evidência a construção de conhecimento da professora e do professor sobre aquilo que fazem, reduzindo um momento de formação e de reflexão a uma espécie de competição meritocrática em que a quantidade de cursos realizados sobrepõe-se à qualidade.

É por entender-me como participante deste sistema, uma vez que, como consta em meu “Inventário IV”, recorri a ele e às suas implicações quando me foi conveniente e necessário, e, ao mesmo tempo, por não querer fazer parte disso por não concordar, que me vejo envergonhada com esses documentos. Mas, como Prado, Frauendorf e Chautz (2018) me contam, inventariar não é mostrar “dados sem vida”, apresentados em tabelas frias, inventariar constitui-se em apresentar narrativas do percurso (p. 544). E, com vergonha ou sem, vejo agora que esta parte de meus (guar)dados também revela. Revelações que nem sempre são aquelas que eu gostaria que fossem, mas que são aquelas que nos fazem, nos dizem dos caminhos percorridos.

Por isso, é bordando as linhas deste emaranhado que concordo mais uma vez com Freire (2011) que afirma:

é exatamente obedecendo para não morrer que o escravo termina por descobrir que “obedecer”, em seu caso, é uma forma de luta, na medida em que assumindo tal comportamento, o escravo sobrevive. E é de aprendizado em aprendizado que se vai fundando uma cultura de resistência, cheia de “manhas”, mas de sonhos também. De rebeldia, na aparente acomodação (p. 149).

Obediência dos escravos na luta pela sobrevivência, obediência também de Sixto Martínez e de muitos outros soldados que continuaram a vigiar o banco sem reclamar (GALEANO, 2012), obediência, talvez, minha em ser parte desse frágil sistema classificatório de pontuação que não prioriza a formação de qualidade, que dá brechas para que as professoras e os professores sejam como os soldados, que façam cursos online sem questionar, sem pensar na formação, na reflexão da prática, mas que, para sobreviverem, precisam obedecer.

Entender e escrever um pouco mais sobre este frágil sistema, além de continuar a reler a narrativa-bordado de pesquisa, os apontamentos feitos por tanta gente, têm me ajudado a pensar para além das fragilidades reveladas com os certificados outrora não inventariados. Tenho pensado, então, sobre a importância de olhar para os certificados, aqueles que me contam e que me dão indícios (GINZBURG, 1991) da minha prática, que me ajudam a “dar um passo,

um passo fora de qualquer alinhamento, combinação, sincronia, semelhança, identificação” (PONZIO, 2010, p. 10), em uma relação, portanto, transgrediente (BAKHTIN, 2010b) ao que vivo com a obediência, ao que está ordenado nas fragilidades, na vigilância do banquinho feita pelos soldados (GALEANO, 2012).

As outras formações

Escrever novamente este emaranhado de linhas e revelar as fragilidades do sistema de pontuação tem auxiliado o meu entendimento sobre a formação continuada que seja, de fato, formativa e não, meramente, uma possibilidade que me faz participar da frágil competição por pontos na classificação para atribuição de classes.

Concordo, portanto, com a formação continuada de professoras e professores como coloca Nóvoa (2009) que parte de nossa experiência dentro da sala de aula que, ao ser perpassada pela teoria, pode se constituir em uma reflexão importante para todas e todos. Formações que nos fazem ver mais do que já temos visto, que partem do que queremos entender do que temos feito e do que podemos fazer, que busquem:

(i) o estudo aprofundado de cada caso, sobretudo dos casos de insucesso escolar;

(ii) análise colectiva das práticas pedagógicas;

(iii) obstinação e persistência profissional para responder às necessidades e anseios dos alunos;

(iv) compromisso social e vontade de mudança (NÓVOA, 2009, p. 19).

O autor coloca ainda sobre a necessidade das formações terem sentido somente se forem construídas a partir da reflexão das professoras e dos professores sobre o seu próprio trabalho, pois “enquanto forem apenas injunções do exterior, serão bem pobres as mudanças que terão lugar no interior do campo profissional docente” (NÓVOA, 2009, p. 19).

Tendo em vista a formação continuada da maneira com a qual sigo em defesa, passo agora a narrar com a ajuda de dois certificados inventariados que me ajudaram, na época em que os cursos foram realizados, a refletir sobre a minha prática e que podem, talvez, me ajudar a dizer agora mais sobre o que tenho feito com as crianças. Para que tal narrativa seja escrita, retomando um caminho já percorrido nesta narrativa-bordado de pesquisa e que, acredito que me ajudou a construir e partilhar conhecimentos aprendidos na prática e na pesquisa de ser professora, não posso me ausentar de escrever as metanarrativas como fiz no “Terceiro emaranhado de linhas: a escrita narrativa”.

Relembro, então, para a leitora e para o leitor que as metanarrativas são exercícios de escrita que vêm se consolidando no GEPEC, mais especificamente no GruBakh, em que os estudos de Bakhtin dialogam com uma narrativa escrita e que, assim, nesta amálgama podem produzir outros saberes, constituindo, assim, “um ato ético responsável, na medida em que possibilita um exercício de autoria e um excedente de visão sobre o vivido, a partir da refração propiciada pelas leituras e reflexões feitas no GruBakh” (GRUBAKH, 2015, p. 149).

Entretanto, para que a escrita das metanarrativas a partir dos certificados fosse possível, atrevi-me, mais uma vez, a escrever uma primeira narrativa partindo do gênero discursivo cartas já que este movimento de escrita no “Terceiro emaranhado de linhas: a escrita narrativa” me pareceu tão potente e revelador. Me colocar, então, novamente na posição de professora que estava cursando o “Curso de formação continuada” e o curso de extensão em “Educação Ambiental e suas relações com a escola e a sociedade”, talvez pudesse dizer mais do que os certificados diriam, já que dessa maneira, eu inaugurava um outro ato refratado (VOLÓCHINOV, 2017) daquilo que vivi quando era estudante nos cursos.

Mas, dessa vez, eu queria escrever as metanarrativas a partir da escrita de uma carta da professora-estudante quando cursava o “Curso de formação continuada” e uma carta da professora-estudante do curso de extensão em “Educação Ambiental e suas relações com a escola e a sociedade”, ambas destinadas à professora-pesquisadora, porque acreditei, a princípio, que apenas a professora-estudante teria o que dizer junto com os certificados dos cursos.

Mas, a sensação de incompletude quando terminei de escrever as duas cartas das professoras-estudantes era enorme, porque eu queria dizer mais e além do que eu havia escrito nas correspondências. Entretanto, por eu ter me colocado na posição de professora que ainda estava cursando os dois momentos de formação continuada, eu não poderia adiantar aquilo que sabia como professora-pesquisadora. Na primeira carta, como professora-estudante do “Curso de formação continuada”, eu queria problematizar mais a troca de experiências e saberes da prática com bebês e na segunda carta, como professora-estudante do curso de extensão em “Educação Ambiental e suas relações com a escola e a sociedade”, eu escrevi muitas perguntas, como “o que você acha?” ou “o que estamos ensinando para as estudantes, os estudantes e a comunidade com exposições assim?”, que me convidavam a uma resposta.

Eu sabia com os estudos bakhtinianos que era sempre inacabada92, que meu texto era inacabado, mas fui percebendo com este exercício de troca de correspondências no “Terceiro emaranhado de linhas: a escrita narrativa” e também neste emaranhado, que é preciso buscar algum acabamento, mesmo que provisório (BAKHTIN, 2010a), quando existe o sentimento de que algo ainda falta. Assim, entendi que por escrever uma carta e o gênero pressupor um diálogo, não era possível que eu, professora-pesquisadora, não enviasse uma resposta para a professora-estudante. A carta, me parece, convida para uma conversa, ela traz marcas que a caracterizam por isso, porque sabe quem são suas interlocutoras e seus interlocutores, mesmo que imaginárias ou imaginários, é como se ela pedisse, convidasse, para continuar a relação dialógica (BAKHTIN, 2010b) com a destinatária ou o destinatário.

As cartas, como eu já sabia desde que era estagiária e me vesti das palavras das personagens de Monteiro Lobato, talvez desde antes, quando eu trocava correspondências com as minhas amigas na escola, exigiam respostas. Minhas cartas de professora-estudante precisavam de respostas antes de serem metanarradas, porque eu não tinha álibi (BAKHTIN, 2010a; BAKHTIN, 2010b; PONZIO, 2010) que justificasse minha não resposta. Eu precisava agir responsavelmente aos atos de meus outros. Por isso, minha responsabilidade naquele