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4 ESTUDO DAS PRÁTICAS DE RECEPÇÃO MIDIÁTICA

4.4 DE QUE ESTUDO ESTAMOS FALANDO?

Diversas classificações já foram propostas com a finalidade de destacar distintas tradições de pesquisa dentro da área. Entre elas, temos, por exemplo, a elaborada por Jensen e Rosengren (1990), que toma os estudos realizados em nível mundial, e, interessadas pelo espaço latino-americano, podemos citar as propostas de Jacks (1996b) e Cataño (2012).

Jensen e Rosengren (1990) identificam cinco tradições que se dedicam ao estudo da audiência: pesquisa de efeitos, usos e gratificações, crítica literária, estudos culturais e análise de recepção. Segundo a ótica dos autores, os estudos de recepção, a mais recente das tradições referidas, fariam uma análise de audiência-com-conteúdo, pois ao mesmo tempo em que investigam a audiência, estudam o conteúdo da mídia, realizando uma comparação entre ambos.

Embora Jensen e Rosengren considerem haver pontos em comum entre os estudos culturais e a análise de recepção – como o entendimento sobre as mensagens dos meios, concebidas como polissêmicas, e sobre os receptores, tidos como produtores de sentido –, entendem-nos como tradições distintas. Para eles, os estudos culturais, diferentemente dos de recepção, não fariam análises empíricas da mídia, com algumas exceções, como os estudos de Morley (1980) e Radway (1984). Esse não é o entendimento que temos aqui. Julgamos que ―a análise de recepção é efetivamente a pesquisa de audiência dos estudos culturais‖ (RONSINI, 2000, p. 18).

Pensando a realidade latino-americana, Jacks (1996b) distingue cinco correntes como constituidoras dos estudos de recepção: a perspectiva do Consumo Cultural, do argentino- mexicano García Canclini, que tem o objetivo de pensar o processo de recepção de bens simbólicos; o modelo de Frentes Culturais, do mexicano Jorge González, que fez uso do conceito de hegemonia, de Gramsci, e de campo, de Bourdieu, para estudar as relações de poder; a linha da Recepção Ativa, dos chilenos Fuenzalida e Hermosilla, que, além de buscar entender a relação dos receptores com as mensagens televisivas, pretendia intervir pedagogicamente; a proposta dos Usos sociais dos meios, do espanhol-colombiano Martín- Barbero, que visa a entender o uso dos conteúdos massivos pelos receptores em suas práticas cotidianas, dando destaque ao conceito de mediações; e, por fim, com a perspectiva do Enfoque Integral da Audiência, o mexicano Guillermo Orozco visa a responder como se realiza a interação entre TV e audiência, sistematizando diversas mediações implicadas nesse processo.

Na conclusão de ―Comunicação e Recepção‖, Jacks e Escosteguy (2005, p. 106) reconhecem que a sistematização acerca das perspectivas latino-americanas, elaborada na década de 1990 (JACKS, 1996b), não seria a mais adequada hoje. Afirmam que caso fossem propor uma nova classificação, não incluiriam, no âmbito dos estudos de práticas de recepção, as pesquisas realizadas por García Canclini e Jorge González, uma vez que eles não realizaram o ―exame de práticas de recepção propriamente midiáticas‖, sendo suas investigações mais bem entendidas como estudos sociológicos.

Recentemente, Cataño (2012) elaborou uma separação semelhante a de Jacks, porém, deixa de fora as correntes Frentes Culturais e Recepção Ativa. As três perspectivas que enfatiza são: Usos sociais, desenvolvida por Martín-Barbero com apropriações das ideias de Michel de Certeau; Mediações múltiplas (ou Enfoque Integral da Audiência), elaborada por Orozco; e Consumo cultural, destacando como proponentes, além de Canclini, Sunkel. Para a autora, essas perspectivas se enquadrariam como estudos de recepção realizados a partir do enfoque dos estudos culturais.

Como se percebe tanto no trabalho de Jacks (1996b) quanto no de Cataño (2012), não há uma problematização sobre a pesquisa de recepção propriamente, considerada como aquela que abarca as distintas correntes citadas. Podemos verificar que, sob o guarda-chuva dos estudos de recepção, pesquisas díspares são enquadradas. O que vemos costumeiramente é uma indistinção entre termos.

Da mesma forma, em ―Efeito e recepção‖, Gomes (2004) salienta as distinções entre as pesquisas de Efeito e as de Recepção. No entanto, nessa última, inclui todas aquelas abordagens que estudam as relações entre mídia e público com um viés sociocultural, no âmbito dos estudos da Comunicação.

Os Estudos de Recepção [...] caracterizam-se por procurar entender o lugar do receptor no processo comunicativo a partir da perspectiva de sua atividade e, portanto, negando as concepções que o entendem passivo, já que condicionado por um esquema linear de comunicação. Não necessariamente quantificam ou tipificam as audiências, embora possam recorrer a esta estratégia com fins metodológicos; não necessariamente se preocupam com o poder dos meios sobre as pessoas. Definem-se antes como aqueles estudos que procuram dar conta da ‗relação‘ entre os meios e os receptores a partir da negação de que essa relação seja mero ‗efeito de uns sobre outros‘. (GOMES, 2004, p. 16).

Se, por um lado, entendemos que se convencionou denominar de ―estudo de recepção‖ a investigação que envolve os sujeitos receptores, o que é, de certo modo, útil, por haver um modo de identificação geral da área; por outro, mais do que um nome, o termo carrega um significado. Jacks e Escosteguy (2005, p. 110) falam de uma ―desordem na denominação dos

estudos empreendidos‖, e indicam a carência de uma problematização acerca dessa designação, pois ―tudo ou quase tudo que gire em torno de receptores, passa a chamar-se de estudos de recepção, independente do viés teórico implicado‖. As autoras consideram, ainda, que, devido à falta de debate conceitual sobre o tema, ―a ausência de terminologia comum [...] tem dificultado a organização dessa vertente de pesquisa no país, assim como confundido os escassos espaços onde ocorre essa discussão‖ (Ibid., p. 111).

Para exemplificar o que expõem Jacks e Escosteguy, citamos o grupo de trabalho dos encontros anuais da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação, que hoje pode ser considerado o principal espaço para discutir a recepção no âmbito dos eventos brasileiros. No GT da Compós, notam-se divergências históricas ao se nomear o grupo, que, na sua fundação, em 1992, chamava-se ―Televisão e Audiência‖, depois contou com a denominação ―Mídia e Recepção‖ e, atualmente, intitula-se ―Recepção: processo de interpretação, uso e consumo midiáticos‖, sendo o mais ―explicativo‖ dos nomes de GTs da Compós em atividade.

Buscando uma alternativa para denominar, de modo ―genérico‖, a pesquisa sobre a ―relação entre os meios e os receptores‖, Jacks e Escosteguy (2005)63 tomam de empréstimo a

designação de ―práticas de recepção midiática‖, assumida por Mauro Wilton Sousa. Essa indica

o interesse pelos receptores de um modo geral, pois a expressão é pertinente para abarcar uma diversidade de experiências. Alerta-se, contudo, que é apenas denominativa, sem sinalizar uma aproximação conceitual. Diferentemente do que ocorre na América Latina, aqui estamos reservando o termo recepção para apenas um tratamento específico dessa problemática. (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 79).

Considerando as classificações apresentadas, bem como as limitações identificadas nos estudos atuais sobre as práticas de recepção midiática, e, ainda, as reflexões de Jacks e Escosteguy (2005) sobre a necessidade de um melhor delineamento sobre os estudos de recepção, propomos um quadro com algumas adaptações em relação aos já vistos. Dessa forma, pensamos ser possível abarcar, além das perspectivas mais tradicionais, aspectos contemporâneos da pesquisa de audiência.

Para tanto, a) julgamos que a análise de recepção deve ser diferenciada das demais, não servindo como um termo guarda-chuva, dada sua especificidade epistemológica, teórica e metodológica; b) avaliamos que as correntes de Enfoque Integral da Audiência, Recepção

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Discussão também apresentada pelas autoras nos artigos ―Práticas de recepção midiática: impasses e desafios da pesquisa brasileira‖ (2004) e ―La investigación brasileña: impases y desafíos‖ (2006).

Ativa e Frentes Culturais são proposições mais específicas, não nos parecendo adequado concebê-las no mesmo nível das demais; c) consideramos que a pesquisa sobre consumo, por um lado, e usos, por outro, respondem por uma parcela importante dos estudos de audiência realizados atualmente; d) assinalamos a importância de uma designação que contemple os estudos das identidades, que não são necessariamente abarcados pelas demais correntes consideradas.

Assim, temos: análise de recepção; consumo; usos sociais; e estudo das identidades. Na apresentação do verbete ―Estudos de Recepção‖ na Enciclopédia Intercom de Comunicação, Jacks (2010) expõe que a origem do vocábulo é metafórica, pois se refere ao ponto de chegada/recebimento da mensagem, em um modelo linear do processo de comunicação, como consideraram Shanon e Weaver. Como teoria, o termo recepção é primeiramente empregado no campo literário, mais especificamente, na Estética da Recepção, interessada no estudo de atos de leitura, e desenvolvida na Alemanha, pela Escola de Constanza.

No campo da Comunicação, Jacks e Escosteguy (2005, p. 15) observam que os estudos propriamente de recepção priorizam parte da problemática da pesquisa qualitativa de audiência, sendo aquela que ―diz respeito à relação das pessoas com meios ou veículos de comunicação, com programas, gêneros, mensagens ou momentos particulares, abarcando a complexa configuração de elementos e fatores que caracterizam o fenômeno como um todo‖. Haveria, nesse escopo, um interesse maior pelas leituras e decodificações de uma mensagem.

Jensen e Rosengren (1990) caracterizam os estudos de recepção por uma análise comparativa dos discursos dos meios com os discursos das audiências, que leva em conta o contexto sociocultural em que os sujeitos se encontram.

Análise de recepção desenvolve o que se pode chamar de análise de audiência-com-conteúdo, que é tanto qualitativa quanto empírica. Ao mesmo tempo em que produzem dados empíricos sobre o público por meio de entrevistas em profundidade e de observação, esses estudos normalmente aplicam métodos qualitativos numa análise comparativa entre aqueles dados que se referem aos públicos com aqueles que se referem aos conteúdos. Seu objetivo imediato, então, é examinar os próprios processos de recepção, os quais, além do mais, afetam os usos e impactos do conteúdo midiático. (JENSEN; ROSENGREN, 1990, p. 214).

Escosteguy e Sifuentes (2011) empreenderam uma diferenciação entre análise de recepção e estudo de consumo, na qual assinalam que a recepção tem como propósito a compreensão de um momento específico na interação com a mídia, a partir de um texto motivador da investigação. Nos estudos de consumo, essa relação é menos direta, e o interesse

recai em um contexto. Gomes (2004, p. 191), que tem compreensão semelhante, analisa que esses últimos ―tentam relacionar o consumo cultural com a experiência social dos membros do público‖.

A distinção que Ronsini (2007, p. 78) faz entre estudos de recepção e de consumo indica que a preocupação do primeiro seria ―reconstruir como uma dada mensagem dos meios de comunicação é decodificada, entendida e vivenciada por um grupo de pessoas‖, enquanto, para o segundo, o foco não estaria na ―apropriação de mídias, programas ou gêneros específicos, mas o entendimento do sentido geral das tecnologias da comunicação na experiência cotidiana do receptor‖. Esse entendimento se aproxima do que pondera Cataño (2012, p. 96), para quem, nos estudos de consumo, há um ―deslocamento da análise centrada nas mensagens como estruturas ideológicas‖, que se encontraria nos estudos de recepção.

Em outro momento, Ronsini (2011, p. 3) expõe que nos estudos de consumo, diferentemente dos de recepção, existe uma ―uma pluralidade de textos e não um texto específico para ser decifrado‖ e que ―não há preocupação em considerar teoricamente as mediações que constituem o processo de dar sentido à mídia e tampouco os detalhes empíricos que envolvem o conhecimento do papel delas‖.

Embora consideremos o esforço de definição válido, algumas outras distinções entre consumo e recepção encontradas se mostram frágeis. É o caso de Alfaro Moreno (1994 apud CAMACHO AZURDY, 2007), que distingue recepção de consumo considerando a primeira como ―interpretação‖ e a segunda como ―resposta‖. Pensamos, no entanto, que a recepção é, de certa forma, uma resposta, e que o consumo certamente necessita de interpretação. Outro trabalho, de Cantú e Cimadevilla (1998), apresenta recepção como uma forma particular de consumo, de produtos midiáticos, visto que o termo consumo seria usado para qualquer forma de consumo cultural. Os mesmos autores definem usos como atribuição de sentido à recepção, pois consideram que a nem toda recepção se atribui sentido. Diferentemente, avaliamos que a atribuição de sentido é o que, em primeiro lugar, difere os processos de consumo, recepção ou usos da mera exposição a um meio. Ainda, Cantú e Cimadevilla criaram um gráfico com o objetivo de tornar visíveis tais relações. Nesse, usos estão contidos em recepção, que está contido em consumo. No entanto, embora se possa considerar um processo mais abrangente que o outro, não concordamos com esse jogo de ―estar contido‖ e ―conter‖, pois há diferenças entre os conceitos que os tornam ―paralelos‖ e não somente mais ou menos específicos.

Por sua vez, Toaldo e Jacks (2013, p. 7) avaliam que as pesquisas de consumo midiático se interessam em saber ―o que os indivíduos consomem da mídia (meios e produtos/conteúdos), a maneira com que se apropriam dela (do que consomem – como a

utilizam) e o contexto em que se envolvem com ela (lugares, maneiras, rotinas...)‖. Diferentemente da recepção, ―essa dimensão não envolve, porém, a análise de respostas dos receptores aos conteúdos de um programa específico‖. Além disso, conforme as autoras, os estudos de consumo observam aspectos mais amplos do fenômeno da relação com a mídia que os estudos de recepção, uma vez que focalizam a relação com os meios e não com mensagens específicas. Nessa investigação da relação com os meios, importa a presença da mídia no cotidiano do público e seu modo de pautar tempos, espaços e percepções.

Segundo Martín-Barbero e Téllez (2006), deslocar-se do conceito de recepção ao de consumo cultural, como ocorre na década de 1990, ajuda a superar diversos desentendimentos. Para os autores, investigar o consumo cultural significa entender como os grupos competem pela apropriação de produtos sociais, distinguindo-se uns dos outros, e como compartilham sentidos por meio de rituais cotidianos.

García Canclini (2006, p. 60) e sua definição de consumo – entendido como ―o conjunto de processos socioculturais nos quais se realiza a apropriação e os usos dos produtos‖ – são recorrentemente citados no campo da Comunicação. O autor vai contra a ideia de consumo como um ato irracional, no sentido que o relaciona com ―consumismo‖. Conforme o argentino, no consumo cultural, prevalece o valor simbólico, importantes para a constituição identitária, visto que a identidade ―configura-se no consumo, depende daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir‖ (Ibid., p. 30).

Cabello (2007, p. 179-180) apropria-se do conceito de Canclini para realizar uma pesquisa de consumo de jogos online na periferia de Buenos Aires. Para a autora, consumo cultural se

refere à especificidade do bem cultural em sua (ao menos) dupla dimensão: aquela que remete a sua circulação dentro de um dispositivo industrial e comercial e aquela que supõe um vínculo de coprodução de significado entre o autor e seu público (Landi, 1990). Entendeu-se também o consumo como um conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos culturais em geral e midiáticos em particular, onde a dimensão simbólica configura o valor de uso e o valor de troca do produto (García Canclini, 1992; Mata, 1993).

Um conceito que, com frequência, está relacionado ao de consumo cultural é o de usos sociais. De Certeau, primeiramente, e Martín-Barbero, posteriormente, empregam e difundem tal conceito. Para de Certeau (2012, p. 39), o estudo dos usos engloba aquilo que os sujeitos ―fabricam‖ ao consumir determinado produto cultural. Os usos sociais seriam a produção cultural a partir do consumidor, ―silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com

produtos próprios, mas nas ‗maneiras de empregar‘ os produtos impostos por uma ordem econômica dominante‖.

Em sua apropriação do conceito, McQuail e Windahl (2003, p. 122) definem uso como o ―processo interativo, que relaciona o conteúdo dos meios com as necessidades, percepções, papéis e valores individuais e com o contexto social em que uma pessoa está situada‖. De maneira semelhante, Cabello (2007, p. 179) expõe que a ideia de uso ―faz referência à utilização, em termos de atribuição de sentido, que os sujeitos fazem da recepção de produtos dos meios em relação com suas práticas cotidianas‖.

Na Enciclopédia Intercom de Comunicação (2010) e no Dicionário da Comunicação (2009), obras nacionais recentes que trazem verbetes importantes para o campo, o conceito de Usos/Usos sociais não aparece. Além disso, não há a preocupação de diferenciar termos como Consumo e Recepção. No caso da apresentação do vocábulo ―Consumo Midiático‖ na Enciclopédia Intercom, as primeiras obras de Morley são citadas como exemplos de estudos de consumo, sendo que, para nós, ―The Nationwide Audience‖ (1980) é um dos principais representantes dos estudos de recepção, visto que o foco está na decodificação de um texto/programa específico, algo bastante próximo ao que Jensen e Rosengren (1990) chamam de ―audiência-com-conteúdo‖.

Além de entender que a mídia permeia de maneiras diversas a vida em sociedade hoje, os estudos de identidades, levando em conta que ―somos constituídos através do consumo da mídia‖ (ANG, 1996, p. 52), interessam-se por investigar o papel dos meios de comunicação de massa nos processos de negociação e reelaboração das identidades sociais na contemporaneidade.

As narrativas midiáticas constituem e desenvolvem ―um rico repertório de objetos, estímulos, sugestões, para a atividade de elaboração de imagens sobre si mesmo e sobre o mundo, já reconhecida como parte essencial dos modernos processos de construção da identidade‖ (LOPES, 2004, p. 131). Desse modo, assim como se reconhece o papel de instituições sociais, como família, escola e igreja; da nação; do pertencimento de classe, etc., na conformação de identidades, é mister que hoje também se perceba e se investigue o papel da mídia nesse processo.

A compreensão de Hermes (1999, p. 71) mostra-se coerente para pensar os estudos de identidade no âmbito dos estudos de comunicação de massa.

A construção de identidade é aqui definida como um processo sociológico em vez de um psicológico. Mais especificamente, a construção de identidade tem de ser entendida como um processo de produção de sentido, segundo o qual as identidades individuais são formadas como um resultado da

interacção social com base em ou fazendo uso de fontes culturais de produção de sentido.

Alamo (2006, p.178) salienta uma mudança de foco nos Estudos Culturais a partir dos anos 1980, quando se verifica um interesse crescente pelos estudos de identidades, sejam étnicas, de gênero, de geração, etc. ―Em meados dos anos 80, começa uma espécie de investigação cultural, que não será todavia de ‗consumos culturais‘, mas sim de ‗identidades culturais‘‖. Diagnostica, nesse momento, ―a origem de uma importante sucessão de investigações nas quais prevalecem as diferenças sobre as desigualdades, as identidades sobre as classes.‖Embora a tendência tenha sido esse deslocamento, não é apropriado colocar em oposição os estudos de identidades e a investigação sobre classes sociais, pois é também possível fazer investigação sobre as classes sociais enquanto identidades culturais64.

Caroline Dover (2007) destaca que as pesquisas de mídia que têm tratado da questão das identidades são, preponderantemente, estudos de representações textuais, e não pesquisas empíricas com audiência. A autora desenvolve um estudo focado na formação e negociação das identidades de jovens, explora o valor simbólico da mídia e da cultura popular para consumidores adolescentes. Dover considera que estudos como o proposto por ela, em que há um engajamento com a vida diária dos sujeitos e o reconhecimento do papel da mídia nessa, servem como complementação a estudos de audiência que investigam leituras de textos, não como substituição.

Posto isso, buscamos resumir cada uma das referidas correntes, tendo consciência de que as distinções são, muitas vezes, sutis e, mesmo, que há uma sobreposição de condutas entre as pesquisas, uma vez que aspectos como o contexto social e cultural do indivíduo é um aspecto relevante em qualquer investigação empírica de audiência. Assim, temos:

a) análise de recepção: interessa-se pela relação do público com as mensagens e as respostas a um texto específico (que pode ser um programa ou gênero), sendo importante a análise dessa mensagem a que a leitura se refere;

b) consumo midiático: focaliza a relação do público com os meios ou com um gênero, sem atentar para a decodificação de mensagens específicas. Preocupa-se em estudar

64 Como aponta Murdock (2009, p. 42), o campo foi dominado pelo interesse em gênero, sexualidade, etnia, etc., qualquer coisa, menos classe. ―Estes outros discursos tornaram-se um grande foco de estudo dentro dos estudos culturais, levando muitos escritores a esquecer sobre classe. [...] Em muitos relatos, a classe transformou-se em uma categoria que já não se atreve a pronunciar o próprio nome‖.

como o contexto do receptor afeta a experiência midiática e como essa impacta o