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A QUESTÃO DO USO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO NA PRODUÇÃO DE CALÇADOS

Vistos os riscos presentes na produção de calçados, é importante adentrar o tema dos treinamentos de segurança e técnico nas fábricas e o uso dos equipamentos de segurança. Os trabalhadores do calçado estão expostos a vários fatores que causam riscos a sua saúde como

os ruídos intensos, os produtos químicos, a inadequação do ambiente de trabalho e a temperatura excessiva. Esses fatores contribuem para o adoecimento e para os riscos de ocorrências de acidentes de trabalho.

De acordo com a Norma Regulamentadora (NR 6), considera-se equipamento de proteção individual (EPI) “todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho” (BRASIL, 2001d).

Segundo essa norma, as empresas são obrigadas a fornecer aos trabalhadores os equipamentos adequados para utilizarem em seus trabalhos. Porém, conforme os relatos dos trabalhadores, as indústrias de calçados de Franca oferecem apenas o primeiro equipamento, como no caso do protetor auricular, e o segundo tem que ser adquirido pelo próprio trabalhador. Mesmo as empresas que oferecem os equipamentos, muitas não orientam ou não treinam seus trabalhadores sobre como devem ser utilizados esses equipamentos, não esclarecendo, desta forma, a sua importância, nem tampouco os benefícios do uso para a proteção dos funcionários.

Como medida de prevenção, algumas empresas oferecem alguns equipamentos de segurança. Os trabalhadores usam os EPIs adequados de acordo com as exigências de suas funções. Porém, nem todas as fábricas fornecem esse tipo de proteção. Os trabalhadores revelaram os tipos de equipamento que as fábricas oferecem para a realização de seus trabalhos.

Só o protetor de ouvido. Protetor todos são obrigados a usar. Quem não usa eles chamam o chefe para explicar que não pode. Eles não querem problema de jeito nenhum. O protetor de ouvido é macio, confortável; as luvas são de borrachas. São bons, não tem do quê reclamar, apesar de eu não ter usado muito. [...] Tem muita gente que não gosta de colocar, porque com a sua mão, você pega com mais jeito, agora com a luva escorrega (F. E. S. A.). Protetor auricular e os óculos. Só que eu uso óculos de grau, então eu não uso o óculos de proteção. (...) Já aconteceu de gente fazendo a mesma função que a minha e voar pedaço de agulha perto do olho, se a agulha quebrar. Até então, na minha função não tinha os óculos, aí depois disso, começaram a pedir os óculos de proteção. [...] São muito falhos. O protetor de ouvido, por exemplo, ele é introduzido no ouvido. A maioria das pessoas disfarça que está usando. A máscara, das meninas que usam cola, só usam quando algum responsável passa para fiscalizar. Ninguém usa. Luva, só se o material começar a cortar a mão da pessoa para começar a usar. Mas a consequência é de cada um, eles estão prejudicando eles mesmos. Muitas vezes, a pessoa entra em uma empresa, aí chega a menina do departamento e fala: “olha, está aqui seu protetor, sua máscara, você tem que usar”, mas não justifica o porquê ela tem que usar, nem como e nem quais as consequências na vida dela. Os chefes cobram, mas não é tanto, eles cobram mais a produção (N. S. S.).

O único equipamento que tinha era o protetor auricular, só que não era obrigado a usar. Eles falavam que o barulho na empresa era pouco, então, não obrigavam a usar. Quase ninguém usava [...] eu usava porque o barulho da máquina era muito forte, como eu já tinha um problema no ouvido por causa do barulho, então eu usava. [...] Se for equipamento de qualidade ajuda sim, dá para prevenir muita coisa (A. L. S.).

O que eu usava era só protetor auricular, por ser pespontadeira. Eu acho muito importante até mesmo para a nossa saúde. (...) eu sei que incomoda, só que você tem de se conscientizar que você está usando tudo aquilo é para o seu bem. (...) equipamento de segurança é para você trabalhar (I. I. G.). Eu uso só o protetor auricular. Eu adoro essas coisas, gosto de saber o jeito certinho de usar. Só não uso os óculos porque não são todas as fábricas que dão e também porque eu já uso o meu (...) às vezes, a gente esquece os óculos em casa, aí tudo acontece. Um dia caiu um pedaço de agulha no cantinho do meu olho. Aí, eu fui ao banheiro, jogar uma aguinha. (...) É um risco muito grande. Muitas pessoas não gostam de usar os protetores; não gostam de usar óculos. (...) onde eu trabalhava antes, tinha palestras, deixava as pessoas sabendo do risco que ela estava correndo. Como nessa fábrica que eu trabalhei agora, era de pequeno porte, não tinha equipamentos (C. K. F. L.).

Eu usava o protetor auricular e quando eu estava colando peça, a máscara. [...] Tem vez que eu acho que é bom, tem vez que não, porque aquele negócio do ouvido tem hora que incomoda e a máscara também, eu mesma tenho falta de ar (...) (L. L. M.).

Bastante barulho. Tem um compressor enorme. Tinha protetor, máscara, mas geralmente nem usa. Eles deram um “kit” para cada um e fizeram a gente assinar uma responsabilidade se a gente não usasse, o problema era nosso. Mas ninguém usava, nem mesmo o próprio dono que trabalhava lá usava. E trabalhar de máscara não é fácil, não tem como. Pouca gente usava o protetor (S. A. B.).

Os trabalhadores revelaram aspectos importantes acerca da organização do trabalho, em relação às medidas de proteção dentro das fábricas. Visto que muitas empresas oferecem os equipamentos, alguns trabalhadores afirmaram usar, principalmente os protetores auriculares, as luvas e as máscaras, porém quando ingressam na fábrica receberam os equipamentos sem nenhuma orientação do porquê usá-los e qual a sua importância para a saúde, como explicado no depoimento de (N. S. S.). Em algumas fábricas, os trabalhadores não são obrigados a usarem os equipamentos, mas em outras sim, e muitos acabam usando os EPIs devido às advertências que as empresas dão àqueles que não os usam durante a jornada de trabalho.

Os trabalhadores apontam, como justificativa da não utilização dos EPIs, o incômodo que causam durante o exercício da atividade, afirmando que os protetores auriculares

incomodam o ouvido e dificultam a comunicação com outros trabalhadores. Outros têm falta de ar quando usam as máscaras, em caso de manusearem produtos químicos, e também o uso das luvas de proteção atrapalha na sensibilidade ao trabalhar com detalhes do calçado. Outra questão importante é a consciência dos trabalhadores sobre os riscos presentes na produção de calçados, e muitos comentaram sobre os perigos a que estão expostos sem o uso da proteção, principalmente no caso das pespontadeiras, que não utilizam os óculos, e muitas revelaram que a agulha quebra com frequência, podendo atingir os olhos.

Prazeres (2010), em seu estudo sobre o trabalho com pespontadeiras terceirizadas, encontrou uma situação ainda mais agravante, em que as mulheres que trabalham nessa função e exercem suas atividades em domicílio, não fazem uso de nenhum tipo de proteção por não ser fornecido pelas indústrias para as quais prestam seus serviços.

Mesmo sabendo dos riscos e da importância para a saúde em relação ao uso de medidas de proteção, alguns trabalhadores confirmaram que não usam adequadamente os EPIs, disfarçando, muitas vezes, para não receberem advertência por parte da gerência. Desta forma, os depoimentos revelaram a opinião dos trabalhadores sobre os equipamentos de segurança utilizados no seu trabalho. Muitos trabalhadores salientaram que os equipamentos incomodam em vez de ajudarem na proteção de sua saúde.

(...) o equipamento é necessário. [...] nem sempre. (...) o certo de ser usado é você colocar até no fundo do ouvido para você não ouvir nada. Eu não coloco, eu só coloco um pedacinho só, para falar está ali. Ninguém coloca inteiro [...] você trabalha com pessoa, a pessoa te chama (...) você não vai ouvir (...) em todas as fábricas vai estar assim na beiradinha do ouvido só para falar que está ali, mas ninguém usa protetor auricular certo, da maneira que tem que usar. (...) eu levei até advertência, porque às vezes você esquece (...) (P. H. R.).

(...) tem que usar, porque eles dão advertência. (...) porque é um direito deles (...). Todo mundo chega e já coloca [referindo-se ao protetor auricular]. (...) Tem que usar mesmo, hoje em dia não pode dar problema de saúde, mas amanhã pode, pode ficar surdo. Pode acontecer de você não estar de óculos e cair uma agulha no seu olho e você ficar cego (T. B. S.).

O protetor de ouvido eu acho que não é eficaz. Tinha que ser de outro tipo, porque a gente usa aquele que enfia lá dentro, você usa, o primeiro eles dão, o segundo você tem que comprar. Aí você usa aquilo lá no ouvido, dá bactéria. Eu mesmo tenho dor de ouvido quando eu uso aquilo lá. Eu tenho que colocar de levinho, um pouquinho para trás. Eu acho que isso deveria ser estudado de outra maneira, porque é uma borrachinha e enfia lá dentro da orelha. Tem gente que fala que dá coceira, dói (S. A. B.).

(..) razoável, assim tem uns que nem dão proteção assim tanto, porque aquelas máscaras são horríveis de usar. É uma proteção? Deve ser (...) para

você não ficar respirando, mas aquilo lá é horrível, aquilo vai te esquentando, eu não suporto muito usar, porque assim, vai me dando aquela falta de ar. Eu sinto aquela fobia. Então assim, usa porque você é obrigado a usar, você tem que usar, mas é horrível (H. C. S.).

Não resolvia. Protetor auricular, eu usava aquele interno e depois tipo concha e hoje eu tenho um zumbido no ouvido constante. E isso já é uma lesão, mesmo eu usando os dois protetores, de tão forte que é o barulho (...) eu trabalhava com tudo isso e o essencial para proteger a minha coluna, só que custa caro, ele protege, não permite que você se dobre, eu não tinha (A. S.).

Nos depoimentos acima, os trabalhadores relataram suas opiniões sobre os equipamentos de proteção. Muitos alegaram usar devido às advertências que a fábrica dá pelo não uso desses equipamentos, porém os trabalhadores revelaram que eles mesmos e outros funcionários apenas colocam o protetor de ouvido, de forma incorreta, para os chefes-de- -sessão verem que estão utilizando, não tendo assim uma fiscalização da utilização correta desses equipamentos.

No último depoimento, o trabalhador revelou ter usado dois tipos de equipamentos para a proteção no ouvido e mesmo assim não preveniu de ter, hoje, um constante zumbido no ouvido, porém, aquilo que era mais importante para proteger a sua coluna, uma faixa ergométrica, não foi oferecido pela empresa, causando-lhe uma séria lesão na coluna por falta desse equipamento de proteção. Em outros depoimentos, eles revelaram saber da importância e dos problemas que podem trazer à sua saúde no futuro, por isso, alguns trabalhadores relataram que usam adequadamente os EPIs para a prevenção de acidentes e doenças futuras.

Muitos acreditam que eles não sejam eficazes e adequados, ou seja, não servem como medidas de proteção. Tendo essa opinião acerca dos equipamentos, somados a outros fatores, como o desconforto durante o uso e a desinformação sobre a importância da utilização e as consequências para a saúde, os trabalhadores deixam de usar os EPIs de forma correta ou não utilizam esses equipamentos.

Cabe fazer uma ressalva de que a utilização dos equipamentos de proteção não elimina os riscos presente no ambiente de trabalho. Algumas empresas fornecem os equipamentos de segurança, porém as condições de trabalho ainda continuam inadequadas, interferindo na saúde do trabalhador, mesmo utilizando algumas medidas de prevenção, como o protetor auricular, máscaras, luvas, outros riscos estão presentes e podem interferir na sua saúde física e psíquica.

O equipamento de proteção individual não é o único recurso a ser utilizado na proteção do trabalhador. O importante é permitir que o trabalhador trabalhe em condições de trabalho

adequadas, longe dos riscos que causam consequências à sua saúde, tendo, assim, um ambiente com condições propícias à realização do exercício laboral, preservando, desta forma, a saúde do trabalhador e o meio em que ele trabalha.

Além dos equipamentos de proteção individual, há também os equipamentos coletivos (EPC), que são dispositivos utilizados no ambiente de trabalho com o objetivo de protegerem os trabalhadores dos riscos inerentes aos processos, “tais como o enclausuramento acústico de fontes de ruído, a ventilação dos locais de trabalho, a proteção de partes móveis de máquinas e equipamentos, a sinalização de segurança, dentre outros” (PANTALEÃO, 2010, p. 01).

Desta forma, algumas empresas, que oferecem aos trabalhadores equipamentos de proteção individual, muitas vezes não atentam para os equipamentos coletivos no ambiente de trabalho, deixando os trabalhadores expostos aos riscos, ou seja, os equipamentos individuais não eliminam os riscos de ocorrência de acidentes e nem de algumas doenças relacionadas ao trabalho. É importante eliminar os riscos presentes dentro do ambiente laboral, adequar as condições de trabalho e oferecer equipamentos que protejam os trabalhadores de riscos, sejam eles, individuais ou coletivos.

De acordo com Dejours (1992), são eficazes apenas as medidas de proteção chamadas de proteções coletivas, porém apenas propõem-se aos trabalhadores medidas de proteção individual, que podem ter um caráter material, como dispositivos de proteção, ou um caráter psicológico, como as regras de segurança. “Às vezes, o próprio risco continua, sem que nenhuma prevenção seja colocada à disposição dos operários” (DEJOURS, 1992, p. 64).

De acordo com a norma regulamentadora (NR 4), os serviços especializados em engenharia de segurança e em medicina do trabalho têm “a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho”53 (BRASIL, 1983a). A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA (NR 5) tem como objetivo “a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador” (BRASIL, 1999b). A CIPA é uma comissão composta por representantes do empregador e dos empregados, tendo como atribuições identificar os riscos no processo de trabalho, elaborar o mapa de riscos, com a participação do maior número de trabalhadores, com assessoria do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT); elaborar plano de trabalho que possibilite a ação preventiva na solução de problemas de

53 O dimensionamento dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho vincula-se à gradação do risco da atividade principal e ao número total de empregados do estabelecimento (BRASIL, 1983a).

segurança e saúde no trabalho, etc. Desta forma, a CIPA tem a missão de preservar a saúde e a integridade física dos trabalhadores.

A questão da segurança no trabalho dentro das indústrias de calçados é um tema importante a ser discutido, pois através dos depoimentos dos trabalhadores ficou explícito que eles não têm nenhum tipo de treinamento de segurança ou técnico. Assim, faz-se importante destacar esse tema dentro do próximo tópico.

6.4 OS TREINAMENTOS TÉCNICOS E DE SEGURANÇA NO TRABALHO COM