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LEITURA DO ESPAÇO PRÉ ESCOLAR: CEI JARDIM LAPENNA

2.2 O Espaço Pré-Escolar: Ambiente de trabalho

2.2.2 Questões de Gênero

Outra referência encontrada e recomendada na banca de qualificação foi a dissertação de Rosmari Pereira de Oliveira (2014) Entre a Fralda e a Lousa: Um estudo sobre identidades docentes em berçários, na qual a autora aborda aspectos de identidade, cultural, gênero e poder no contexto docente, tendo como estudo de caso a relação dos professores com a prática docente do CEI Freireano, na cidade de São Paulo. Esse trabalho auxiliou no direcionamento do olhar e das entrevistas para a pesquisa de campo na CEI Jardim Lapenna I, em São Miguel Paulista.

Oliveira (2014) utiliza-se do referencial teórico para entender as relações que as instituições de ensino têm com as questões de gênero e sexualidade no papel docente voltado ao ensino infantil.

No CEI Jardim Lapenna I, em especial o corpo docente e administrativo, são majoritariamente composto por mulheres, não somente por uma questão de oferta de trabalho, mas por um posicionamento da gestão, visto as dificuldades que

102 encontraram em justificar para a comunidade a presença de homens na docência infantil.

Segundo Oliveira (2014), o CEI ou a Educação Infantil, principalmente a docência em berçários, são territórios prioritariamente femininos formados pela história e pelo papel da mulher na sociedade e na família, o que causa a estranheza e, por vezes, a repulsa da presença masculina em um ambiente de cuidado de crianças tão pequenas.

A autora cita as discussões em torno da visão cultural, seja da instituição, da sociedade ou da família, segundo a qual se considera a professora como um ser assexuado, uma figura materna, quase angelical, digna de plena confiança, diferente do professor, que apresenta uma ameaça sexual para as crianças pelo simples fato de pertencer ao gênero masculino. (OLIVEIRA, 2014, p.81-82)

Oliveira (2014) fala sobre o dilema que alguns professores enfrentam quando se propõem a desenvolver o professorado na Educação Infantil.

“[...] vivia, assim, um dilema, cumprir as suas atribuições com relação à higiene das meninas e levantar suspeitas sobre a

sua idoneidade e um possível

comportamento pedófilo, ou evitar esse contato e ser considerado um profissional incompetente ou descomprometido.” (OLIVEIRA,2014,p.84)

Assim como o CEI Freireano, o CEI Jardim Lapenna I também apresenta nos discursos das professoras e diretora justificativas por vezes contraditórias para a ausência de professores do sexo masculino no exercício docente para Educação Infantil.

“Eu não contrato professor homem. Por quê? É um bairro perigoso, né? É um bairro que os pais falam das professoras. Imagina se eu colocar um professor homem? Já tive acusações absurdas nesses três anos que eu estava aqui com professora, imagina a cabeça de um pai vendo o filho, limpar bunda, trocar fralda, né? Um professor fazer isso, é estranho

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[...] Então, eu prefiro trabalhar com mulheres nessa área. Embora me dê um pouquinho de trabalho por conta, né, da família, das coisas que mulher tem doença, não tem jeito, mas pelo menos eu sei que ali eu não preciso me preocupar.” (Diretora, CEI Jardim Lapenna I, 12/04/2018)

O discurso da Diretora justifica a ausência de professores do gênero masculino no CEI Jardim Lapenna I por causa da dificuldade que os pais têm ao ver seus filhos serem “tocados” por um homem que estaria desempenhando suas atribuições no cuidado de bebês.

Por outro lado, por não lhe faltar alternativas, se vê obrigada a contratar mulheres, que têm “doenças”, ou seja, que se ausentam do trabalho por mais vezes, mas que são aceitas no cuidado de crianças pequenas pela comunidade, ainda que com restrições.

A frase “mulher tem doença” na fala da Diretora do CEI, pode justificar-se não porque as mulheres têm mais doenças que os

homens, mas pelo fato de desempenharem tarefas extracurriculares, no cuidado da casa, dos filhos, acabam se desgastando mais física e emocionalmente.

Nessa data havia três professoras afastadas, uma por licença maternidade, outra por uma cirurgia de retirada do útero e outra por causa de uma afonia. Dois dos motivos de afastamento estão diretamente ligados ao gênero feminino. Os discursos das professoras são mais polidos. Algumas defendem que os professores podem exercer as mesmas atribuições que uma mulher no ensino infantil, enquanto outras, apesar de acreditarem na igualdade do exercício profissional entre gêneros, por causa do preconceito da sociedade e pelo contexto do bairro, defendem que o mais adequado seria professores assumirem salas com crianças maiores, por não exigirem tanto o cuidado e a manipulação do corpo, o que deixaria a comunidade mais satisfeita.

a) Professora do Minigrupo I que defende o profissionalismo e não acredita que o cuidado de crianças pequenas seja uma habilidade exclusivamente feminina.

104 “[...] eu acredito que é a mesma

capacidade que a mulher tem, o homem também tem de desenvolver como educador, porque aqui a gente não vai muito essa questão do gênero. “Ah, eu sou homem, sou mulher”, mas a questão do profissionalismo, da responsabilidade com a criança e com a educação.” (Professora Minigrupo I, CEI Jardim Lapenna I, 04/04/2018)

b) Professora do Infantil II que, apesar de achar que os homens têm a capacidade de exercer a docência infantil e suas atribuições, admite ser uma realidade distante dos CEIs conveniados, cuja contratação depende da gestão e não de concurso.

“[...] eu acho que a sociedade em si, todas as creches a aceitação dos pais não tem tanta, por causa que, por ser machista, acha que um homem vai mexer, olhar a criança de outra jeito, entendeu? Não que isso vá acontecer, não sei. Não sou um homem, eu nunca tive, mas no Face... eu

tenho, faço um grupo, faço parte de alguns grupos e tem vários professores homens concursados, né? Que fazem na Educação Infantil, agora, de conveniada, eu nunca vi.” (Professora Infantil II, CEI Jardim Lapenna I, 04/04/2018)

c) Professora do Infantil II defende que os professores seriam aceitos com maior facilidade no ensino infantil para trabalharem com crianças maiores.

“É... mas por exemplo, se fosse um professor homem aqui, acho que não ficaria com os menores, tipo berçário I, berçário II, ou minigrupo I... minigrupo II. Infantil I e Infantil II, eu acho que ficaria assim. Acho que a comunidade ficaria mais a vontade.” (Professora Infantil II,CEI Jardim Lapenna I,04/04/2018)

d) Professora Minigrupo I defende a igualdade de gênero em qualquer faixa etária e na execução das atribuições do cuidar e educar, justificando que a universidade

105 capacita esse profissional para desempenhar seu papel docente.

“Eu acredito que não, porque assim, a mãe já vem com essa bagagem, né, mas tem a formação para o homem, tem a formação acadêmica, então prepara, a formação acadêmica prepara ele pra lidar com determinadas situações. Então, eu acredito que por não ser muito procurada por homens, né, a maioria das mulheres, mas eu acredito que se os homens procurassem mais, essa questão de, da pedagogia, né, da área da educação e, se envolvesse mais, com certeza seria igual, porque o profissionalismo precisa ser o mesmo, né? Eu conheço muito professor que é muito competente no que ele faz, então, eu acho que é uma questão

profissional mesmo.” (Professora

Minigrupo I, CEI Jardim Lapenna I, 04/04/2018)

Pelos depoimentos conclui-se que, embora a formação acadêmica prepare para o exercício docente, há uma necessidade de buscar uma complementação na formação para lidar melhor com a realidade da sala de aula, no desempenho do ensino para crianças pequenas. Também a prática foi colocada como aprendizado para lidar com cada criança, seja na maternidade, com familiares ou na sala de aula.

Oliveira (2014) relata a dificuldade de um professor do berçário em aprender a trocar fraldas, sendo necessário observar as colegas de trabalho com maior experiência e buscar orientações em guias de maternidade; esses são os “truques do ofício” a que Tardif (2000) se refere, afirmando que são desenvolvidos na vivência da situação de trabalho. Saberes que não são ensinados na universidade e que têm relação com a manipulação do corpo, com o cuidado, também presentes na área médica, de saúde e de enfermagem.

Observa-se na vivência escolar certa hierarquia e relação de poder que interfere na vivência pessoal das professoras.

106 Principalmente pela plenitude feminina no corpo docente e as implicações no trabalho e funcionamento do CEI.

A Diretora explica a preferência em contratar professoras com filhos maiores para evitar ausências por manutenção do cuidado e saúde da família e utiliza de seu poder e hierarquia para gerenciar o afastamento das professoras mais novas para a maternidade.

“Eu falo para as professoras assim: Pelo amor de Deus, se vocês forem engravidar, pensem no ser humano que vai ficar pra trás, entendeu? Engravide uma por ano que é mais fácil, sabe? (risos). Então, eu tenho uma professora que tá doida pra engravidar. ”Espera o ano que vem. Deixa a outra voltar, aí você engravida o ano que vem”, você entendeu? (risos). Porque infelizmente, é claro que são poucas, né? A gente já tá trabalhando, tem pessoas aqui que já tem filhos, é...eu não gosto de contratar “ah porque você tem filho, você não tem filho...”Filho faz parte da vida da

gente, entendeu? Eu acho importante a pessoa ter uma família, até porque eu acho que quem não tem filho não consegue ser um bom professor. Ela tem que se relacionar com uma criança, mas é claro que eu tenho aquelas professoras novinhas que entraram agora, tenho. E é uma professora muito amorosa, mas você percebe que ela é amorosa com a criança daqui, porque ela é amorosa com a sobrinha, entendeu? Então é tudo assim. É um ciclo.” (Diretora, CEI Jardim Lapenna I, 12/04/2018)

Questões de poder no exercício dos cargos de chefia ou liderança, podem ser identificadas de forma implícita na frase:

”Espera o ano que vem. Deixa a outra voltar, aí você engravida o

ano que vem.” (Direto, CEI Jardim Lapenna I, 12/04/2018).

Mesmo que de forma carinhosa ou sutil, o gerenciamento da Diretora na manutenção da constância do corpo docente acaba por invadir as decisões pessoais das professoras que ali trabalham, como o momento de ter um filho.

107 A manutenção da constância do corpo docente no CEI acaba também por definir a contratação de professoras mais maduras, o que não significa mais experientes no exercício profissional; a maioria das professoras entrevistadas tem idade superior a 35 anos e estão concluindo ou concluíram os cursos de pedagogia recentemente.

“Mas eu sou meio cismada em pegar funcionárias com crianças de três, quatro meses, porque eu sei que eu não vou ter aquela funcionária assim diariamente, porque filho tem consulta, filho tem isso, filho tem aquilo. A criança depois de três anos eu já fico mais feliz, eu já fico mais tranquila, mas até os três anos eu sou meio cismada.” (Diretora, CEI Jardim Lapenna I, 12/04/2018)