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LEITURA DO ESPAÇO PRÉ ESCOLAR: CEI JARDIM LAPENNA

2.2 O Espaço Pré-Escolar: Ambiente de trabalho

2.2.1 Saberes Profissionais

As referências bibliográficas encontradas sobre o tema adotam a perspectiva da formação dos docentes, remuneração, rotina, mas poucas abordam o ambiente de trabalho desses profissionais como um parâmetro de qualidade para o ensino infantil.

Embora seja de extrema importância o currículo de formação dos profissionais do ensino pré-escolar, a prática também traz é significativa no aperfeiçoamento da teoria, testificando-a e/ou confrontando-a, trazendo novas perspectivas e retroalimentando o conhecimento científico sobre o ensino e sua prática.

Maurice Tardif (2000) fala sobre a profissionalização do ensino em Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários, no qual explana sobre a importância da formação contínua e continuada após a primeira formação acadêmica.

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“Os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte, uma formação contínua e continuada. Os profissionais devem, assim, autoformar-se e reciclar-se através de diferentes meios, após seus estudos universitários iniciais.” (TARDIF, 2000, p.7)

Tardif (2000) também aponta estudos sobre a epistemologia da prática profissional, a qual se denomina como o estudo de um conjunto de saberes dos quais o profissional realmente utiliza em seu ambiente de trabalho para executar suas tarefas cotidianas. (TARDIF, 2000, p.11)

O autor defende que esses saberes englobam uma amplitude de conhecimentos, competências, habilidades individuais, aptidões e atitudes que caracterizam o “saber-fazer” e o “saber-ser”, e estes estão diretamente ligados à identidade desse profissional. (TARDIF, 2000, p.12)

A habilidade feminina no cuidado de bebês adquirida pela experiência materna e outras habilidades não são adquiridas

através de estudos teóricos, mas pela vivência da prática do cuidar, resultando no saber-fazer.

“A visão muda a gente trabalhando, né? Dentro da sala, a gente vê que é tudo. Quando a gente é como mãe a gente vê de um jeito e quando a gente é professor, a gente também trabalha como se fosse mãe ali com carinho [...] Você quer cuidar da criança igual você cuida do seu filho, entendeu? Você tem aquele cuidado. Eu pelo menos trabalho assim.” (Professora Infantil I, CEI Jardim Lapenna I, 12/04/2018)

O autor ainda fala que os saberes profissionais estão intimamente ligados ao trabalho, às situações reais de ensino e ao professor. Por tanto, as pesquisas na área da educação devem considerar o profissional, sua prática e seus saberes, pois compõem um conjunto na situação de trabalho, e se transformam e evoluem mutuamente. (TARDIF, 2000, p.11) Segundo uma das professoras entrevistadas do CEI Jardim Lapenna I, algumas circunstâncias de trabalho são bem

98 diferentes da teoria adquirida na universidade e só foram percebidas através da prática, da vivência em sala de aula. Quando perguntada se mudou alguma coisa com a experiência, referente à sua prática profissional, ela respondeu:

“Sim, porque na faculdade, né, a gente estuda a teoria, é um pouco de estágio, mas na prática você vai conhecendo cada criança vai conhecendo o ambiente, a como lidar com as crianças, também a ajuda profissional das colegas, é muito gratificante. Então, a prática é muito boa, claro que tem a teoria pra atrelar tudo isso, né, porque a teoria faz você pensar na prática. Então você pensa a prática e a teoria você reflete tudo sobre o seu trabalho, projetos.” (Professora Minigrupo I, CEI Jardim Lapenna I, 04/04/2018)

A mesma professora sentiu a necessidade de se especializar em psicopedagogia para entender melhor o desenvolvimento da criança e para se comunicar melhor com eles através da

leitura dos gestos e do comportamento, já que os seus alunos ainda não falam.

Há também o interesse no aperfeiçoamento para adquirir uma posição melhor na profissão, conforme fala a mesma professora, justificando a busca pela especialização.

“É, então, eu senti necessidade de fazer esse curso, né, até mesmo pra, porque trabalha com desenvolvimento. Que a psicologia é entender o pensamento, o desenvolvimento da criança para poder trabalhar melhor, porque tem criança na CEI, por exemplo, tem criança que não fala, né, então, precisa ter um olhar muito voltado pro gesto, o que... o movimento, até o movimento da criança o professor precisa perceber o que ele quer, porque muitas vezes a criança ainda não fala. Então eu senti essa necessidade e também a diretora, ela incentiva muito a gente a estudar, né, caso, é... promoção de concurso, pra fazer concurso, essas coisas, ela incentiva bastante os

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professores a fazer curso.” (Professora Minigrupo I, CEI Jardim Lapenna I, 04/04/2018)

Tardif (2000) fala que há uma distância entre os saberes profissionais e os conhecimentos universitários, que devem ser filtrados, diluídos na execução do trabalho e reativados à medida que forem necessários.

“Desse ponto de vista, a prática profissional nunca é um espaço de

aplicação de conhecimentos

universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho; ela é, na pior das hipóteses, um muro contra o qual se vêm

jogar e morrer conhecimentos

universitários considerados inúteis, sem relação com a realidade do trabalho docente diário nem com os contextos de exercício da função docente.” (TARDIF, 2000, p.12)

Nesse sentido, o próprio contexto em que estão situadas as instituições e o perfil da comunidade configuram situações novas que não se resolvem apenas com os conhecimentos universitários, a exemplo, são as relações interpessoais, essenciais na motivação e envolvimento da criança e da família nas atividades pedagógicas.

Ainda sobre os saberes profissionais, o autor fala que esses são adquiridos ao longo do tempo e refletem as experiências que os profissionais adquiriram anteriormente, ou seja, experiências da própria vida familiar, escolar, de suas crenças e convicções sobre a prática docente e acabam sendo utilizados na prática docente para resolução de problemas profissionais. (TARDIF, 2000, p.13)

A exemplo está a solução para discórdias entre alunos, indisciplina, em que são replicadas as condutas das experiências da vida pessoal para resolver o problema na situação de trabalho, principalmente, como disse a professora do Infantil I do CEI Jardim Lapenna I, quando a profissional enxerga esse aluno como um filho, as experiências familiares refletirão também nas experiências profissionais.

100 Há também os saberes adquiridos nos primeiros anos do exercício docente, responsáveis pela estruturação da prática profissional, que, segundo o autor, desenvolvem um sentimento de competência e manipulação das rotinas de trabalho estabelecidas através de tentativas e erros. O conjunto dos saberes é caracterizado como o “saber experimental” que são as “certezas profissionais, os truques do ofício, rotinas, modelos de gestão”, adquiridas nessa primeira vivência em sala de aula. (TARDIF, 2000,p.14)

Essa certeza profissional através de tentativas e erros pode ser percebida na entrevista com a Diretora do CEI Jardim Lapenna I, em que se relata a experiência frustrada de um café da tarde em comemoração ao dia das mães oferecido pelo CEI. Na ocasião, foram realizadas as oficinas e logo após liberado o café da tarde; algumas mães, porém, ao terminar as oficinas mais cedo, começaram a colocar os aperitivos das mesas em sacolas para levar para casa. Ao final, a Diretora se viu constrangida por não ter mais o que oferecer para as mães que chegaram tardiamente.

“Festa junina a gente abre, mais a dança. Eu fiz uma vez aqui uma comemoração pro dia das mães, eu nunca mais. Eu fiz um café da tarde, não foi... (Coordenadora)? O café da tarde, lembra, em comemoração ao dia das mães? Eu passei vergonha aquele dia. Porque foi assim, tá você faz, as crianças foram pra sala, fizemos colar, as professoras fizeram colar e porta joia, participaram, fizeram. O... (Mantendedor) comprou tudo o que eu pedi, fez. Ai eu falei assim: ”Mãe, no finalzinho tem um café da tarde, né, homenagem do CEI a vocês”. A oficina que demorou um pouquinho mais, a mãe ficou sem comer, porque as mães que subiram... primeiro, puseram sacolinha... então, menina, eu não sabia o que fazer. Porque vieram todas, vieram, e eu não tinha o que dar mais para as mães que se atrasaram, que a oficina atrasou. Então eu não faço mais

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isso, uma vez basta.”(Diretora, CEI Jardim Lapenna I,12/04/2018)

Essa experiência fez com que a gestão decidisse não oferecer mais alimentação em dias festivos. Primeiro pela demanda, são mais de quatrocentas crianças, cada família possui mais de quatro integrantes, conforme afirma a Diretora; segundo pela condição social das famílias, muitas são carentes e não têm acesso a situações festivas como essas, tornando o serviço de buffet para eventos festivos inviável.

Tardif (2000) fala também que os saberes desenvolvidos ao longo de uma carreira podem passar por mudanças e fases, pois estão sujeitos às “dimensões identitárias e de socialização profissional”. Nesse sentido a instituição, o sistema escolar, as rotinas, a gestão, estabelecem certos padrões na vivência escolar e ambiente de trabalho aos quais o profissional precisa se adequar. (TARDIF, 2000,p.14)

“Em termos profissionais e de carreira, saber como viver em uma escola é tão importante quanto saber ensinar na sala

de aula.”(TARDIF, 2000,p.14)