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QUESTÕES DE VIDA E MORTE

No documento Amar É Sempre Certo 1 (páginas 165-170)

arlos Velasquez, de 31 anos, ficou ao lado do leito de hospital do pai, sondando os olhos dele, entreabertos e vazios, à procura de sinais de consciência. Tubos projetavam-se do nariz e da boca do homem mais velho. O aparelho ao lado da cama respirava ritmicamente por ele, pois o acidente de carro o deixara em coma e incapaz de respirar por si mesmo. Carlos visitara o pai todos os dias nas últimas cinco semanas. A condição do homem não se alterara. Se não fosse a máquina bombeando oxigênio em seus pulmões e o soro com nutrientes injetados em sua corrente sangüínea, o Sr. Velasquez já estaria morto.

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Maior do que o sofrimento íntimo de ver seu pai, antes tão viril, incapacitado, era o tormento de Carlos sobre o que fazer com ele. O Velasquez mais velho só tinha 51 anos. Em condições normais o homem teria mais vinte a trinta anos de vida para gozar com seus filhos e netos.

Uma parte de Carlos queria fazer todo o possível para manter o pai vivo até que "acordasse" e voltasse a viver como antes. Mas aquela não era uma circunstância normal. O Sr. Velasquez sofrera uma grave lesão no cérebro e os médicos ofereciam poucas esperanças de que recuperasse a consciência e muito menos de que pudesse reassumir a vida anterior.

Outra parte de Carlos queria dizer aquelas palavras finais, "Desliguem o respirador", e permitir que o amado pai descansasse em paz. A família estava dividida quanto à questão, deixando para Carlos a responsabilidade de resolver o assunto. Ele ansiava por saber qual era a escolha amorosa, a vida ou a morte.

A coisa mais difícil que desafia os cristãos comprometidos com a ética do amor hoje talvez seja como amar nas questões que envolvem vida e morte. Pode ser correto e demonstrar amor tirar deliberadamente uma vida humana? O amor chega a exigir o sacrifício de seres humanos?

O que dizer sobre aborto, eutanásia, suicídio, suicídio assistido, pena de morte e guerras? Esses são assuntos que provocam reflexão. Se o amor não oferecer soluções para questões de vida e morte como estas, ele é então uma ética impraticável.

NÃO MATARÁS

Tirar deliberadamente uma vida inocente jamais é um ato de amor como tal. "Não matarás" está tanto no Antigo quanto no Novo Testamento (Êxo. 20:13; Rom. 13:9). O apóstolo João escreveu a respeito dos assassinos, "a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte"(Apoc. 21:8). Pedro lembrou aos crentes: "Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino" (1 Ped.

4:15). Sob a lei, os que tiravam propositadamente a vida de outrem deviam ser executados (Êxo. 21:23). Depois que Caim matou Abel (Gên.

4:8), o homicídio tornou-se comum nas gerações posteriores até "a terra estava corrompida à vista de Deus, e cheia de violência" (Gên. 6:11).

Deus julgou o mundo mediante o dilúvio.

Quando Noé e sua família saíram da arca, Deus lhes deu a incumbência de reforçar que o assassinato é errado por meio destas palavras: "Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem"

(Gên. 9:6). O mal essencial do homicídio é revelado nesta passagem:

assassinar é matar Deus em efígie. Desde que a humanidade foi criada à imagem de Deus, tirar a vida humana é atacar a Deus. Esta é a razão de o assassinato ser considerado merecedor da pena capital.

Ainda mais grave: o assassinato não fica confinado ao ato manifesto, ele pode ser cometido no coração. Jesus disse: "Ouvistes que

foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento" (Mat. 5:21-22). O homicídio brota da raiz do ódio. Jesus disse: "Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios [...] Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem" (Mar. 7:21-23). João declarou claramente: "Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si" (1 João 3:15). O assassinato, em sua raiz, é diametralmente oposto à ética cristã do amor.

Assassinar é odiar, e o ódio é incompatível com o amor, assim como as trevas com a luz.

O amor nunca chama ninguém para tirar a vida de outrem. O ódio demonstra tanto desamor quanto o assassinato. O assassinato não é, de forma alguma, semelhante a Deus, pois Deus é amor. O amor exige que nos preocupemos com os outros, até mesmo com os que nos tentam a odiar. Jesus ordenou: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Mat. 5:44). Paulo deu instruções parecidas: "Não tomeis a ninguém mal por mal [...] não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar á ira [...] Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber [...] Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" (Rom. 12:17-21). Ira e ódio, que levam ao assassinato no coração e talvez também ao ato, devem ser substituídos pelo amor e pelas boas obras.

Todavia, há raras ocasiões em que a proibição contra tirar intencionalmente a vida de outra pessoa inocente é suspensa em favor de uma lei mais alta, um bem maior. Para essas ocasiões, Deus nos deu princípios de valor baseados na Sua lei e na vida exemplar de Cristo, que nos guiam à atitude amorosa que devemos tomar.

SUICÍDIO E SACRIFÍCIO DE VIDAS

Tirar uma vida é errado, mesmo que seja a nossa. O suicídio é um ato de ódio contra o "eu", assim como o homicídio é um ato de ódio contra outrem. O suicídio é tão errado quanto o homicídio porque viola o mandamento de amar a si mesmo, assim como o assassinato viola o mandamento de amar aos outros. O amor se opõe a ambos. O suicídio é um ato egoísta para terminar nossos problemas sem preocupação em ajudar os outros que também têm problemas. Tomar o "caminho fácil"

para livrar-se do sofrimento da vida não é a resposta mais amorosa e responsável. O amor nunca perde todo o propósito na vida. A pessoa que se concentra em proteger e ajudar os outros não tem razão para odiar a sua vida. Amar é o antídoto à tentação de autodestruir-se.

Tirar uma vida não demonstra amor, mas salvar uma vida, sim. O suicídio por razões egoístas é sempre errado, mas dar a própria vida para salvar outrem não só é aceitável como também louvável. Jesus declarou:

"Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos"(João 15:13). Cristo exemplificou o princípio de sacrificar a própria vida pelos outros. Ele disse: "Eu dou a minha vida [...] Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou"

(João 10:17-18). Portanto, um princípio bíblico de valor que governa nossa vida pessoal é: O suicídio é errado, mas sacrificar a vida é justificável e nobre na tentativa amorosa de salvar a vida de outrem.

No ato de tirar uma criança da frente de um carro em velocidade, um homem é atropelado e morto. Uma mãe salva seu filho de três anos que se afogava num lago, mas morre no processo. Durante um tiroteio na rua, um jovem protege a namorada com seu próprio corpo e morre em razão dos ferimentos. Dois marinheiros, para impedir o naufrágio do navio, fecham-se num compartimento que estava sendo inundado e oferecem, dessa forma, a própria vida para salvar a dos companheiros.

Um piloto de bombardeiro numa missão de treinamento morre ao atirar seu avião danificado num campo vazio em lugar de usar o dispositivo ejetor e deixar que o avião caia numa zona residencial. Poucos de nós terão a oportunidade de dar a vida por outrem como fizeram essas

pessoas. Mas, aos olhos de Deus, um autosacrifício que salva vidas é a suprema expressão do amor de Cristo, a própria antítese do suicídio egoísta.

Nem todo aparente sacrifício de nossa vida "a favor de outros" é, porém, um verdadeiro ato de amor. Paulo tornou isto claro no grande capítulo do amor: "E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará" (1 Cor. 13:3). Nem todo mártir morre necessariamente em conseqüência de uma manifestação de amor a outros. Alguns podem estar sacrificando vida pelo seu compromisso obstinado com uma causa egocêntrica. Há vários exemplos de suicídio egoísta na Bíblia. O rei Saul, mortalmente ferido, caiu sobre a sua espada para poupar-se da vergonha de morrer às mãos dos inimigos (1 Sam. 31:4), dificilmente um motivo de amor. O "suicídio assistido" de Abimeleque foi também egoísta e orgulhoso (Juí. 9:54).

Sansão, no entanto, sacrificou a vida por razões nobres. Pouco antes de fazer o templo cair sobre a sua pessoa e os filisteus, ele orou: "Senhor Deus, peço-te que te lembres de mim, e dá-me força só esta vez, ó Deus, para que me vingue dos filisteus" (Juí. 16.28). Deus atendeu ao seu pedido. Ao matar mais na morte do que matara em vida, Sansão salvou assim o seu povo da opressão dos filisteus. O sacrifício da vida só é justificado quando a intenção amorosa é salvar outras vidas.

O mesmo princípio aplica-se quando a intenção é resgatar as pessoas da morte espiritual. Cristo foi para a cruz, a fim de "dar a sua vida em resgate por muitos" (Mar. 10:45). Paulo afirmou estar disposto a dar até a sua própria vida se isso resultasse na salvação dos judeus (Rom.

9:3). Neste mesmo espírito de sacrifício pelos outros, alguns missionários correm o risco de morrer em razão de doenças quando 1evam o evangelho a regiões remotas e primitivas do mundo. Os cristãos que trabalham no centro das grandes cidades, em zonas violentas e infestadas de gangues, estão prontos a deixar esta vida para compartilhar Cristo. Os que ministram aos pobres, viciados em entorpecentes,

pacientes de AIDS e outros grupos de risco, são candidatos ao sacrifício de vida.

Sempre que arriscamos nossa vida por causa do ministério, estamos imitando Paulo, que disse: "Porém, em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus" (At 20:24). João exortou-nos a seguir o exemplo de Cristo: "Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos" (1 João 3:16).

Por mais raro que seja o amor que exige abnegação, ele está no centro da ética cristã do amor. Não é errado morrer pelos outros; este é o ato supremo de amor que podemos realizar por outro ser humano. O suicídio é o supremo ato egoísta – tirar a própria vida. Mas o sacrifício da vida é o supremo ato de generosidade – dar a vida pelos outros.

No documento Amar É Sempre Certo 1 (páginas 165-170)