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Questionamento sobre o Fazer do Professor

No documento Paulo Eduardo Ferreira Machado (páginas 194-199)

4. A Natureza do Diálogo de Professores de Inglês com um Vídeo Didático

4.3. Tema: Questionamento

4.3.2. Questionamento sobre o Fazer do Professor

O segundo subtema que contribui para a composição do tema Questionamento relaciona-se ao fazer do professor. Esse questionamento se mostrou, nos textos, não apenas sobre a prática dos professores de uma forma geral, mas também sobre a própria prática dos participantes.

Aureliano, por exemplo, mostra em sua fala, a seguir, aquilo que ele considera ser, para o professor de LE, uma prática desejável:

Aureliano: E, para concluir, quero acrescentar que o objetivo do vídeo me pareceu o

de chamar atenção para as injustiças sociais com que convivemos tão amiúde que acabam tornando-se parte da paisagem, "normais". E acredito que isso incentive os professores (reflexivos?) a irem além do "como" (localizar os pronomes relativos, por exemplo) para incorporar o "o quê" -- e assim deixar o confortável lugar do "instrutor" para enfrentar as incertezas de ser educador. Vale a pena... Eu voto!!!

Aureliano acredita que o papel do que ele chama de educador, que procura os fundamentos de seu objeto de trabalho, questionando-os, deve suplantar o papel do instrutor, que precisa de receitas prontas para implantar as atividades de sala de aula:

Em minha conversa com Aureliano, tive a oportunidade de expressar um questionamento sobre minha própria prática, como autor, mas também como professor. Um professor que elabora materiais didáticos, como muitos outros, e que procura ter uma atitude reflexiva quanto a esse fazer:

Paulo: Quando fiz o texto, não o achei nada objetivo, pois afinal era um texto que

expressava opiniões, visões, sentimentos. Essa era, aliás, a grande crítica que eu fazia ao material, talvez principalmente pelo contexto em que eu estava inserido. E eu temia bastante que ele fosse considerado piegas. Que elementos no texto o fazem considerá- lo objetivo? E, só para confirmar, o texto a que v. se refere é o texto escrito, certo?

Aureliano: Sim, é o texto escrito. E a minha sensação foi contrária à sua: acho que foi

uma descrição bem objetiva do lugar a que você se refere. Será que fiquei só com uma "parte" da história?

Paulo: Não sei. É mania que tenho achar que objetividade, nas humanidades, deve

estar ligada a números, datas, fatos registrados, essas coisas.

Aureliano: Talvez uma herança (maldita?) da nossa tradição positivista...

Aproveitando a conversa com Aureliano, aprofundo-me no auto- questionamento, indagando-me sobre o próprio papel do ensino de língua estrangeira, no sentido de refletir quais são os verdadeiros motivos para a existência dessa prática. Paradox não se chama Brasil, ou Brazil. Além disso, se ele fala sobre nosso país, fala em língua estrangeira, atribuindo ao discurso um senso de autoridade e de distanciamento, sobre o qual posso refletir tendo como base as idéias de Alvarez (1975) sobre as questões econômicas, sociais e políticas que envolvem o ensino de línguas estrangeiras. O autor aponta para a necessidade de os professores estarem atentos a essas questões e não negligenciarem sua própria cultura quando no exercício de sua prática. De fato, através dessas reflexões, percebemos que o ensino de língua estrangeira pode desconstruir postulados exógenos para auxiliar na reconstrução da própria cultura local. A seguir, o trecho da conversa com Aureliano que expressa esse questionamento:

Paulo: Assim como é difícil classificar a expressão artística. Será que materiais

didáticos que dêem espaço para a expressão artística do autor, mesmo que estruturalistas (como é o caso da intenção primeira de Paradox) tendem a ganhar

amplitude de uso? Será que é esse o caminho? Sem necessariamente enveredar pela crítica social, Aureliano - e isso já é uma crença minha - eu julgue que aulas de língua estrangeira devem, além de tudo, ter esse componente de reflexão sobre o contexto em que ela se insere.

Aureliano: Concordo e acho que uma obra/input mais aberta daria maior margem a

essa reflexão.

Nessa linha de pensamento, trago as palavras de Caetana para ilustrar um questionamento sobre o papel do professor consciente da sociedade onde ele e seus alunos se inserem.

Caetana: Então essa questão dos traços, da história de vida, o conhecimento de

mundo, e os povos indígenas e os povos africanos, e como é que isso se dá nesse contexto da sociedade brasileira, mais especificamente São Paulo. E como que a língua estrangeira dá conta de trabalhar essas questões.

Segundo Kenski (2001), o professor deve atuar como agente da memória, sendo co-responsável pela “aquisição, transmissão e manutenção de aspectos valorizados pela cultura de certo grupo social em determinado momento” além de capaz de “realizar interações e intercâmbios entre linguagens, espaços, tempos e conhecimentos” (p. 96). Parece-me que as colocações de Caetana, acima, ilustram a forma como ela se sente responsável pelo processo de consciência da identidade cultural por parte de seus alunos, usando o ensino de língua inglesa como ferramental para a deflagração desse processo.

Tal visão é corroborada por Rebeca, que fala em um “saber local”:

Rebeca: Como já disse, causou-me curiosidade e interesse por mostrar imagens do

Brasil sendo que a maioria dos materiais mostra contextos distantes que não fazem parte da realidade dos alunos e dos professores em geral. Acho muito bom unir a língua estrangeira com algo nacional e familiar. Talvez ajude com questões como as de alunos que resistem em aprender inglês, por não gostarem de países como os EUA, etc. A união do estrangeiro com o nacional (Global x Local) pode facilitar a aprendizagem por estar ligada ao “local”.

No excerto a seguir, Caetana questiona a aplicabilidade que o professor dará à matéria, dependendo, segundo ela, do olhar desse professor sobre sua própria prática:

Caetana: Eu acho que esse vídeo é possível sim, é possível dizer da aplicabilidade

dele se dar em sala de aula, né, e aí vai depender do olhar dessa pessoa. Se o professor tiver um olhar mais estrutural, mais gramatical, ele vai focar mais nisso. Se ele tiver um olhar mais imagético, né, o que essas imagens tão representando, ou a musicalidade, ou mesmo o texto falado...

Mas esse olhar, como descrito por Caetana, pode mudar. A partir de um posicionamento reflexivo, o professor pode mudar seus valores com relação ao que é importante no fazer docente. Os dizeres de Helena ilustram bem isso:

Helena: Olha, eu gosto de gramática, então eu tenho que confessar que eu trabalhava

muito mais gramática na vida do que hoje. Então a gramática já teve um primeiro plano pra mim na vida.

Paulo: A Helena mudou!

Helena: A Helena mudou porque viu que os alunos não entendem do que você ta

falando.

Paulo: Os alunos também mudaram!

A partir das interações que mantive com os participantes desta pesquisa, pude perceber que o fenômeno do diálogo de professores de língua estrangeira com um vídeo didático se estrutura a partir de três grandes temas: Reflexão, Aplicação e Questionamento.

Através de tema Reflexão pude notar que, um material tecido com a inter-trama dos códigos escrito, oral, visual e musical reverbera por canais muito variados nos diversos professores, a partir de suas leituras dessa linguagem, da significação de vídeo didático para eles e de como percebem as atribuições do próprio fazer docente.

O tema Aplicação sugere que o uso desse tipo de material está intimamente imbricado com o contexto social e instrucional em que o professor está inserido e com a relevância que ele atribui ao seu uso. Nesse sentido, a pesquisa sugere que Paradox possibilita aplicações tão distintas quanto distintas são as crenças, formações e contextos de atuação dos diversos professores.

Já o tema Questionamento reflete as posturas questionadoras dos participantes, tanto em relação à linguagem do vídeo como em relação à própria prática do professor, seja em um âmbito mais geral ou mais particular.

Vislumbro uma relevância para materiais audiovisuais didáticos com as características linguageiras de Paradox por sua capacidade de promover, por parte dos professores, um questionamento sobre seus fazeres e sobre os materiais didáticos que utilizam. Esta, por si só, é uma característica que justificaria sua produção.

No documento Paulo Eduardo Ferreira Machado (páginas 194-199)