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Reflexão sobre o Aluno

No documento Paulo Eduardo Ferreira Machado (páginas 139-143)

4. A Natureza do Diálogo de Professores de Inglês com um Vídeo Didático

4.1. Tema: Reflexão

4.1.1. Reflexão sobre o Aluno

O primeiro subtema do tema reflexão, é a reflexão sobre o aluno. Cada professor, ao experienciar o vídeo, demonstra, na troca de e-mails ou nas conversas, uma preocupação com o aluno com o qual interage.

Aureliano, por exemplo, tece julgamentos sobre o tipo de alunos que encontra no contexto de seu trabalho. Ele os classifica em dois grupos (os que achariam o vídeo “de esquerda” e os que não), mas reúne-os todos para atender à proposta que ele faz para o uso do vídeo, conforme mostra o trecho abaixo:

Aureliano: Pessoalmente, considerando minha própria prática como professor -- e

pensando no público com o qual trabalhamos --, imagino que alguns alunos meus achariam o vídeo tendencioso (no sentido de "de esquerda"). Penso que outros o achariam interessante. E quero crer que a maioria se sentiria incomodada o suficiente para pelo menos engajar-se em um bom debate em sala de aula (considerando níveis intermediários/avançados de inglês).

Parece-me que as expressões quero crer e pelo menos denotam uma expectativa quanto às reações dos alunos em sala. O fato de opor “tendencioso” a “interessante” também aponta para uma visão que Aureliano parece ter de seus alunos, estratificando-os não apenas em uma classe social, mas separando-os em grupos ideológicos. As escolhas lexicais esquerda e direita demonstram isso.

Caetana, de outra forma, parece privar-se de idéias pré-formadas sobre seus alunos, procurando fazer constatações através de documentos por eles produzidos. Isso me parece ser uma característica marcante no trabalho de Caetana. A professora faz suas observações com base nos escritos de seus alunos, tentando legitimizar suas afirmações, como podemos ver no seguinte excerto:

Caetana: Bem, com base nas histórias de vida que meus alunos do EJA me escrevem,

posso dizer que os dados gerados revelam que uma porcentagem significativa destes meus alunos tem descendência indígena, sendo assim, a memória de seus antepassados no cenário atual de ensino-aprendizagem de LI no contexto da escola pública, que a FITA pode oportunizar, auxiliaria bastante, inclusive na representação que estes meus alunos têm, com relação à aprendizagem de LI pautada nas estruturas gramaticais e nos textos escritos, com tradução “literal” com o auxílio do dicionário. Na minha visão a gramática está a serviço da aprendizagem e não a aprendizagem a serviço da gramática

Caetana, neste momento, enfatiza a função de espelho que o vídeo pode ter para os alunos. Para ela, essa identificação pessoal com os personagens do vídeo pode contribuir para a própria construção da identidade dos alunos e para a construção da relevância do curso de inglês. Aproveita ainda para refletir sobre o ensino de gramática nesse contexto, talvez desconstruindo a visão que os alunos possuam sobre o tema. Isso demonstra uma visão de aprendizagem focada na interação e no uso da língua como um instrumento com função social, descreditando o método de tradução e gramática,que, pela fala de Caetana, grande parte de seus alunos têm.

No excerto seguinte, Caetana enfatiza sua preocupação com a perda de identidade de seus alunos, migrantes ou filhos de migrantes. Crê que o vídeo pode auxiliar no resgate cultural de seus alunos. Novamente, vê a função de espelho para o vídeo:

Paulo: Então a gente sempre, como professor, vê um uso pra um material. Nesse

sentido eu acho interessante, porque é uma mesma leitura do que se fosse um texto autêntico. É como se fosse um clipe qualquer, ou um curta-metragem, e você, Caetana, como professora, falou, não, peraí, isso aqui tem alguns elementos que podem ser interessantes para trabalhar com meus alunos nesse e nesse contexto. Foi mais ou menos assim?

Caetana: Foi mais ou menos assim que eu senti. Quando eu falo inclusive que as

imagens eu poderia usar em relação aos meus alunos do EJA, que foi o que eu citei no diário reflexivo dialogado com você em relação à fita, os meus alunos de EJA por exemplo, eles têm uma representação de tentar ou mascarar ou deixar de... Abandonar a sua própria cultura a sua própria origem por toda aquela representação de que você está em São Paulo e que você tem que ter características paulistanas.

Considerando o excerto acima, Caetana admite que os alunos, ao se verem no vídeo com os olhos do outro, do autor da obra, podem re-descobrir suas verdadeiras identidades. A esse respeito, Faraco (2005) diz que esse olhar estabelece uma relação dialógica, pois, quem se olha, olha-se com os olhos do outro, exterior.

Ponty também reflete a respeito de seus alunos. E vai mais longe: quando diz “é provável que tenham dificuldade para dizer por que gostaram”, ele busca uma atitude reflexiva por parte dos alunos, além da dele própria. É uma forma de também expressar expectativas em relação aos seus alunos, entendendo que ter uma atitude crítico-reflexiva é algo positivo. Isso, com certeza, responde a uma visão de ensino e aprendizagem que os situe em um contexto social, no qual aprender tem traços em comum com o refletir sobre o processo de aprender. Observa-se essa reflexão no seguinte trecho:

Ponty: A reação dos alunos é positiva. Mas é provável que eles próprios tenham

dificuldade para dizer por que gostaram. Podem ficar inquietos, considerando o filme provocativo. Também acredito que os alunos articulam as frases entre as frases e as imagens entre as imagens. A articulação entre o texto e a imagem acaba ficando em um nível inconsciente ou subconsciente. No entanto, se o professor estimular esse tipo de articulação, os alunos podem trazer a percepção para um nível mais consciente e, assim, é possível uma postura crítica-reflexiva.

Quando discorre sobre a articulação entre as frases, separadamente da articulação entre as imagens, parece-me que Ponty baseia-se em algo que ele infere, e não em uma constatação de campo. De qualquer forma, assume que

seu aluno isola os intertextos de Paradox em suas próprias esferas, sendo incapaz de, autonomamente, fazer as interconexões entre os intertextos, as diferentes modalidades de enunciado. Para adquirir essa consciência, o aluno precisa da presença do professor que o alerte para essas inter-relações, conforme ilustra o trecho acima.

Pedro opõe-se, em sua fala, à articulação de Ponty. Para ele, a compreensão se dá justamente pela articulação que os alunos fazem entre as imagens, o texto e o som. Sem essa articulação, não seria possível a construção de sentido por parte dos alunos. Verifica-se essa reflexão no trecho abaixo:

Pedro: Na realidade, quando eu usei, eu usei numa prova, numa avaliação. Eu dei o

texto pros alunos levarem para casa, para eles traduzirem, para que depois, no dia da prova, eles não se preocupassem em traduzir. Se preocupassem apenas em interpretar o texto. E aí eu complementei a atividade fazendo com que eles assistissem ao vídeo, e aí foi mais fácil, porque depois que eles traduziram, assistiram, eles correlacionaram tudo. Uma das perguntas da prova era: “Relacione o texto ao título”. O título é Paradox. (...) Olharam por todos os ângulos do texto. Tanto a questão textual, mesmo, propriamente dita como a questão da imagem da semiótica. Está tudo associado. Foi a partir daí que eles conseguiram concluir a questão do Paradoxo. Até então, quando eles tinham traduzido, eles não tinham entendido ainda porque se chamava Paradox. Mas quando eles viram as imagens eles entenderam, eles associaram a tradução às imagens, e perceberam o que era o Paradox. O Paradoxo. Contraste. Da sociedade, no caso, brasileira.

Cabe notar que, na percepção de Pedro, acima, o aluno carece de autonomia, e deve seguir os passos determinados pelo professor para a intelecção de um texto. Na sua proposta, a tradução, por exemplo, deve anteceder a interpretação de um texto em língua estrangeira.

Severo também faz uma reflexão bastante particular a respeito de seus alunos. Ele os divide em Bio, Exatas e Humanas, e, como grupos, atribui-lhes características particulares. É o que se nota abaixo:

Severo: Por que o aluno pode ter gostado também? Porque ele é caseiro, velho. Ele é

caseiro, não tem produça... Ele tem a produça muito bonita, mas ele identifica aquilo como sendo uma coisa underground, sacou? Tem aluno cabeludo que vem falar comigo...

Paulo: Há, Há, Há!!

Severo: Eu não posso passar o vídeo lá na frente... Só um exemplo: veio um moleque

da Humanas com a camisa do Megadeath, do Ironmaiden, os moleques são assim... Querem saber se eu posso dar uma cópia para eles.

Severo: Pooooo, professor! Aí cê vê que o moleque se identifica porque ele tem uma

coisa de ser, como é que fala... E o vídeo tem isso, de não ser o comum. E eu acho que isso relaciona muito com essa sociedade, de imagens e de sons e de músicas, e cada vez mais as pessoas não querendo the establishment. (...)

No trecho apresentado, o vídeo ajuda Severo a perceber seus alunos do contexto de cursinho pré-vestibular, como pessoas que se identificam com a contracultura. Embora com uma problemática completamente diferente, ele se alinha a Caetana no sentido de pensar que o vídeo pode propiciar as discussões sobre essas identidades.

De uma forma geral, pude perceber que, dialogando com e sobre o vídeo, os professores antecipam, julgam, criticam ou explicitam seus conceitos a respeito dos alunos com os quais lidam. Esses posicionamentos, muitas vezes, são reflexo de suas próprias posturas e do tipo de relacionamento que mantém com seus alunos.

No documento Paulo Eduardo Ferreira Machado (páginas 139-143)