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1.3. Candida albicans e a Candidíase

1.3.2. Quorum-Sensing em Candida albicans e outros fungos

Atualmente, muitos trabalhos têm mostrado a existência de mecanismos de comunicação entre células bacterianas, cujo principal papel é coordenar a expressão de determinados genes em resposta ao aumento da densidade populacional (Miller & Bassler, 2001). Esse processo de comunicação é conhecido como percepção de quorum (QS – do inglês “quorum sensing”), e ocorre por meio da liberação de sinalizadores químicos, os autoindutores (QSM – do inglês “quorum-sensing molecules”), que são acumulados durante o crescimento celular (Bassler, 1999; de Kievit & Iglewski, 2000). Quando a concentração dos autoindutores ultrapassa uma concentração limite, ocorre a ativação e/ou inibição da expressão de diferentes genes levando à coordenação de atividades biológicas na população, tais como bioluminescência, produção de antibióticos, simbiose, motilidade, esporulação, acasalamento, formação de biofilme, virulência, entre outras (Miller & Bassler, 2001; Zhang, 2003; Cegelski et al., 2008). Dessa forma, o QS permite que as bactérias, quando em altas densidades populacionais, sincronizem seu comportamento, passando, muitas vezes, a atuar de forma semelhante à de organismos multicelulares (de Kievit & Iglewski, 2000). Em bactérias patogênicas, tal sincronismo mostra-se particularmente importante durante a infecção, pois, permite que o organismo coordene sua virulência, propiciando um mecanismo de escape das defesas do hospedeiro o que resulta no estabelecimento bem sucedido do processo infeccioso (de Kievit & Iglewski, 2000). De um modo geral, a ampla incidência de QS entre os procariotos sugere que a regulação da expressão gênica dependente da

densidade celular é um importante fator para o sucesso adaptativo do microrganismo em uma grande variedade de ambientes (Hogan, 2006). Em vista disso, alguns trabalhos avaliam que a interferência nos mecanismos de comunicação ou de QS entre microrganismos pode representar uma alternativa potencial para o desenvolvimento de novos antimicrobianos. A estratégia global envolveria a inibição de mecanismos específicos responsáveis pela promoção da infecção e que são essenciais para o desenvolvimento e a persistência da patogênese (revisado por Cegelski et al., 2008).

Recentemente foi demonstrado que, assim como descrito para bactérias, alguns fungos também apresentam o fenômeno de quorum-sensing (Hogan, 2006). O primeiro relato da existência de QS em eucariotos ocorreu a partir da descrição por dois grupos independentes da existência de um fator no sobrenadante de culturas de C. albicans capaz de reprimir o desenvolvimento de hifas (Hornby et al., 2001; Oh et al., 2001). A molécula identificada por Hornby et al. (2001) como sendo a responsável pelos efeitos observados foi o E,E-farnesol. Já Oh et al. (2001) mostraram que a molécula ativa era um composto bastante similar porém menos efetivo que o farnesol, o ácido farnesóico. Essa diferença na identificação do autoindutor deu-se principalmente em virtude das diferenças entre as linhagens de C. albicans utilizadas nos dois estudos.

O farnesol é um álcool sesquiterpeno intermediário da via de biossíntese do ergosterol (Hogan, 2006). Em C. albicans, além de afetar a transição morfológica, o farnesol possui papel inibitório na formação de biofilmes desse fungo, atuando nas etapas de adesão celular, maturação do biofilme e dispersão (Deveau & Hogan, 2011). Adicionalmente, análises feitas por microarranjos de DNA mostraram que o cultivo do fungo na presença de farnesol resulta na expressão diferencial de genes associados ao desenvolvimento de hifas, resistência a drogas, biogênese da parede celular, transporte de ferro e à resposta ao choque-térmico (Cao et al., 2005; Enjalbert & Whiteway, 2005). Além disso, o farnesol confere ao fungo maior resistência ao estresse oxidativo, desempenhando um possível papel na persistência de C. albicans no ambiente intracelular de fagócitos (Westwater et al., 2005). De fato, estudos in vivo mostram que o farnesol atua como um fator de virulência, uma vez que a administração exógena dessa molécula leva a um aumento na taxa de mortalidade de camundongos infectados com C. albicans (Navarathna et al., 2007a). O farnesol também atua interferindo na progressão da resposta imune do hospedeiro, inibindo a expressão de INF-", citocina crítica na resposta imune celular, e aumentando a expressão de IL-5, relacionada à

Os efeitos desencadeados pelo farnesol são também relatados em interações antagonistas interespecíficas, já que essa QSM de C. albicans inibe o dimorfismo e a formação de biofilmes em outras espécies de Candida (Jabra-Rizk et al., 2006b) e induz apoptose no fungo Aspergillus nidulans (Semighini et al., 2006). Outros trabalhos mostram a inibição do crescimento de bactérias, como Staphylococcus aureus (Jabra- Rizk et al., 2006a; Koo et al., 2002), e fungos, como Saccharomyces cerevisiae (Machida et al., 1998, 1999), mediada por esse sesquiterpeno. O farnesol ainda atua inibindo a produção de uma QSM (quinolona) da bactéria Pseudomonas aeruginosa e, conseqüentemente, inibe a expressão do fator de virulência piocianina de P. aeruginosa por ela controlado (Cugini et al., 2007). Vale ressaltar que moléculas secretadas por P.

aeruginosa também possuem efeito em C. albicans, fato particularmente interessante

em virtude dos numerosos relatos que indicam coexistência desses microrganismos em uma variedade de infecções oportunistas (Bauernfeind et al., 1987; El-Azizi et al., 2004; Hermann et al., 1999; Nseir et al., 2007). Nesse sentido, QSMs de P. aeruginosa inibem a filamentação e promovem a reversão morfológica de micélio para levedura em

C. albicans (Hogan et al., 2004), além de pequenas moléculas secretadas pelas células

bacterianas, denominadas fenazinas, induzirem morte celular em C. albicans (Gibson et

al., 2009).

Outra molécula de percepção de quorum em C. albicans e que apresenta efeitos antagônicos àqueles observados para o farnesol vem sendo estudada: o tirosol. A resposta de C. albicans a esse autoindutor é refletida na morfologia, no crescimento e na formação de biofilme (Chen et al., 2004; Alem et al., 2006). Chen et al. (2004) mostraram que C. albicans secreta continuamente tirosol ao longo de seu crescimento e o acúmulo desta molécula é proporcional ao aumento da densidade celular. A adição externa de tirosol a uma cultura de C. albicans diminui a fase lag de crescimento desse microrganismo e acelera a conversão morfológica de levedura para micélio, promovendo a formação de tubos germinativos (Chen et al., 2004). O tirosol também induz a filamentação nos estágios iniciais e intermediários de formação do biofilme (Alem et al., 2006). Um trabalho recente mostrou ainda um efeito similar ao observado para o tirosol sendo desencadeado por uma terceira molécula produzida por C. albicans (Nigam et al., 2010). A molécula em questão é o 3(R)-hidroxi-ácido-tetradecanóico (3(R)-HTDE), um metabólito resultante da !-oxidação do ácido linoléico, o qual induz filamentação e formação de biofilme em C. albicans (Nigam et al., 2010).

O fenômeno de QS foi também identificado no fungo dimórfico H. capsulatum, no qual o aumento da densidade populacional promove o acúmulo de um fator que, ao atingir uma determinada concentração, modula a incorporação do polissacarídeo #- (1,3)-glucana na parede celular das células leveduriformes (Kügler et al., 2000). Já no fitopatógeno Ceratocystis ulmi foi observado que a morfologia das células é dependente do tamanho do inóculo e mediada por uma molécula lipofílica extracelular (Hornby et

al., 2004). Mais recentemente, Chen & Fink (2006) mostraram que leveduras de Saccharomyces cerevisiae secretam álcoois aromáticos que atuam como moléculas de

QS capazes de induzir mudanças morfogenéticas nesse fungo em resposta à limitação de fonte de nitrogênio.

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