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2. A J URISDIÇÃO C ONTENCIOSA N O S ISTEMA I NTERAMERICANO

2.1. O P ROCESSO C ONTENCIOSO I NICIAL NO S ISTEMA I NTERAMERICANO : A CIDH

2.1.3. O T RÂMITE P ROCEDIMENTAL

O Secretariado Executivo da Comissão é responsável pela tramitação inicial das petições que lhe são apresentadas. No exame preliminar que realiza, se nota que a petição não preenche os requisitos de elegibilidade pode solicitar ao peticionário para completá- los; se o Secretariado tem qualquer dúvida quanto ao cumprimento destas exigências, deve consultar a CIDH. Os casos graves e urgentes devem ser imediatamente comunicados à Comissão -, dado o seu processamento diferencial.

Nesta fase preliminar é quando a Comissão pode decidir desagregar uma petição (sempre que ela expor fatos diferentes ou relativas a mais de uma pessoa ou a supostas violações sem conexão no tempo e no espaço) em arquivos separados, ou acumular dois ou mais petições para seu processamento conjunto, sempre que elas lidem com fatos similares ou envolvam as mesmas pessoas ou revelarem o mesmo padrão de violação. As regras de acumulação têm sido aplicadas regularmente pela Comissão nos casos em que as vítimas eram pessoas diferentes, mas cujas reivindicações eram essencialmente compatíveis. Assim, por exemplo, ocorreu com o número de queixas contra a Argentina pela promulgação das Leis n° 23.492 – de Ponto Final - e n° 23. 521 – de Obediência Devida - e dos Decretos Presidenciais de perdão, que obstaculizaram (as primeiras) e extinguiam (os segundos) o julgamento de violações dos direitos humanos cometidas durante a última ditadura militar que atingiu as instituições constitucionais argentinas. Alguns dos peticionários atacavam apenas uma das leis, outras queixas eram interpostas contra ambas e, finalmente, outros peticionários denunciaram tanto as leis quanto os perdões; ao atender os pedidos que lhe forem apresentados, a Comissão (1992, Relatório No. 28/92, para. 4 e 5) estimou que a petição principal era a mesma e em razão da identidade material bem como da natureza jurídica da questão - compatibilidade de um gênero de leis e decretos com a Convenção - decidiu a acumulação e consideração conjunta das seis petições introduzidas por esses fatos. Situação semelhante ocorreu no caso de petições contra o Uruguai, que denunciaram os efeitos jurídicos da Lei nº 15.848 (CIDH, 1992, Relatório Nº 29/92) e foi também o caso de petições denunciando o Peru, dirigidas contra a mesma

incompatibilidade da legislação nacional com a Convenção Americana, e levou – neste caso – ao pronunciamento da Corte Interamericana no caso Barrios Altos (2001).

Recebida uma petição, o Secretariado a processa inicialmente, ou seja, transmite as partes pertinentes da mesma ao Estado denunciado, solicitando-lhe, conseguintemente, informação a este respeito. Esta notificação da petição dá ao Estado a primeira oportunidade de responder e apresentar suas objeções, se houver, sobre a admissibilidade das queixas ou reclamações contidas na petição, no prazo de três meses a contar da data de sua transmissão. A Secretaria Executiva avaliará pedidos de prorrogação fundamentados, mas não concederá prorrogações superiores aos quatro meses a contar a partir do envio do primeiro pedido de informações ao Estado. Este é o período de tempo - que pode ser prorrogado, se for o caso, até o máximo de quatro meses dito - no qual todas as considerações e questionamentos à admissibilidade da petição devem ser feitos porque uma vez que a Comissão se pronuncia através de sua decisão, essa possibilidade processual desaparece. Além disso, antes da sua decisão sobre o assunto, a Comissão - se necessário - pode convidar as partes a apresentar observações adicionais, por escrito ou em uma audiência convocada para esse fim.

A fim de estudar a admissibilidade das petições e formular recomendações ao pleno da Comissão, ela conta com um Grupo de Trabalho sobre Admissibilidade, integrado por três ou mais de seus membros.

Uma vez consideradas as posições das partes, a Comissão decidirá sobre a admissibilidade do caso, para cujo efeito irá verificar primeiro se subsistem os motivos da petição; caso contrário, a arquivará. Se isso não acontecer, de acordo com a última alteração regulamentar, a Comissão irá produzir o seu relatório sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade, que em qualquer caso será público e se incluirá no Relatório Anual que a Comissão deve apresentar à Assembleia Geral da OEA.

Na ocasião da adopção do relatório de admissibilidade - que não prejulga sobre o mérito – a petição é registrada como caso e começa a etapa dos méritos. Os procedimentos dos méritos compreendem os quatro meses seguintes ao registo do caso, podendo ser prorrogados, sempre que mediar solicitação devidamente fundamentado, por até um

máximo de seis meses a contar desde o envio do primeiro pedido de observações a cada uma das partes; é esta notificação a que funciona como anúncio de início desta fase e é dentro deste período - que é calculado individualmente para cada parte - que as observações adicionais sobre o mérito são apresentadas, no primeiro lugar as do peticionário. Recebido, as partes pertinentes dessas observações serão transmitidas ao Estado aludido para que este apresente, por sua vez, as suas observações no mesmo prazo. Em relação aos pedidos de informação dirigidos ao Estado, a Comissão pode solicitar todas as informações relevantes e a falta de provisão temporária de uma resposta ou contestação dos fatos alegados na petição transmitidos ao Estado, autoriza tê-los por verdadeiros sempre que outras provas não conduzam a uma conclusão diferente, de acordo com o disposto no art. 38 do Regulamento da Comissão.

Em linha com as funções atribuídas à Comissão enquanto órgão de proteção dos direitos humanos, a presunção de veracidade indica que o Estado demandado não pode interferir, mediante a sua inação, com o ritmo do processo. Salientando o dever da Comissão de fornecer uma oportuna resposta às solicitações que lhe são submetidas, o Regulamento tem proporcionado este recurso para que aja com a devida expedição; este recurso não opera por si só ou automaticamente, no sentido de que a falta de cooperação do Estado não transforma os fatos em verdadeiros se não quando da análise desses fatos surja sua concordância ou não contrariedade com outras provas à disposição da Comissão. Na mesma linha, a injustificada inatividade do peticionário pode se tornar grave indicação de desinteresse no processamento da petição e levar à consideração do arquivo do caso pela Comissão, sempre que tenha sido lhes cursado um aviso de notificação dessa possibilidade. No entanto, o exercício efetivo do arquivo nestes casos de inatividade do peticionário cai dentro da hipótese de que a Comissão não disponha das informações necessárias para chegar a uma decisão sobre o mérito, apesar dos esforços que foram implantados para consegui-lo. A fim de reunir provas ou verificar as disponíveis, se a Comissão o considera necessário - no primeiro caso - e conveniente - no segundo - irá realizar uma investigação e para fazer avançar o conhecimento do caso, poderá convocar às partes para uma audiência.

No processo de investigação, os Estados encontram-se obrigados a fornecer todas as facilidades necessárias para cumprir com os pedidos da CIDH, incluindo qualquer investigação no local (para distingui-la das observações in loco) que aquela decida praticar no caso particular , conforme estipulado no art. 48 d y concordantes da CADH, artigo que, no seu seguinte literal, reforça as possibilidades de investigação da Comissão prevendo que "poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e receberá, se isso lhe for solicitado, as exposições verbais ou escritas que apresentem os interessados" (CADH, art. 48 e).

A celebração de uma audiência sobre petições ou casos pode ser solicitada a pedido de parte interessada com o fim de permiti-lhes apresentar seus argumentos - de fato e de direito - e arrimar as provas que considerem propícias, sob o governo dos princípios de amplitude probatória em prol da averiguação da apuração e do contraditório pleno para assegurar a igualdade de oportunidades processuais. O pedido de uma audiência sobre petições ou casos deve ser apresentado por escrito indicando a finalidade e a identidade dos participantes propostos (testemunhas e/ou peritos e os propósitos de seu testemunho/ditame/parecer) – fazendo constar a identidade das testemunhas e peritos que serão preservados se, na opinião da Comissão, estes requerem tal proteção – dentro de um prazo não menor aos cinquenta dias do início da sessão da CIDH. O objetivo da audiência, se a Comissão estabelece a sua celebração, é ouvir as partes no processo e receber os elementos probatórios propostos por elas ou solicitados por aquela. Se uma parte devidamente notificada (um mês antes da celebração, o Secretariado Executivo informa às partes a data, local e hora da audiência) não comparece, isto não impedirá a continuação da audiência. Durante esse período, as partes poderão apresentar qualquer documento, depoimento, relatório pericial ou outras provas. A parte que solicita a produção de elementos probatórios carrega com as despesas dela. No que diz respeito às provas documentais, as partes terão um prazo razoável concedido pela Comissão para apresentar observações. No que respeita à prova testemunhal e pericial, é estipulado que as testemunhas e os peritos deverão identificar-se e tomar juramento ou solene promessa de dizer a verdade. Ao receber o testemunho, a Comissão ouvirá uma testemunha de cada

vez; as testemunhas não podem ler as suas apresentações à Comissão, mantendo-se as restantes fora do tribunal durante as exposições testemunhais. Todas as pessoas que compareçam à audiência ou forneçam qualquer prova nela, não poderão ser processadas ou sofrer retaliação, elas próprias ou suas famílias, por causa de sua contribuição à CIDH, devendo o Estado denunciado conceder todas as garantias adequadas ao efeito.

Estas audiências também podem ser realizadas com a finalidade de iniciar e/ou desenvolver o procedimento de solução amistosa e, se sua conclusão for favorável, monitorar seu cumprimento. Esta etapa de caráter eventual prevista pela CADH para os Estados Partes na mesma - art. 48 f - foi ampliada aos Estados Membros da OEA pelo art. 40 do Regulamento da Comissão. Ambos afirmam que a Comissão – em qualquer etapa do exame da petição ou caso – pôr-se-á à disposição das partes interessadas a fim de chegar a uma solução amistosa sobre o assunto, fundamentada no respeito aos direitos humanos, especificando o Regulamento que o processo amistoso começa e continua com base no consentimento das partes.

Note-se que, sempre que o assunto seja susceptível de ser resolvido desta forma – o qual está sujeito à apreciação da Comissão –, a CIDH deve oferecer seus bons ofícios a fim de buscar uma solução amigável da questão antes de emitir as suas próprias conclusões e recomendações ou recorrer a outras soluções que possam ser aplicadas no caso concreto. Referindo-se a casos de detenção arbitrária seguidas de desaparecimento forçado da vítima, de execução sumária, de flagrantes violações às garantias do devido processo, de detenção arbitrária e tortura, a Comissão estabeleceu que tais situações, pela própria natureza dos direitos violados, não são susceptíveis, em princípio, de ser resolvidas através deste procedimento.

Os bons ofícios da Comissão não envolvem uma negociação ou mediação clássicas pois seu rol diplomático-jurídico tem como campo de atuação os direitos humanos. A utilização deste procedimento não compulsivo deve ser baseada em um esforço genuíno de busca de uma solução amigável. Por isso, se a Comissão observa que uma das partes não concorda com a sua aplicação, decide não continuar com ele uma vez iniciado ou não mostra vontade de chegar a um acordo amigável poderá dar por terminada a sua

intervenção neste procedimento. Para este efeito, a conduta do Estado demandado quanto à competência da Comissão para julgar o caso e a sua cooperação, ou a falta dela, são indícios de especial importância. Por exemplo, nos casos apresentados contra a Argentina pela sanção das Leis do Ponto Final e de Obediência Devida e os Decretos de perdão em violação de várias disposições da Convenção Americana, a Comissão (1993, Relatório Nº 28/92) destacou que a via da solução amistosa não era nem necessária nem adequada nestes casos nos quais o Estado ainda sustentava essas políticas de governo.

Embora dificilmente violações de jure da Convenção possam acudir a esta etapa, dado o caráter jurídico-diplomático do procedimento, é possível deixar a porta aberta para casos individuais perante a Comissão nos quais ela possa encontrar as recomendações adequadas e apoiar a adopção de reparações suficientes, equilibradas e justas, encorajando o progresso eficaz na proteção dos direitos humanos e na promoção de melhores práticas estatais. Resultado desta cuidadosa e intensa atividade da CIDH através de soluções amigáveis foram a reforma do Código Eleitoral Nacional argentino em 28 de dezembro de 2000, promovendo a participação política das mulheres e sua integração nas listas de cargos eletivos em partidos políticos (cotas), e, também, a eliminação da pena de morte, a eliminação da jurisdição militar, a supressão de sanções discriminatórias relacionadas com a homossexualidade e a consideração de assédio sexual como uma ofensa grave ou muito grave sob o novo regime disciplinar militar adotado diante da revogação do Código de Justiça Militar em novembro de 2007. Assim, nestas duas petições ingressadas ao SIDH por Maria Merciadri Morini e capitão do Exército Rodolfo Correa Belisle, a Comissão chegou a muito mais que soluções amigáveis para os casos concreto, promovendo avanços estruturais na consolidação e fortalecimento das instituições democráticas argentinas.

A Comissão pode confiar a um ou mais de seus membros dentre os que compõem o Grupo de Soluções Amigáveis a tarefa de facilitar um acordo entre as partes que, em todos os casos, deve ser baseada no respeito aos direitos humanos reconhecidos no SIDH. Se isto for alcançado, a Comissão verificará se a vítima da alegada violação ou, se for o caso, seus sucessores, tem manifestado seu acordo com a solução amistosa e, nesse caso, aprovará

um relatório com uma breve exposição dos fatos e os termos da bem-sucedida solução que será transmitido às partes e publicado.

Ao não se encontrar prevista a duração máxima que o compromisso com uma solução amigável pode envolver, é aconselhável que a Comissão, de dar início a este procedimento, aponte para um termo de finalização que, de acordo com o avanço ou atraso que efetiva e concretamente venha ocorrendo no quadro da conciliação, pode ser prorrogado ou não. Além disso, embora nem a Convenção nem o Regulamento da Comissão indiquem um prazo para a elaboração do relatório sobre a aprovação da Comissão, o prazo razoável para fazê-lo deve, por uma parte, não comprometer a execução do acordo alcançado e em qualquer caso, não exceder o tempo estipulado para a preparação do relatório previsto no art. 50 da CADH, porque no caso de não se chegar a uma solução amigável a Comissão dará prosseguimento à tramitação da petição ou caso.

Quanto à publicação deste relatório, embora, em princípio, ele se transmite para o Secretário-Geral da OEA após ter sido comunicado às partes para que seja quem procede à publicação, a Comissão pode também decidir publicá-lo no Relatório Anual apresentado a Assembleia Geral como fez em ocasião do caso do jornalista Horacio Verbitsky, registrado com o número 11.012, contra a Argentina, cuja solução amigável foi aprovada através do Relatório Nº 22/94 de 20 de Setembro de 1994, e incorporada no Relatório Anual naquele ano.

Uma vez alcançado um compromisso livremente consentido e aceito, cujos termos foram aprovados pela Comissão, é vinculativo. O fato de que este acordo requer a aprovação da Comissão e que tem o efeito de que encerra o processo, aumenta a obrigatoriedade do mesmo. Certamente, a Comissão deve manter sob observância o estrito cumprimento dos termos do acordo entre as partes, já que impediu a continuação do processo e a eventual condenação do Estado.

É interessante notar que em alguns casos - por exemplo, o acima referido trazido contra a Argentina (11.012) -, quando endossar este acordo, a Comissão reservou-se expressamente o direito de monitorar o cumprimento ou, o que é o mais importante, não encerrou o caso e emitiu o relatório exigido pelo art. 49 da Convenção até que o acordo

tenha sido cumprido integralmente pelas partes; prática conveniente neste procedimento, pois, caso contrário, a fase de conciliação corre o risco de tornar-se uma válvula de escape para os Estados, permitindo lhes eludir seus obrigações interamericanas. Outra alternativa semelhante seria que a Comissão, ao emitir o relatório de art. 49, fizera reserva expressa da faculdade de reabrir e continuar processando o caso se não se verifica a integra conformidade com o acordo por parte do Estado.

De acordo com o art. 23.2 do Estatuto da Comissão, se não se chega a uma solução amigável, a Comissão deve, no prazo de 180 dias, emitir o relatório referido no art. 50 da Convenção.