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2. O brincante Raimundo Milú e a comunidade rural Cipó de Baixo

2.2 Raimundo Milú e sua história de homem “público”

A análise da história de vida do ator social Raimundo Milú apresenta-se como estratégia de compreensão do reisado do Cipó de Baixo como fato social intimamente associado a sua vida. Apreciamos elementos de sua biografia ao tempo que osrelacionamos com a história que construímos sobre a brincadeira. Não é nosso desejo detalhar fatos de sua biografia. Pelo contrário, nosso percurso analítico é considerar elementos de sua história que dialogam com a conformação peculiar do reisado do Cipó. Para tanto, partimos dos depoimentos dele, de seus filhos e amigos. Logo que iniciamos nossas visitas na comunidade, verificamos que a pessoa desse velho brincante era peça fundamental para compreender o que é o reisado do Cipó de Baixo e como ele resistia às pressões da modernidade (BAUMAN, 2001; GIDDENS, 2002; HARVEY, 2007). À medida que expormos trechos das entrevistas de pessoas da comunidade, essa vinculação visceral será demonstrada. Sua pessoa é emblemática de um padrão de sociabilidade que dá sustento a tradições como o reisado, os festejos e os leilões das comunidades rurais de Pedro II. É objetivo desse tópico demonstrar essa relação estreita.

Ainda a título de esclarecimento, com o decorrer do texto, a expressão “homem público” que intitula esse tópico do capítulo terá seus devidos esclarecimentos. Mas, a priori, podemos adiantar que ela realça o sentido de pertencimento às tradições comunitárias. Raimundo Milú é um homem fortemente marcado pelos costumes e valores mais tradicionais das comunidades rurais de Pedro II. Também é objeto desse tópicodar conta desse e de outros aspectos da vida de Milú que o singularizam como “dono” do reisado, caracterizam-no como

pessoa fortemente marcada por seu pertencimento social e que, por sua vez, motivam-no a continuar lutando pela brincadeira.

Com idade de oito anos a minha mãe morreu. Fiquei muito pequeno. Aí, meu pai num passava de três, quatro mês no mundo atrás de alguma coisa pra conseguir pra gente. As coisa muito difícil. Eu fiquei trabalhando, eu mais esse meu irmão que mora bem aí. Não tenho vergonha de dizer não. Hoje eu me orgulho de tá com minha família criada e nunca andei pedindo e nem botei meus filho pra pedir: foi trabalhando. Porque trabalhava eu na roça e trabalhava minha mulher em casa. Criemo nossos filho. Mas antes dos meus filho eu já tinha criado cinco irmão, que foi entre que minha mãe morreu, fiquei criando meus cinco irmão. Meu pai casou a segunda vez, teve mais cinco. Fui criar, ajudei a criar mais cinco irmão. Aí, depois que eu me casei e criei onze filhos. E hoje já tenho nove neto. (ri) E nunca trabalhei de firma. Andei muito nas firma mas não trabalhei. (MILÚ, 2009)

Os relatos da história de seu Raimundo Milú26 começam com o registro da morte de sua mãe. Em seus depoimentos, foi recorrente a narrativa desse fato na sua infância (nenhum outro anterior a esse). Por essa razão, afirmamos que sua história se inicia com a perda da mãe. Contraposto à ausência materna, ressalta-se o estreitamento da relação de nosso brincante com a família. O seu pai, pequeno comerciante ambulante, chegava a se ausentar três ou quatro meses: nestes períodos, Milú, como filho mais velho, responsabilizava-se pelos cinco irmãos. Certamente que contava com o apoio de parentes e vizinhos, mas nas suas recordações mantém-se vivo o fato de que “... eu já tinha criado cinco irmão...”. E, depois que seu pai viúvo casou pela segunda vez, “... ajudei a criar mais cinco irmão”. Este universo social denominado família sempre perpassou a sua trajetória. Não é à toa que alguns de seus filhos e seu cunhado estão diretamente envolvidos com o reisado.

Do mesmo modo, quando casado, criou seus onze filhos. Adiante teremos oportunidade de observar que seu envolvimento vai bem além de sua família nuclear: mantém fortes relações com seus sobrinhos. Com eles, comporta-se como um pai conselheiro que busca dialogar e orientar. Também verificamos na sua relação com os novos brincantes, que representam as damas do reisado, uma postura de orientador e conselheiro: os jovens brincantes possuem idades entre dezesseis e dezenove anos. Também identificamos em suas atitudes e postura que ele é uma espécie de provedor do reisado assim como sempre foi com seus filhos e família.

Como criatura responsável pela família, é importante ressaltar: “... nunca andei pedindo e nem botei meus filho pra pedir: foi trabalhando”. Graças ao trabalho que ajudou a criar seus irmãos e constituiu sua família. Quando tratarmos do reisado, essa associação com

o trabalho também faz parte de sua compreensão da brincadeira: o reisado é um trabalho pesado assim como o trabalho no campo. A imagem do “trabalho na roça” é emblemática da identidade de homem do campo (assim como seu oposto – a mulher que cuida da casa27). Sua família foi “criada” graças ao seu trabalho na “roça” e de sua esposa em “casa”. Importante destacar essa identidade de roceiro, pois ele mesmo realça: “e nunca trabalhei de firma. Andei muito nas firma mas não trabalhei”. Seu trabalho na roça o aproxima de suas origens familiares (desde criança trabalhou para ajudar a criar seus irmãos) e da sua identidade de trabalhador rural que não foi capaz de abandonar o campo: por essas condições, verificamos na vida de seu Milú um forte liame com os hábitos antigos das comunidades rurais piauienses.

Apesar disso, em narrativas posteriores, verificaremos que esse homem respeita a escolha de seus filhos em “trabalhar de firma” na metrópole São Paulo, mas reconhece que seu lugar de viver é o campo. Certamente que esse homem, com inúmeros parentes espalhados pelas comunidades da região, não se vê distante desse nicho de afeto e reconhecimento familiar. Como veremos nos capítulos seguintes, essa vida, orientada conforme os padrões tradicionais de vivência no campo, reforça a resistência cultural do reisado. Em outras palavras, se a brincadeira de Reis ainda persiste na comunidade rural Cipó de Baixo, deve-se fortemente ao fato de ser encaminhada e defendida por homens afeitos aos costumes tradicionais dessa e de outras comunidades rurais.

Alguma coisa que eu faço, ou de bom, ou de ruim, mas é de acordo com meus filho. Se deu certo a gente fazer bom, é de acordo com minha família. Se a gente faz pensando que é bom e dá ruim, mas tem que ser de acordo com a família. Porque acontece isso aí, Luciano, num é? (...) Eu criei a minha família aqui numa situação diferente de muita gente. Eu tenho o mais velho, que é o Evanildo, tem trinta e três anos completo já dentro dos trinta e quatro. Ele, ele pra comprar uma coisa acima de cem reais, ele tem que vir falar comigo ou com a mãe dele. De cem reais pra baixo, às vezes, eu até reclamo:

- Meu filho, tu já de maior. Não é mais criança não. Eu acho que dá pro mode tu concordar com a tua esposa e fazer a compra. Não precisa. Pra uma conta de dois a três mil pra cima, tudo bem, porque a gente fica participando daquele negócio que a pessoa vai fazer, mas de cem a duzentos reais... Não! Você é dono da sua cabeça, você é dono da sua vida.

Mas não, não se conforma. Vem aqui, trata a gente:

- Olhe, papai ou mamãe, eu tô querendo comprar esse negócio assim, assim, será que dá certo?

- Meu filho, é você quem sabe: se vê que dá certo, encare. Se vê que não dar certo, caia fora.

Porque eu não gosto muito de negócio porco não, Luciano. (MILÚ, 2009)

27 Na pesquisa feita sobre juventude da comunidade Lagoa do Sucuruju (a uma distância aproximada de três quilômetros do Cipó), constatamos que as mulheres jovens casadas, apesar de terem mais anos de escolaridade do que os homens, ocupam-se principalmente das atividades domésticas e do artesanato. Algumas poucas possuem outras ocupações que mantem estreita vinculação com o universo de mãe educadora, zelosa e cuidadora da casa e de seus moradores: agentes de saúde, professoras, merendeiras ou zeladoras de escola.

Essa vivência familiar orienta as ações e escolhas de seu Raimundo e de grande parte de seus filhos. O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta explica-nos que “... as famílias bem-definidas e com alto sentido de casa e grupo são coletividades que atuam com uma personalidade coletiva bem-definida. De tal ordem que elas são uma ‘pessoa moral’, algo que age unitária e corporativamente, como um indivíduo entre outros” (1994, p. 24). No discurso de Milú, essa “pessoa moral” que é a família aparece fortemente. Ao tempo que ressalta a sua identificação familiar, ressalta uma oposição entre família e “negócio”/“negócio porco”. Em família, todos se conhecem e andam segundo alguns acordos e hábitos definidos pelo grupo: é um espaço de confiança e segurança mútua. “Negócio” é seu oposto: dá-se entre desconhecidos e inspira desconfiança recíproca, pois ambas as partes defendem seus interesses individuais. Há o risco do “negócio porco”. E Raimundo Milú não faz “negócio porco”. O trato feito entre as partes é como uma combinação familiar – sempre “dá certo”. Assim, são os contratos do reisado: dono do reisado e “capitão” acordam a visita dos brincantes numa determinada noite em sua casa e a brincadeira acontece. E todos já sabem de antemão os compromissos de ambas as partes28. O reisado integra famílias: a família do capitão contrata a família dos brincantes que, por sua vez, vão para uma festa onde outras famílias foram convidadas. O reisado reúne famílias e, por essa razão, como veremos, os caretas devem comportar-se conforme um código de conduta que respeite os grupos familiares reunidos.

O reisado é uma prática cultural familiar: apesar dele ser o “dono” da brincadeira, a mesma é feita com a participação dos filhos que moram ainda no município de Pedro II (ele possuía, na época da pesquisa, três filhos morando em São Paulo) além de contar com a participação de um irmão, um cunhando e compadres (todos são agricultores e/ou aposentados). Assim como quem recebe os brincantes em suas casas são o “capitão” e sua família. Veremos que a brincadeira depende da associação de esforços entre as famílias; não depende exclusivamente da iniciativa de indivíduos que negociam a realização do “movimento”. Como uma extensão da família, “alguma coisa que eu faço, ou de bom, ou de ruim, mas é de acordo com meus filho. Se deu certo a gente fazer bom, é de acordo com minha família”.

Para Raimundo Milú, essa “pessoa moral” faz-se essencial para sua vida. Um outro filho seu ressalta que a relevância da família não é importante somente para o “dono” do reisado. Todos se sentem moralmente comprometidos com essa unidade familiar: “a gente, a

28 No capítulo seguinte, avaliamos por que razões, em algumas famílias, esse “acordo” não vem agradando o grupo de brincantes (especialmente, nas casas de “capitães” mais jovens).

nossa família (...) ela é uma família muito apegada. Os tios... tudim. Eles são muito apegado” (FRANCISCO MILÚ, 2009). Os vínculos familiares que “apegam” todos e fazem dessa coletividade uma referência social tão forte para esses atores. Assim, torna-se compreensível que o filho mais velho de Milú,“pra comprar uma coisa acima de cem reais, ele tem que vir falar comigo ou com a mãe dele”. Quando negociam, eles não empregam somente seu número de CPF e identidade ou sua assinatura individual como garantia, eles comprometem sua família. Não é à toa que são reconhecidos pelo mundo afora não pelo sobrenome que possuem; pelo contrário, são identificados pelo nome do pai – “Francisco do Raimundo Milú”, ou, se é mulher casa, pelo nome do marido – “Maria mulher do Raimundo Milú”.

Assim, podemos constatar que a figura de um sujeito individual anda distante das vivências do brincante Raimundo Milú e de uma parte significativa de sua família (e de tantas outras da zona rural de Pedro II). Ainda é Roberto DaMatta que lança luzes sobre essa figura do “indivíduo” consagrada pela sociedade ocidental moderna: “... repositório de sentimentos, emoções, liberdade, espaço interno, capaz portanto de pretender a liberdade e a igualdade, sendo a solidão e o amor dois de seus traços básicos (...) e o poder de optar e escolher, um dos seus direitos mais fundamentais” (1990, p. 181). O indivíduo é o sujeito social criado pela modernidade, que possui liberdade tanto para ser proprietário como também paravender sua força de trabalho, expressar sua opinião livremente nos cenários democráticos como também consumir o que desejar, além de poder optar entre a solidão e o amor como também desejar sem limites. Nas sociedades democráticas ocidentais, o indivíduo é o cidadão com direitos e obrigações, o consumidor capaz de comprar seus desejos, o sujeito capaz de fazer escolhas, um ser repleto de sentimentos e livre para cultivar suas idiossincrasias.

Diferentemente, Milú é um homem fortemente marcado pelas “redes de sociabilidade”29 tradicional: a família faz parte de um desses campos de pertencimento social. Nosso personagem é uma pessoa fortemente entranhada nos cipós de solidariedade social familiar. Roberto DaMatta explica-nos o significado da noção de pessoa: “o indivíduo contido e imerso na sociedade (...) a entidade capaz de remeter ao todo, e não mais à unidade, e ainda como o elemento básico através do qual se cristalizam relações essenciais e complementares do universo social” (1990, p. 182). A pessoa compreende aquele sujeito umbilicalmente associado aos grupos e redes sociais: neles se percebe e existe coletivamente. Não é um ser que quanto mais autônomo, mais forte transforma-se: pelo contrário, sua força está na

29 Conforme Ugo Maia Andrade, redes de sociabilidade são consideradas “formas históricas de relações, que perdurarão no tempo” (2009, p. 35). O adjetivo tradicional marca a diferenciação entre o moderno e esse campo de relações marcado pela pessoalidade e por outras características que são explicitadas no decorrer deste trabalho.

inserção e na solidez de seus pertencimentos sociais. Dessa maneira podemos ver Raimundo Milú. Esse pertencimento familiar e comunitário aparece também nas palavras de seu filho, o Francisco: “esse pessoal, Lagoa do Sucuruju, Cipó de Cima, Cipó de Baixo, tudo é uma família só” (2009). Nesse universo social apreendido como “uma família só” que nosso brincante cresceu e aprendeu a valorizar os laços de sociabilidade familiar.

Assim como observamos no reisado e está descrito nos capítulos seguintes, os passos dados por Milú e seus parentes são, em grande parte, condicionados por sua inserção familiar. É no jogo das interações entre as famílias que muitas das escolhas e comportamentos são tomados pelos indivíduos. A família é uma espécie de segunda identidade que localiza a pessoa num universo de valores e potencialidades. Ser ou não trabalhador, ser ou não justo, ser ou não correto e tantas outras possibilidades de caráter ou de comportamento podem ser medidas pelo pertencimento familiar. Se não é um princípio absoluto, por sua vez serve como parâmetro que orienta determinadas escolhas, negócios e até casamentos.

Sobre sua juventude, o próprio Raimundo Milú faz questão de diferenciá-la da juventude atual: “eu gostava de irminhas brincadeira. Eu ia. Festa, eu ia. Só não ia era me sentar numa banca com quatro, cinco amigo pra gastar dinheiro à toa não. Não. Eu sempre gostei de beber. Eu sempre gostei de brincar”. No entanto, brincava e divertia-se diferentemente do tempo presente: para Milú, brincar era participar ativamente das atividades de lazer. O jovem não se fechava num pequeno grupo como se estivesse alheio às vivências circulantes em todo movimento. Importante salientar que, na sua comparação, o velho brincante chama atenção para mudanças na atitude da juventude quanto ao “brincar”. No tópico anterior, procuramos ressaltar alguns comportamentos particulares a essa juventude diferente daquela da qual fez parte Raimundo Milú. Um comportamento que singulariza essa juventude contemporânea é sua postura passiva, como quando senta um grupo de jovens numa mesa para beber e despender muito dinheiro: a banca se fecha entre eles. Seja um pequeno grupo, seja uma grande roda, eles colocam-se alheios às demais pessoas que estão no espaço a sua volta. Tive oportunidade de constatar essa postura juvenil nos “movimentos” feitos no terreiro de seu Raimundo Milú: os jovens sempre se posicionam em uma ou duas bancas distantes dos demais participantes. Diferentemente, as outras pessoas posicionam suas cadeiras ou mantem-se em pé, de modo a não fechar-se num círculo: o posicionamento delas sempre permite ver e comunicar-se com as demais. Um “movimento” (leilão, ensaio do reisado, bingo, festa de aniversário, reisado etc.) é uma oportunidade para rever parentes, compadres, afilhados e amigos, atualizar as informações, matar saudades, recordar, conversar, de um modo que todos circulem livremente e possam sair de uma roda de prosa para outra. A

abertura para a interação com todos é uma característica forte desses encontros coletivos. “Brincar”, para o jovem Raimundo Milú, tinha esse sentido de estar fazendo parte dessas redes de interação social. Desde tenra idade, gostou de participar dos “movimentos” ou mesmo organizar algumas festas, leilões e a própria folia de Reis.

A pessoa sai daqui pra São Paulo ou pra Brasília ou pra o Rio ou pro Rio Grande do Sul, seja lá pra que lugar for, a pessoa sai naquele pensamento de conseguir um emprego bom pra ganhar, pra poder sobreviver, pra poder ajudar os pais ou a mãe ou um irmão, ou a qualquer uma pessoa da família. Não todos! Uns! Porque acontece, mermo, eu já digo é assim: acontece nos meu, que esse mermo, que tá pagando um salário de, uma pensão de duzentos e oitenta pro filho, ele, até agora poucos dia, ele chegava a ganhar três mil reais, trabalhando em restaurante. Aí, o que mete na cabeça de um menino desse? Quando ele recebia o pagamento (...), botava uma banca ali, chamava quatro, cinco amigo, só se levantava quando estourava o dinheiro todim. Será que ele tava pensando na vida dele, do filho e da mulher? Será que ele tava? E assim não é só os meu não. É os meu e é quase todos que vai. (MILÚ, 2009)

Essas atitudes são novas e incompreensíveis para Raimundo Milú: jovens que saem de suas famílias e comunidades com o “pensamento de conseguir um emprego bom pra ganhar, pra poder sobreviver, pra poder ajudar os pais ou a mãe ou um irmão, ou a qualquer uma pessoa da família”. No entanto, são capazes de “estourar” todo seu dinheiro com bebida. Brincar é tolerável, contudo divertir-se sem levar em consideração os compromissos que possuem com seus familiares não possui justificativa. Mesmo um de seus filhos possui sua atitude condenada por negligenciar suas responsabilidades como pai. Milú não reprova a diversão tampouco a ingestão de bebida, pois assim o fazia também quando era jovem. Contudo, a diversão não pode competir com os compromissos de um jovem com sua família: os desejos e vontades individuais não podem ser superiores às obrigações familiares. Para Milú, que desde cedo assumiu a responsabilidade de “criar cinco irmão”, essas novas posturas lhe causam perplexidade e pesar. Brincar e assumir as responsabilidades familiares e sociais não são atitudes excludentes; pelo contrário, faz parte daquelas posturas esperadas de um jovem.

Importante ressaltar que o sentido de festa e brincadeira, para Milú, está intimamente associado ao mundo social do qual faz parte. Brincar, divertir não se realiza num desejo de fuga ou esquecimento temporário dos compromissos sociais a que todos estão sujeitos. Pelo contrário, quando se brinca ou se diverte, o jovem Milú reafirma suas posições sociais como pessoa de família, trabalhador que ajudou a criar os irmãos, aquele amigo de todos. Esse jovem não foge de sua condição de sujeito moralmente comprometido com a comunidade na qual cresceu, constituiu sua família e se reconhece como parte (DURKHEIM, 2011). A

brincadeira do reisado também apresenta esse caráter de festa reafirmadora de uma determinada moralidade comunitária.

Na mesma direção, descatamos o fato de que festas e brincadeiras sempre fizeram parte da vida desse brincante de Reis e de sua família:

É prazer mesmo, sabe? Eu acho que tá no sangue (ri). Aí a gente já her... Eu acho que a gente já herdou isso do meu pai. Ele desde os doze ano que faz festa. Aí,