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RAZÕES DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL PARA A SEGMENTAÇÃO

Quando foram trazidas para o Brasil em 1907, as cooperativas eram de livre admissão de associados, do tipo Luzzatti, tendo por única limitação a atuação

restrita a determinado município. Essa limitação não decorria de lei ou norma, mas da natureza do empreendimento, importado da Alemanha109.

Em 1933, o Decreto nº 23.611110, cuidou de segregar as espécies de cooperativas de maneira ampla, pois se o analisarmos veremos, por exemplo, que as cooperativas agrárias poderiam associar o proprietário das terras, o cultivador, o arrendatário, o parceiro, o colôno, o criador de gado, o jornaleiro e quaisquer pessoas empregadas em serviços rurais. Com as demais categorias, de proletários, profissionais liberais e funcionários públicos, deu-se da mesma forma, ou seja, não podemos considerar este decreto como a norma segmentadora das cooperativas de crédito, dada a amplitude com que dispôs sobre cada espécie de cooperativa.

Concluímos que a efetiva segmentação das cooperativas ocorreu por ato do Banco Central do Brasil, Resolução nº 11/1965111, que as segregou em apenas duas espécies: a) produção rural e; b) empregados de determinada empresa pública ou privada.

Analisando o voto que deu origem a norma112, pois em sede de resoluções do Banco Central não há exposição de motivos ou trâmite parlamentar, as razões para a segmentação decorreram dos desmandos dos administradores das cooperativas de crédito, que ocorriam em face da regulação dispersa e ineficiente, aliado a falta de identidade entre o seu quadro social, composto por pessoas de diversas origens. Eis parte do voto do que deu origem a norma:

A ausência de medidas repressivas não constituía, no entanto, o único fator do acentuado desvirtuamento observado no sistema. Este provinha

109 ORGANIZAÇÃO das Cooperativas Brasileiras. História. Disponível em:

<http://www.ocb.org.br/site/ramos/credito_historia.asp>. Acesso em 6 nov. 2013.

110BRASIL. Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 23.611 de 20 de dezembro de 1.933. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D23611.htm>. Acessado em 8 nov. 2013. 111BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 11, de 20 de dezembro de 1965. Disponível em: < http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1965/pdf/res_0011_v1_O.pdf>. Acessado em 8 nov. 2013. 112Os votos que dão origem as normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional, e publicadas pelo Banco Central do Brasil, podem ser obtidas mediante requerimento junto ao portal de Acesso à Informação, mantido pela Controladoria Geral da União, com endereço em:<

http://www.acessoainformacao.gov.br/acessoainformacaogov/acesso-informacao-brasil/index.asp>. Acesso em 14 nov. 2013.

principalmente da dispersão existente na regulamentação legal das cooperativas, agravada pela falta de método na redação da lei básica e pelas derrogações e complementações sucessivas operadas pelos diplomas legais posteriores. Tinha-se, como tem hoje, uma legislação cooperativista, que, além de fracionada, se detém com extrema minudência em regras acessórias, sem abordar os aspectos essenciais da matéria. Nota-se, portanto, que havia um problema legal e regulamentar no cooperativismo de crédito, que a míngua de normas, servia aos mais variados propósitos particulares, de seus gestores ou de pessoas influentes, o que gerava sérios problemas, como se nota do complemento do voto:

Em conseqüência, há mais de uma década, vem sendo o sistema submetido a profundas distorções. Vale notar, por exemplo, que o quadro social das cooperativas que operaram em crédito é quase sempre, na realidade, um agrupamento de pessoas de profissões heterogêneas, que se ignoram ou mal se conhecem, e que de comum têm apenas a condição de cooperado, invariavelmente adquirida apenas para se habilitarem aos empréstimos previstos nos estatutos. Seja por desconhecimento da doutrina cooperativista, ou por desinteresse em praticá-la, esses associados colocam-se na posição de meros clientes de um banco comercial, manifestando, em conseqüência, total indiferença pelos destinos da sociedade, o que se confirma pelo reduzidíssimo comparecimento as assembléias (quase sempre realizadas em terceira convocação), mesmo quando em pauta esteja colocado assunto de indiscutível interesse geral. Desse modo, fácil se torna o controle das instituições da espécie pelas pessoas que as administram, mormente quando lançam mão do reprovável expediente de obter procuração do associado, no momento da admissão, para representá-los inclusive nas assembléias.

Duas questões são apontadas, portanto, como causa para a segmentação: a) a falta de regulamentação e; b) o desconhecimento do quadro de associados quanto ao exercício do cooperativismo. Para contornar esses problemas, o Banco Central segmentou as cooperativas, acreditando que, constituídas por um grupo menor de pessoas, a natural confiança entre elas resolveria a questão, impedindo que uns poucos se utilizassem da cooperativa para fins particulares.

Essa premissa, a nosso ver, é falsa. Primeiro porque em meio aos funcionários de grandes empresas encontraremos pessoas que mal se conhecem, logo, a tal confiança mútua restaria, da mesma forma, prejudicada. O desinteresse do quadro social pelos assuntos da cooperativa também não seria resolvido pela segmentação, mas pela educação do quadro social, prova disso é que em algumas cooperativas pequenas e segmentadas o comparecimento nas assembléias é pequeno e em algumas grandes cooperativas, atualmente de livre admissão, há um comparecimento maciço dos sócios. Logo, não é o número de associados, ou o tamanho da cooperativa, que determina o seu correto funcionamento.

Os argumentos da autoridade monetária, acima citados, talvez buscassem esconder o verdadeiro motivo da segmentação, que era econômico, ligado a concorrência, senão vejamos:

Assim controladas, passam a operar, com raríssimas exceções, como se bancos comerciais fossem, captando depósitos de não associados, prestando-lhe serviços auxiliares de crédito e aplicando seus recursos mediante critério essencialmente comercial, isto é, com vistas apenas a maior rentabilidade e às garantias oferecidas, ferindo, desse modo, o princípio básico do cooperativismo aplicado ao crédito – preferência às operações de menor valor e ao crédito pessoal sobre o de garantia real. Tudo isso, aliás, é praticado a salvo de ônus, disciplina e obrigações a que estão sujeitos os bancos comerciais, em regime de baixo custo operacional (essas sociedades que sempre gozam de franquias fiscais) e ainda em circunstâncias que praticamente põem a coberto os administradores dos desmandos cometidos, uma vez que as deliberações das assembléias são por eles ditadas.

Ora, se as razões anteriores para a segmentação não se sustentam, pois o fato dos associados pertencerem a determinado e específico segmento da sociedade não garante que terão mais zelo, interesse e cuidado com a cooperativa, as razões econômicas acima citadas também não suprem a lacuna.

Isso porque, não há princípio cooperativista que preveja a preferência às operações pessoais em detrimento de operações com garantia real, muito menos que impeça, ou limite, às cooperativas a buscarem melhor rentabilidade de suas aplicações financeiras.

Logo, houve nítido interesse da autoridade monetária em limitar a concorrência das cooperativas para com o mercado bancário convencional, por acreditar que estas, em razão de possuírem um benefício fiscal, estariam em situação privilegiada.

O argumento de que os administradores das cooperativas não estavam sujeitos aos mesmos regramentos dos demais administradores de instituições financeiras poderia ser resolvido pela própria autarquia, sem a necessidade de segmentação das cooperativas, pois uma coisa não guarda qualquer relação com a outra.

Mas tais argumentos não foram observados pelo Banco Central, que em 1992, por meio da Resolução 1.914113, apesar de revogar a Resolução nº 11/65114, manteve a segmentação com melhor detalhamento, inclusive com regras

113 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 1.914, de 11 de março de 1992. Disponível em: <

http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1992/pdf/res_1914_v7_L.pdf>. Acessado em 8 nov. 2013.

114 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 11, de 20 de dezembro de 1965. Disponível em: <

operacionais direcionadas a esse tipo de instituição financeira e vedação expressa à constituição de cooperativas do tipo Luzzatti, que a rigor eram de livre admissão de

associados, embora adstritas a atuar em determinado município.

A Resolução nº 2.608/99115, trouxe critérios mais rígidos de segmentação, além de determinar que, no prazo de 2 (dois) anos de sua publicação, fossem extintas as cooperativas do tipo Luzzatti, o que somente foi contornado pela

mobilização dessas cooperativas, que obtiveram a alteração dessa norma, por meio da Resolução nº 2.771/00116.

Somente em 2002, por meio da Resolução nº 3.058117, houve a primeira abertura para a livre admissão de associados, com a permissão para a constituição de cooperativas de pequenos empresários, microempresários ou microempreendedores, sem definir um ramo específico de atuação.

A principal razão para essa permissão é o fomento da atividade econômica, mediante o acesso ao crédito e a redução do spread, que somente seriam atingidos

se houvesse concorrência das cooperativas com o mercado bancário convencional, conforme se nota das razões lançadas no voto que aprovou a norma:

Cabe notar que, para esse segmento econômico convergem esforços de vários órgãos de apoio existentes no País, principalmente pela importância que assume na geração de empregos, representando o acesso ao crédito uma de suas dificuldades mais prementes, conforme atestam vários levantamentos disponíveis. A presente proposta insere-se diretamente no amplo projeto que vem sendo conduzido por essa Autarquia, de disseminação dos serviços financeiros aos segmentos menos assistidos pelo sistema financeiro tradicional, bem como na redução do spread das operações de crédito.

Há outros pontos importantes relatados no voto que deu origem a norma, que se alinham no mesmo sentido do que já expusemos anteriormente, como se nota:

Observo que a regulamentação ora em vigor permite a constituição dessas cooperativas, mas de maneira muito restrita, haja vista a exigência de que seu quadro de associados seja formado por integrantes de segmentos de atividade segundo cada especialização.”

“...limitando a viabilidade de sua constituição apenas às grandes cidades, onde é possível reunir número suficiente de empreendedores da mesma especialidade. Esse número é determinante para proporcionar escala mínima necessária ao empreendimento, não somente no aspecto

115 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 2.608/99, de 27 de maio de 1999, art. 3º.

Disponível em: < http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1999/pdf/res_2608_v1_O.pdf> Acesso em 8 nov. 2013.

116 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 2.771 de 27 de maio de 1999. Disponível em: <

http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2000/pdf/res_2771_v3_P.pdf>. Acesso em 14 nov. 2014.

117 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 3.058, de 20 de dezembro de 2002. Disponível

em: < http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2002/pdf/res_3058_v1_O.pdf>. Acessado em 8 nov. 2013.

econômico-financeiro, mas também no tocante à formação de quadros diretivos e gerenciais.”

“Com relação à solução aqui proposta, lembro que existem inúmeras experiências de sucesso proporcionadas pela regulamentação adotada noutros países, onde não é exigida a segmentação por atividade especializada, favorecendo a criação de instituições financeiras cooperativas de atuação regional.

Como dissemos, esse voto reconhece que a diretriz da especialização, que torna os sindicatos mais fortes, funcionava de maneira inversa para as cooperativas de crédito, limitando, e até mesmo impedindo, a sua constituição e/ou desenvolvimento, pois somente nos grandes centros seria possível a sua constituição, por razões de escala.

Mesmo assim, é inegável o avanço que a norma trouxe ao segmento, ao flexibilizar a segmentação das cooperativas de crédito e preparar o terreno para a livre admissão de associados, que somente ocorreu com a Resolução 3.106/2003118, que foi embasada nas seguintes razões:

A presente proposta representa, também, passo significativo na continuidade do projeto, em implementação por esta Autarquia, de ampliação da oferta de serviços financeiros às diversas camadas sociais e segmentos econômicos do País e de redução do spread das operações de crédito e das tarifas de serviços, na seqüência das medidas já adotadas visando à redução de custos operacionais e de riscos e à elevação do nível de concorrência nesse mercado.

Nota-se, novamente, o viés econômico da medida, mas desta vez atrelado às diretrizes governamentais de inclusão bancária e fomento econômico, que já constavam de outras resoluções, e redução do spread bancário, ou seja, as

cooperativas, de concorrentes desleais, conforme fundamentos da Resolução nº 11/65, passaram a exercer um importante papel no incentivo a concorrência bancária.

As razões utilizadas outrora para a segmentação, cederam lugar à lógica do melhor regramento para a constituição e operação dessas instituições, pois como já dissemos, a segmentação, por si só, não transformaria um empreendimento inviável em viável.

As lúcidas razões do voto embasador da norma trilha nessa linha:

8. Observo, no tocante às medidas aqui propostas, que as cooperativas de livre admissão de associados são equivalentes às atuais cooperativas do tipo Luzzatti, para as quais a norma em vigor veda a concessão de autorizações de funcionamento, não obstante haver em operação 13 cooperativas autorizadas antes de 1970. Desde essa data, não foram concedidas novas autorizações, em decorrência da experiência negativa

118 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 3.106, de 25 de junho de 2003. Disponível em: <

derivada, à época, do fechamento de várias sociedades cooperativas, cujo insucesso foi, a meu ver, provocado pela conjugação entre as crises econômicas e a fraca estrutura regulamentar e de supervisão então ocorrentes, o que levou a autoridade a optar pelo modelo atual de formação de cooperativas de crédito segmentadas por categoria profissional ou por vínculo empregatício com determinada entidade.

A segmentação das cooperativas sempre limitou a sua constituição e o seu desenvolvimento. Os argumentos utilizados para a segmentação dessas sociedades não se sustentavam, pois efetivamente o único e principal vínculo que os associados devem possuir liga-se ao empreendimento cooperativo, pouco importando a origem dos sócios, que é irrelevante caso possuam compromisso com o empreendimento que ajudaram a constituir ou desenvolver.

Dado o primeiro passo, que era a permissão para a constituição, eram necessárias evoluções, pois o regramento para a constituição, transformação e operação as cooperativas de livre admissão era mais severo do que para as demais cooperativas segmentadas.

A primeira evolução ocorreu na Resolução nº 3.140/03119, que nominou expressamente as cooperativas do tipo Luzzatti como Livre Admissão de

Associados, permitindo que estas ampliassem a sua área de atuação por meio de dependências. Eis o teor do voto condutor da norma:

13. Finalmente, destaco a necessidade de revisão das condições de atuação das cooperativas de livre admissão de associados instituídas anteriormente à edição da Resolução nº 3.106, de 2003, denominadas historicamente de cooperativas do tipo Luzzatti. Observado o funcionamento na respectiva área de atuação da cooperativa, conforme aprovada anteriormente à edição da citada regulamentação, julgo possível permitir a prestação de serviços por intermédio de Postos de Atendimento Cooperativo (PAC) e de Postos de Atendimento Transitórios (PAT). Assim, somente na hipótese de ampliação da área de atuação dessas cooperativas seria mantida a exigência de adequação de seu estatuto social às normas, mais restritas, que disciplinam a atuação das demais cooperativas de livre admissão.

A segunda evolução, e vigente atualmente, ocorreu com a Resolução nº 3.859/2010120, que possibilitou a transformação de cooperativas segmentadas em cooperativas de livre admissão em municípios com mais de 2 milhões de habitantes, o que também facilitou a fusão de cooperativas menores em grandes cooperativas de livre admissão de associados, como se nota:

119 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 3.140, de 27 de novembro de 2003. Disponível

em: < http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2003/pdf/res_3140_v1_O.pdf>. Acessado em 8 nov. 2013.

120 BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução nº 3.859, de 27 de maio de 2010. Disponível em: <

21. A presente proposta visa ampliar as possibilidades de atendimento das cooperativas de livre admissão de associados, atingindo-se, ao mesmo tempo outros benefícios. Observo que o limite de dois milhões de habitantes imposto pela regulamentação para a área de admissão dessas cooperativas acarretou, em alguns casos, a eliminação de diversos municípios antes atendidos pelas cooperativas da área, com vistas a permitir sua transformação para o regime de livre admissão. Outras consultas recebidas por esta autarquia também receberam sinalização negativa em função do referido limite, apesar de haver razões que indicavam, em tese, a viabilidade e segurança do projeto.

...

23. Cabe considerar que a possibilidade de criação de cooperativas de maior porte representa estímulo à fusão de cooperativas menores, o que eleva a capacidade de prestação de serviços e a viabilidade econômica do setor, favorecendo também um maior nível de concorrência no sistema financeiro. Entendo, neste último aspecto, que é desejável e até necessária a existência de um grupo de cooperativas de livre admissão de maior porte, com vistas ao cumprimento do papel reservado ao setor cooperativo de crédito no estímulo à concorrência dentro do sistema financeiro.

Espera-se, atualmente, que a regulamentação prossiga facilitando a constituição, a transformação e a atuação das cooperativas de crédito de livre admissão de associados, pois pretendemos demonstrar com esse trabalho que a segmentação constituía-se em desnecessário entrave ao seu desenvolvimento.

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