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As recém-chegadas freiras francesas

CAPÍTULO 1. O Colégio São José de Castro ao tempo de sua instalação

1.4. As recém-chegadas freiras francesas

Quem eram, afinal, as jovens francesas que chegavam a Castro para o exercício do magistério, para a condução da moratória social de crianças e jovens, para, ao mesmo tempo, negar e afirmar um novo papel social à mulher? Coerentemente ao pensamento que vigia no âmbito da Congregação de São José no início do século XX, as Irmãs procuravam não demarcar com personalismo sua atuação. De forma que identificamos dois fenômenos repetirem-se através do século nas páginas dos jornais castrenses em relação às Irmãs de São José: primeiramente, a menção à escola sempre era feita em relação ao conjunto das religiosas, como algo compacto e homogêneo, a quem são dirigidos elogios pela dedicação e competência. Não se indicavam os nomes individuais ou a especialização por disciplinas que regiam. Em segundo lugar, e no sentido oposto, referia-se a madre superiora de cada período como figura catalisadora das atenções e reverências, esta sim deixando gravado o seu nome nos arquivos da memória. É como se, no conjunto das tarefas específicas da superiora, houvesse uma que não cabia às demais religiosas, ou seja, a de mostrar-se ocasionalmente ao mundo, e nele interagir como ponto de referência para o grupo social mais amplo como personificação da Congregação e do Colégio.

O aspecto da centralidade da madre superiora como operadora dos contatos com o meio social foi percebido por Yvonne Turin, ao estudar as congregações femininas em França, identificando em sua figura uma nova espécie de inserção feminina no plano social. A autora indica o fortalecimento das madres superioras ao longo do século XIX como conseqüência do movimento centralizador que se impõe às associações femininas, antes locais, em agrupamentos com direção comum, quer pelas exigências legais impostas pelo Estado francês, quer pelos bispos, interessados em obter certa uniformidade no tratamento das questões religiosas. Uma característica bastante significativa deste conjunto de acontecimentos, segundo a pesquisadora, é que as superioras eram indicadas ainda muito jovens e deviam tomar toda uma série de decisões premidas por questões não só religiosas, mas também, políticas, legais, e mesmo de saúde pública. Assim, resume Turin: “o primeiro aspecto da atividade da

religiosa no século XIX, é a rapidez com a qual ela se acha impulsionada a agir, qualquer que seja, afinal, sua idade, e a pouca ou nenhuma preparação”.57

Esse novo posicionamento da mulher consistia numa forma de inserção social em que tarefas específicas eram destinadas aos grupos de religiosas, os quais eram identificados através da figura da superiora num procedimento de aquisição de coesão que fazia multiplicar a força da própria atuação do grupo. Assim, afirma Turin, o novo espaço social que se abria rapidamente ao sexo feminino foi

“sem dúvida, uma das razões do grande crescimento dessas congregações. Elas consistiam num espaço de promoção, de afirmação de si mesma, e mesmo em posto de comando para as mulheres da época, em domínios que interessavam à construção da sociedade em todos os aspectos, e não somente no religioso.

Enquanto membro de uma congregação, poder-se-ia tornar uma mulher oficial”.58

A antinomia que acontecia no seio das congregações femininas na Europa entre vida contemplativa e ação secular é um paradoxo que se vinha instalando já a partir do Concílio de Trento, no século XVI, segundo Claude Langlois. A centralização das congregações em grandes casas-mães que destacavam suas agregadas para a execução de múltiplas atividades acontecia, segundo o pesquisador, primeiramente num impulso de ocupação do regional, e, mais tarde, abrindo-se para missões de caráter nacional ou no estrangeiro. Afirma o estudioso: “ao longo das décadas, as famílias religiosas originárias da França viram seu centro de gravidade descolar-se, de início ao novo

57 «Premier aspect donc du métier de religieuse, au XIXème siècle, la rapidité avec laquelle on se trouve happée par l‟action, quels que soient finalement l‟âge et le peu, ou l‟absence, de préparation».

in TURIN, Yvonne. Femmes et Religieuses au XIXème Siècle. Le fèminisme en religion. Paris:

Nouvelle Cité, 1989, pp. 53-54.

58 «Sans doute est-ce là une des raison de l‟extrême croissance de ces congregations. Elles étaient un lieu de promotion, d‟affirmation de soi-même, et même de commandement pour les femmes de cette époque, dans le domaines qui touchaient à la construction tout entière, et pas seulement religieuse, de la société. Membre d‟une congrégation on pouvait être une femme officielle». in TURIN, Y. op. cit. p.

58.

mundo, e posteriormente, muitas vezes, em direção ao terceiro mundo”.59 Assim, o tipo de congregação religiosa que viria a triunfar após a Revolução Francesa, no século XIX, seria aquele nascido na primeira metade do século XVII, tendo como modo de organização a centralidade em torno da figura da superiora geral. Seria, dessa forma, conseqüência indireta da Revolução a preeminência do modelo congregacional feminino face ao enfraquecimento do aparelho hierárquico clerical masculino. A demanda por um movimento de reafirmação da religião com características de utilidade social teria ensejado o alargamento da atuação das superioras. No lugar do bom pároco, a partir do século XIX, é a “irmã de caridade que agora assume esta função social, e que deixará o clero secular livre, em limites então mais estreitos, para retornar às tarefas mais exclusivamente religiosas.”60 Acelerou-se, portanto, a feminilização do catolicismo, constituindo-se as congregações em empreendimentos prestadores de todo tipo de serviço nos limites das dioceses – ensino, saúde, assistência social e tarefas administrativas.

Em resumo, segundo Langlois, as congregações femininas no século XIX, trocaram o ócio religioso (a prece coletiva, a meditação individual e a ritualização de gestos da sociabilidade conventual) pelo neg-ócio sacralizado – as atividades manuais ou intelectuais exercidas pelas religiosas sozinhas ou em pequenos grupos, santificadas

“pela finalidade que o ideal congregacional lhes assinalava”.61 Isto se dava, então, por dois movimentos inversos, mas complementares – a laicização das atividades congregacionais sempre mais presentes no plano social acontecendo em função de uma preparação prévia bastante fechada, em âmbito conventual, preservada em certos espaços de acesso exclusivo às religiosas em seus locais de atuação. Há, portanto, uma constante interplexão entre público e privado levando a contrabalançar a vivência

59 «au fil des décennies, les familles religieuses originaires de France on vu leur centre de gravité se déplacer, d‟abord vers le nouveau monde, et ultérieurement parfois en direction du Tiers Monde». in LANGLOIS, Claude. Le Catholicisme au féminin. Les congrégations françaises à supérieure générale au XIXe siècle, Paris: Les Éditions du Cerf, 1984, p. 800.

60 «c‟est la bonne soeur qui maintenant assume cette function sociale, ce qui laissera le clergé séculier libre, dans les limites maintenaint plus étroites, pour revenir à des tâches plus exclusivement religieuses». in LANGLOIS, C. op. cit. p. 801.

61 «par la finalité que l‟idéal congréganiste lui assigne» in LANGLOIS, C. op. cit. p. 803.

pessoal da religiosa, por definição recatada e silente, ante o tempo que passou a despender em ações públicas concretas dirigidas à transformação social conforme as diretivas da Igreja Católica em seu projeto de modernização conservadora.

É neste espírito, conscientes de ter um papel específico a cumprir, que as primeiras freiras chegaram a Castro. Através da historiadora Idalina Bueno de Magalhães, ex-aluna matriculada no Colégio em 1927, e que posteriormente lecionou em sua escola normal, conhecemos o nome das quatro religiosas chegadas em 1905:

“Relacionemos as Irmãs fundadoras: Madre Anne Félicité, Irmã Rosa Filomena, Irmã Aglaé e Irmã Maria Basília, cuja memória merece tributo de gratidão, porquanto foram essas abnegadas religiosas as organizadoras desse modelar educandário, sob cujo teto acolhedor as tradicionais famílias vêm obtendo o aprimoramento intelectual de seus filhos: a elas coube enfrentar o trabalho de organização, afanoso e cheio de percalços.”62

As quatro religiosas que teriam instalado o Colégio de Castro em seus primórdios fazem parte de um dos dezoito grupos de Irmãs de São José que partiram da Diocese de Moûtiers, no extremo oeste da França, da região montanhosa da Alta Savóia, totalizando 93 missionárias entre 1896 e 1949.63 Tais religiosas, pertencentes à assim nomeada Congregação das Irmãs de São José de Moûtiers, foram as responsáveis pela disseminação dessa organização católica nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul, na virada dos séculos XIX e XX.

Pouco saberíamos dos desdobramentos iniciais dessa atuação não fosse o atento volume produzido pelo abade Trésal, com o intuito de interessar outras jovens francesas a emigrar ao Brasil na condição de religiosas, publicado em Paris, trazendo a descrição de todos os estabelecimentos de São José em funcionamento no Sul do Brasil até 1929.64 Pelo relato de Trésal, somos informados que o primeiro contato com a Congregação em Moûtiers foi feito pelo padre jesuíta Giovanni-Maria Cyber, a

62 MAGALHÃES, Idalina Bueno de. Narrativas. Castro: Gabriel Indústria Gráfica, 1999, p. 22.

Transcrição de artigo publicado no Estado do Paraná em 18/06/1960.

63 No Anexo 2 apresentamos quadro cronológico nominal das religiosas emigradas.

64 TRÉSAL, J. Les Soeurs de Saint-Joseph de Moûtiers (Savoie) en France et au Brésil (1828-1928). Paris: J. Gabalda et Fils, 1929.

pedido do bispo de Curitiba, Dom José Camargo de Barros, em 1894. Conquistada a aquiescência da Madre Superiora Adèle, Dom José firmou sua aceitação em carta datada de 30 de abril de 1895, comprometendo-se a pagar o custo da viagem ao Paraná, e aconselhando o trajeto marítimo realizado por navios alemães que faziam escala no Havre e prosseguiam até Paranaguá. A intenção primeira do prelado paranaense, cuja diocese incluía o Paraná e Santa Catarina, era incumbir as religiosas dos misteres de cuidados a doentes na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.65 O primeiro grupo de cinco religiosas e dois padres franceses partiu do Havre a 28 de Maio de 1896, chegando a Paranaguá em 28 de Julho. As condições da navegação transatlântica não foram elogiáveis. As agruras sofridas pelo grupo de religiosos repetir-se-iam a cada nova leva de Irmãs. Vejamos a descrição de Trésal sobre a respeitosa; as irmãs tinham toda a liberdade de fazer seus exercícios de piedade em comum; aos domingos, um dos padres celebrava a santa missa e as irmãs que não se sentiam mal, tinham a felicidade de comungar. Nas cabines, a instalação era medíocre, mas os padres mantinham uma salutar alegria entre as missionárias. Depois de fazer demoradas escalas em São Vicente das Canárias, Cabedelo e Maceió (...) os viajantes chegaram a Paranaguá, em 28 de Julho. Já era tempo, desde Maceió, isto é, nos seis últimos dias, o pequeno barco, parcialmente sem lastro, dançava e rolava noite e dia”.66

65 Sobre a atuação das Irmãs de São José na Santa Casa de Curitiba ver: PIZANI, Maria Angélica Pinto Nunes. O Cuidar na Atuação das Irmãs de São José de Moûtiers na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba. (1896-1937). Tese de Doutoramento em História. Curitiba: UFPR, 2005.

66 «Le Macédonia était un petit bateau, une coquille de noix ; quelques heures après la sortie du port, tout le monde était malade. Et puis, il y avait la cuisine allemande avec ses mélanges si peu sympathiques aux estomacs français. Tout l‟équipage était luthérien, mais très respectueux; les soeurs avaient toute liberté de faire leurs exercices de piété en commun; le dimanche un des aumôniers célébrait la sainte maisse et les soeurs qui n‟étaient pas malades, avaient le bonheur de communier.

Dans les cabines, l‟installation était médiocre, mais les aumôniers entretenaient une saine gaieté parmi les missionaires. Après avoir fait de longues escales à Saint-Vincent des Canaries, à Cabedello, et à Maccio, (...) les voyageurs arrivèrent devant Paranaguá, le 28 juillet. Il était temps; depuis Maccio, c‟est-à-dire depuis six jours, le petit bateau, partiellement délesté, tanguait et roulait nuit et jour». in TRÉSAL, J. op. cit. pp. 136-137.

Os grupos que partiram nos anos seguintes optaram por outros trajetos, tomando navios maiores a partir de Bourdeaux ou Gênova até o Rio de Janeiro, passando depois à navegação de cabotagem para atingir o Paraná ou o Rio Grande do Sul em barcos brasileiros. Dessa forma, no caso de haver mar agitado, o incômodo seria de menor duração. O segundo grupo, de seis religiosas, partiu da França em 22 de Fevereiro de 1897, chegando a Paranaguá em 20 de Março, com a missão de assumir a Santa Casa de Misericórdia daquela cidade. No ano seguinte, 1898, um grupo maior, de doze Irmãs, tendo partido em 18 de Novembro, chegou ao Rio de Janeiro em 4 de Dezembro. A maior parte destas religiosas veio ao Paraná enquanto que quatro prosseguiram ao Rio Grande do Sul, atendendo ao pedido que fizera o Bispo de Porto Alegre, D. Cláudio Gonçalves Ponce de Leão, através do provincial dos capuchinhos na Savóia, de também contar com os préstimos das Irmãs de São José em sua Diocese.

Entre as religiosas chegadas em 1898 estava a Irmã Aglaé Brachet, do grupo que posteriormente fundaria o Colégio em Castro. A Irmã Anne Félicité Duc, primeira superiora em Castro, teria vindo com o sétimo grupo, em 1903. Já a Irmã Rose Philomène Uginet, outra das precursoras, pertencia ao sexto grupo chegado ao Brasil, em 1902. Quanto à Irmã Maria Basília, citada por Magalhães, não consta da listagem de Trésal, o que nos leva a supor já fosse conversa brasileira que tivesse aderido à Congregação.

A Irmã Joseph-Hermann (Virginie Rochat), chegada inicialmente ao Rio Grande do Sul em 1899, sucedeu as fundadoras Anne Félicité e Rose Philomène na direção do Colégio de Castro, ficando na cidade por muitos anos. É a única religiosa da Congregação de São José sepultada no Cemitério de Castro, contrariando o costume de que, ao chegarem à velhice, as Irmãs recolhiam-se ao Convento do Cajuru em Curitiba.

Como dizíamos acima, ao contrário das demais irmãs, os nomes das superioras eram ocasionalmente citados na imprensa, e serviam de referência para os relacionamentos entre a sociedade castrense e o Colégio. Vejamos, neste sentido, o poema que o ex-aluno João Carvalho de Macedo declamou e fez publicar por ocasião do cinqüentenário da instituição, dedicado à Madre Anne Felicité:

Invocação

Outro exemplo aparecido na imprensa castrense em que transparece a atribuição dos méritos da existência e expansão do Colégio à figura da Madre Superiora, é o da notícia do falecimento da Irmã Josefa, em 1938:

67 MACEDO, João Carvalho de. Invocação. Castro-Jornal, nº 1206, 29/10/1955, p. 1.

“Faleceu nesta cidade a 14 deste mês, confortada pelos sacramentos, a Madre Josefa Rochat, Superiora do Colégio São José. (...) Estimadíssima pela natural bondade e extrema simpatia que de si irradiava, a sua morte causou grande mágoa às Irmãs de São José, às alunas deste conceituado colégio, a todos quanto a conheceram, à população geral desta cidade. Foi por isso que se notou a consternação e o luto de que se cobriu a sociedade castrense com o passamento da veneranda educadora. (...) Assim findou-se uma vida preciosíssima para o bem espiritual e material de Castro. Sem jamais menosprezar os altos sentimentos patrióticos com relação à sua terra natal, a Irmã Josefa, por entre a complexidade dos seus deveres de superiora de uma grande casa de ensino, sempre encontrava tempo para se interessar vivamente pela boa sorte de Castro e seu povo.

Todos os assuntos e problemas relacionados com a nossa cidade, município e sua população, mereciam da abnegada e culta religiosa o seu máximo de dedicação, tornando-se proverbial o seu devotamento a Castro e aos castrenses. (...) Castro-Jornal, traçando estas linhas muito sente a morte e rende pálida homenagem à Madre Josefa, figura exponencial de virtudes no seu alto cargo de Superiora do Colégio São José, e de singular dedicação às boas causas de Castro.”68

Com o desaparecimento da Irmã Josefa, assinala-se o fim do ciclo no qual o Colégio foi dirigido por religiosas vindas de França.

68 Castro-Jornal, nº 391, 19/11/1938, p. 4.