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CAPÍTULO 2. Das causas conexas

2.5. Reflexos na cidade de Castro

Os jornais editados em Castro no final do século XIX e no início do XX, trazem-nos alguns indícios de como as discussões de ultramontanos versus anti-clericais alcançavam a comunidade castrense. A ocorrência de artigos sobre tal temática é pouco freqüente, talvez pelo pouco espaço que dispunham os jornais, hebdomadários ou quinzenais; talvez pela pouca identificação da população local com o embate ideológico que se colocava em outros centros maiores. Há maior ocorrência de debates via imprensa nos órgãos do século XIX. Vejamos:

No âmbito d‟A Campanha, a discussão girava em torno da filiação dos católicos à maçonaria. De um lado, o editor da folha Pedro Machado de Souza Galvão fazia a defesa da sociedade dos pedreiros-livres; de outro, o pároco belga Vanesse, acenava com a condenação eterna, conforme as determinações papais. Em seus editoriais, Souza Galvão afirmava ser a maçonaria a verdadeira fé cristã, despida de cegueira e estupidez, levando, não ao temor, mas ao amor a Deus. E lamentava as atuais diretivas romanas que teriam separado de causas comuns de interesse da nação, civis e religiosos: “depois de por longos anos vivermos na Santa paz do Senhor, abençoados pelo Clero Brasileiro, pelos nossos virtuosos prelados, coadjuvados por inteligentes e preclaros sacerdotes, que foram nossos Irmãos, eis que se nos move encarniçada guerra a título de parvoíces só dignas de homens despidos de senso comum”.178 E prosseguia o articulista, com fina ironia, antepondo o Evangelho ao Syllabus de Pio IX, como modelo das condutas cristãs: “digam o que quiserem, escrevam o que lhe aprouver, preguem e ensinem o erro e a calúnia, a Maçonaria trilhará com passo firme a senda da virtude, seguirá o Evangelho, e não o Syllabus, e cumprirá sua missão que é socorrer o infeliz e instruir o ignorante – Deus, Pátria e Caridade – , eis sua divisa”.179

O debate nas páginas d‟A Campanha devia refletir outros que se davam

178 A Campanha, nº 22, 14/06/1896, p. 2.

179 A Campanha, nº 22, 14/06/1896, p. 2.

oralmente, tendo como ponto focal o púlpito da Igreja, pois a resposta do pároco a Souza Galvão foi publicada no mesmo número do jornal, fazendo crer que a Loja Maçônica teria encaminhado ao Padre carta com suas considerações. A fala do sacerdote não veio despida de polidez, convidando os que tivessem dúvidas a folhear livros que teria em seu poder, com o fim de esclarecê-los, pois seria “certo que sobre cem maçons há mais de noventa que não sabem o que é realmente a maçonaria”.

Afirmava que oito papas já a teriam condenado e atacava os padres que chamou de rebeldes, que defendiam tal sociedade, contra o interesse da hierarquia católica: “esta confusão de idéias sobre a obediência devida aos chefes da nossa religião em matéria de doutrina e de disciplina eclesiástica pode pairar simplesmente no espírito daqueles que possuem tão somente uma dose homeopática da religião católica”180. E terminava o Padre Vanesse a sua carta propondo a união dos cidadãos locais em direcionamentos comuns, pois em Castro “não precisamos de três pontos, mas de gente armada de bons braços para trabalhar em paz e concórdia para o progresso e o bem-estar comum”.181

Os editores d‟A Campanha, porém, ex-alunos oriundos de Faculdades de Direito e outros institutos laicos de formação, não estavam dispostos a silenciar sobre o que consideravam os pontos de interesse para o progresso social. Assim, voltaram sua atenção à questão do ensino confessional. Em artigos provavelmente transcritos de outros órgãos, condenariam as escolas jesuíticas e a prática da confissão. Como nos anos da edição do hebdomadário, 1895 e 1896, não havia em Castro, e nem mesmo no Paraná, colégios da Companhia de Jesus, não atinamos a quem buscavam a atingir.

Quanto aos “nefastos sectários de Loyola”, acusavam-nos de que os meninos sob seus cuidados “magros, pálidos, com o aspecto doentio, nota-se logo neles a ausência dessa ruidosa alegria peculiar a todas as crianças”.182 E aconselhavam às famílias preferirem sempre a matrícula em escolas públicas, e, dirigindo-se às mães (sempre as mães!), opinavam: “não descuideis a educação moral de vossos filhos, cedendo a outrem o que

180 A Campanha, nº 22, 14/06/1896, p. 2.

181 A Campanha, nº 22, 14/06/1896, p. 2.

182 A Campanha, nº 34, 13/09/1896, p. 1.

de direito e por dever vos pertence. (...) Acautelai-vos daqueles que lhes possam perverter o coração, e para isso afastai-os de toda doutrina jesuítica, como nos afastamos do réptil venenoso cuja mordedura pode ocasionar-nos a morte física”.183

Outro dos temas anti-clericais de tratativa d‟A Campanha, no ano de 1896, era o ataque à prática da confissão, em vários editoriais subseqüentes. Em um deles, que abordava especificamente a confissão nos colégios, classificavam-na como uma obra deliberada de domínio da alma humana, cujo resultado seria a destruição da pureza das almas juvenis e a perda da alegria natural da infância. Tais qualidades seriam substituídas por uma atmosfera de cinismo, mentira e hipocrisia que acabaria por separar as crianças de suas famílias.184

No último ano do século XIX, o novo pároco de Castro, Padre Casimiro Andrejewski, não dispondo de órgão de imprensa próprio para colocar os pontos de vista da Igreja Católica, tinha que conviver com as críticas que o órgão mensal da Igreja Presbiteriana, A Aurora do Evangelho, publicava. Além das comparações sobre interpretações de textos bíblicos pelas duas religiões e de notícias de conversões massivas às igrejas reformadas, por vezes A Aurora trazia críticas mais diretas à hierarquia católica. Sob o título “Importação de frades”, previa para o Brasil, que erroneamente permitia tal acontecimento, uma sorte igual à da Espanha, que vinha perdendo suas últimas colônias para os Estados Unidos: “O Brasil é o país das importações; importa até os gêneros de primeira necessidade, e como se isso não bastasse deu agora em importar sotainas negras, portadores da ignorância, hipocrisia e superstição”185.

Em outro editorial d‟A Aurora, Brado de Alarma, comparava-se a situação nacional com a francesa, elogiando as medidas anti-clericais que lá tomava o governo de Waldeck Rousseau. No Brasil, o que estaria acontecendo, ao contrário, seria a subvenção à Igreja Católica com verbas públicas, em afronta à Constituição: “mesmo

183 A Campanha, nº 34, 13/09/1896, p. 2.

184 A Campanha, nº 38, 11/10/1896, p. 1.

185 A Aurora do Evangelho, nº 3, 14/03/1899, p. 4.

aqui no Paraná explora-se em benefício do Seminário, com o nome de – Loteria Agave Paranaense – o indecente jogo dos bichos, proibido em toda a parte.”186 Após listar iniciativas semelhantes de outros governadores que à exemplo do castrense Xavier da Silva estariam favorecendo os católicos, perguntava o articulista: “digam se é verdade que a igreja está separada do estado”, e vaticinava – “de braços com o clericalismo a República só pode caminhar para o abismo”.187

O hebdomadário A Evolução, cujos redatores eram ligados ao centro espírita local, também no ano de 1899, adotava um tom mais filosófico e preferia abordar questões como a do ensino religioso nas escolas, que defendiam. O raciocínio dos articulistas, entre eles Lamenha Lins, que recebera o Bispo D. José dois anos antes na condição de Juiz de Direito, era o seguinte:

“a civilização pertence ao Estado, a religião às famílias. O Estado, por suas escolas normais, suas escolas primárias, seus colégios, seus museus, suas academias, seus estabelecimentos de ensino profissional, sua universidade, doutrina a civilização aos seus cidadãos. A religião, pelo ministério sacerdotal, incute a fé no ânimo da juventude, ainda abrigada sob o teto paterno”188.

Tal dicotomia entre as esferas pública e privada seria naturalmente resolvida porque, ainda que os diversos cultos e a razão humana devessem gozar de independência, os princípios morais e a sua sanção estariam “na idéia de Deus, em cujo nome todas as religiões seguem a mesma moral, que é a base da civilização.

Conseguintemente, neste ponto preciso do ensino, a civilização e a religião se encontram com um mesmo e só pensamento: ensinar de harmonia uma mesma moral aos filhos do povo”189. O ensino seria assim, religioso, na medida em que o professor respeitasse, em nome do Estado, a religião que a família anteriormente colocasse na consciência dos alunos.

186 A Aurora do Evangelho, nº 10, 15/02/1900, p. 3.

187 A Aurora do Evangelho, nº 10, 15/02/1900, p. 3.

188 A Evolução, nº 18, 20/08/1899, p. 1.

189 A Evolução, nº 18, 20/08/1899, p. 1.

Outro articulista d‟A Evolução, sob a epígrafe Religião Laical, comenta o artigo anterior, opinando que dogmas e o encerramento nos templos, com a conseqüente monopolização em mãos que dela fazem ofício e mercancia, é que tornariam a religião incompatível com uma humanidade viril, soberana e racional. E apresentava sua fórmula do que seria a tal religião laical, essa sim digna do ensino nas escolas:

“A religião não consiste em observações vãs, em fórmulas de orações ou cerimônias tradicionais mais ou menos simbólicas; não se identifica com dogmas e formas de culto, mas, inerente à alma humana, acha-se onde esta se dilata e sente-se viver na harmonia dos seres e dos mundos. Está em toda aspiração do ideal divino, em todo esforço do ser moral para a realização do verdadeiro, do bom e do belo. Está em toda obra de sinceridade, de trabalho, do progresso, de amor ao próximo e de sacrifício útil à família, ao país, à humanidade.

Está em toda vitória conseguida pelo espírito de caridade, de generosidade, de solidariedade contra o espírito de ódio, de desunião, de egoísmo. Está, enfim, em todo ato humano que, universalizando-se, revela o seu acordo perfeito com a obra e o pensamento Divinos.190

Anos depois, em 1905, não encontramos na imprensa castrense textos de questionamento religioso tão bem fundamentados como antes. A Gazeta de Castro, então dirigida pelo professor Alfredo Dias, ligado à Igreja Presbiteriana, por exemplo, comentava o domingo de Páscoa elogiando o cristianismo como uma religião unívoca, a qual seria a única que “manda missionários a civilizar os gentios, é a que constrói grandes edifícios para aliviar as dores dos que sofrem e através de vinte séculos tem civilizado a parte bruta da humanidade pela palavra”191. Neste baú em que cabiam todos os cristãos, só não eram acolhidos os positivistas, os materialistas e os ateus.

A partir da chegada das Irmãs de São José, a imprensa local colocou-as numa posição em que jamais eram questionadas, mas sempre elogiadas. Se havia restrições ideológicas ao reformismo católico isso não parecia ter ligação com o Colégio, cujo fim, insistimos, era de atuar na esfera privada das sociabilidades, portanto, fora dos

190 A Evolução, nº 26, 15/10/1899, p. 1.

191 Gazeta de Castro, nº 57, 23/04/1905, p. 1.

debates públicos sobre a escola laica e o ensino republicano.

Como último exemplo, trazemos o editorial do semanário O Município, dirigido por maçons castrenses, que lamentava, em agosto de 1906, nas seguintes palavras, o naufrágio e conseqüente morte do Bispo D. José:

“Sua morte veio abrir um vácuo imenso no clero, não só pela sua robusta inteligência e verdadeiro amor aos seus pastorianos, como também pela grande força de vontade em fazer prosperar e bem firmar a religião cristã, da qual deu as mais evidentes provas de carinhoso e zeloso apóstolo. Esse progresso crescente que hoje notamos na religião cristã de nosso Estado, nasceu dos seus incansáveis esforços durante a sua administração episcopal, como seu primeiro bispo que foi, deixando a sua diocese colocada em verdadeiro pé de honra e dignidade plausíveis. (...) E nós que tivemos a ventura de conhecê-lo e apreciar a nobreza de suas virtudes, nascidas de um espírito culto, puramente caridoso e amável, não podemos deixar de protestar nestas humildes colunas, como penhor de gratas e saudosas recordações, as expressões do nosso mais sincero pesar por esse infausto e doloroso acontecimento que vem de surpreender-nos tão rudemente”.192

Portanto, muitos pesos e muitas medidas eram utilizados nas escolhas individuais das ideologias religiosas dos castrenses, compartilhadas em seus órgãos de imprensa, sem que vissem grande problema em ignorá-las temporariamente no estabelecimento de relações cordiais com o prelado visitante ou as recém-chegadas Irmãs de São José.

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Retornando no âmbito do próximo capítulo à elucidação da trajetória do Colégio de Castro, focalizaremos os diferentes cursos que ofereceu ao longo dos quase noventa anos de funcionamento, a clientela estudantil atendida, os conteúdos e as práticas pedagógicos e demais aspectos de interesse educacional.

192 O Município, nº 15, 19/08/1906, p.1.