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Recolha e discussão de dados da história de vida de A

No documento Relatório de estágio (páginas 158-161)

Recolha e discussão de dados da história de vida de A.

Da leitura da história de vida do A. sobressaíram os seguintes aspetos: a morte da mãe biológica aos 4 anos de idade; um problema da fala (dicção e dificuldade de articulação verbal) que o utente apresentou durante a infância e que lhe causava alguns constrangimentos sociais; o casamento do pai biológico com a madrasta no mesmo ano da morte da mãe; a relação inicial com a madrasta não é a melhor, com esta recorrentemente a “criticar o A. enquanto o pai o defende”, melhorando a partir dos 11 anos; o pai é sempre visto pelo A. como uma pessoa afável, como um “melhor amigo” e de certa forma também como um encobridor das suas transgressões; aos 14 anos dá-se o início do consumo de substâncias e a primeira relação sexual, com uma prostituta; a partir dos 14 anos denota-se também o iniciar de um padrão de relacionamentos com o sexo oposto pouco profundos, breves, com um significativo grau de promiscuidade e acompanhados por frequentes consumos de substâncias; por volta dos 16 anos faz a primeira de algumas reabilitações de substâncias, os irmãos ficam muito desiludidos e quebra-se especialmente o laço com o irmão F. que tinha o A. como “a sua referência a seguir ao pai”; quando regressa da primeira reabilitação o pai propõe ao A. não continuar os estudos e passar a trabalhar no supermercado da família, desde operador de caixa até chegar a gerir a loja; aos 18 anos a par do trabalho no supermercado começa a traficar droga, evidenciam-se as relações de promiscuidade e os consumos, acentuando-se igualmente o seu estilo de vida à margem da lei e da família; seguem-se os pequenos furtos, os problemas em casa e com as autoridades bem como algumas tentativas de reabilitação; com o fracasso do seu trabalho no supermercado, que se começa a traduzir no próprio descalabro da loja, deixa esta função e apercebendo-se do “dinheiro fácil” do tráfico vai aumentando progressivamente o mesmo passando da rua para ser o seu próprio importador, fazendo viagens a Espanha, numa delas é detido na alfândega sendo presente a tribunal e saindo com termo de identidade e residência por não ter antecedentes criminais; continua este estilo de vida e passa ainda a fazer maiores viagens, desta vez a Marrocos, trazendo maiores quantidades de droga; em 2004 é preso neste país saindo sob fiança paga pela família; torna a traficar e a fazer também mais uma reabilitação, bem como a trabalhar no supermercado da família no qual revela novamente pouca competência; em 2011, aos 33 anos, deixa o tráfico por pedido do pai – “para deixar de o fazer nos últimos dias da sua vida”

ͳͷͳ – que se encontrou gravemente doente e que se julgava que não sobreviveria, situação que não se verificou para felicidade da família; por volta desta altura conhece e inicia uma relação com S., namorada “mais velha” e com “caraterísticas de responsabilidade e maturidade” que assume uma função marcadamente estrutural na vida do A. e pela qual este nutre imenso respeito e afeição; a relação sofre uma primeira rutura aquando de uma tentativa (falhada) de reabilitação do A. no Projeto Homem, muito motivada por S., retomando-se até meados de 2014 altura em que se dá segunda rutura por S. “não aguentar mais”. Por fim, o A. revela sentir um grande arrependimento por tudo o que fez a sua família passar, pelo facto de “nunca ter tido responsabilidade nem maturidade”, acrescentando ainda que “pode mudar mas precisa de uma mulher, de uma família para conseguir” e o desejo de ser pai. O A. continua emocionalmente muito ligado a esta ex-namorada, não escondendo inclusivamente a esperança de reatar a relação. Vale a pena ainda transcrever estas últimas palavras constantes desta recolha de história de vida: “Sempre me senti frustrado por ser irresponsável e imaturo, sentia que tinha algo por preencher dentro de mim e por isso recorria aos consumos”.

A partir dos dados recolhidos penso, mais uma vez, que a morte da mãe biológica e um possível luto não concretizado na sua totalidade poderão ter um papel na vida e nas opções do A. devendo por isso ser temas a explorar com especial atenção, não esquecendo naturalmente a sua repercussão e legado em toda a família atual que se reconstitui a partir da anterior. Por essa mesma razão será também importante explorar como é que os membros viram esta transição, nomeadamente apurando os seus significados e concretizando o seu legado no presente – repare-se que o segundo casamento do pai se dá no mesmo ano da morte da mãe do A. e da C., podendo eventualmente haver algum conteúdo simbólico a explorar. Do ponto de vista dos papéis de cada um dos membros na família, estes têm já sido explorados em sessão, sendo necessário promover diferenciação e apurar ainda melhor o posicionamento dos filhos perante os pais e vice-versa. A relação do A. com as figuras femininas, por um lado com a madrasta e as irmãs, por outro lado, e sobretudo, com as suas várias companheiras – tendo em conta todo o contexto da procura incessante de novas relações, da frequência e do grau de profundidade das relações – poderá adquirir também uma nova chave de leitura se vista à luz da morte da mãe biológica. Mesmo de um ponto de vista mais próximo ao modelo psicodinâmico, a desilusão com as figuras que tentam inicialmente (sem sucesso) ocupar o lugar da mãe durante a infância e o início da adolescência – a madrasta e a irmã C. – e a subsequente busca de outras figuras femininas a partir da adolescência, com uma componente promíscua e sexualizada, poderá ser a outra face dos consumos de substâncias na procura do

ͳͷʹ preenchimento do “vazio” relatado pelo A. – possivelmente a falta da mãe. Esta hipótese encontra particular sustentação se atentarmos na relação do utente com a recente ex- namorada, S., em contraste com as suas anteriores relações. Esta última tendência de procura de uma mulher “mais velha, matura e responsável” como o próprio refere, que desenvolve efetivamente (e ao contrário de qualquer outra ex-namorada) um papel protetor, de modelo e de continente (Bion, 1991) face ao A. e pela qual, sublinhe-se, o utente revela uma lealdade, comprometimento e afeição no mínimo distintos, remete justamente para essa possibilidade – provavelmente S. foi a que chegou mais próximo da representação internalizada da figura materna do A.. Para além disto a própria madrasta, R., já relatou um episódio no qual perguntou diretamente ao A. “o que mais poderia fazer” e “o que é que lhe faltava mais?” tendo o utente lhe respondido que “não tinha a mãe dele” – algo que nos parece de uma importância crucial. Deste modo, este é um tema que carece de aprofundamento. No entanto dada a sensibilidade de alguns conteúdos, a sua abordagem (ou não) em sessão familiar deve ser muito bem pensada, bem como, se o for, os moldes nos quais se poderá dar a mesma.

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No documento Relatório de estágio (páginas 158-161)