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Relatório de acompanhamento psicológico (Jorge 28/04/2015)

No documento Relatório de estágio (páginas 127-130)

José Miguel Gonçalves Nascimento

Relatório de acompanhamento psicológico (Jorge - 28/04/2015)

O Jorge apresentou-se durante esta semana emocionalmente reativo no âmbito da comunidade e suas tarefas associadas. Através da troca de impressões com os respetivos terapeutas e da leitura que foi possível realizar ao longo do dia, percebeu-se o desconforto do utente relativo à situação relacional com a irmã. Deste modo, o acompanhamento incidiu um pouco sobre isto para além da continuação da releitura da história familiar.

A sessão foi iniciada por um espaço de escuta e compreensão empática proporcionado ao utente, estimulando o mesmo a expressar-se quanto ao que sentia. O Jorge começou por assumir claramente a intenção de cortar relação com a irmã uma vez que a mesma “o teria acusado sem o escutar, algo que o pai nunca faria”. Estimulei o utente a desenvolver o seu pensamento quanto à situação bem como a colocar-se no lugar da irmã. O Jorge continuou a manter a posição de intransigência e incompreensão perante a atitude percecionada da irmã. Reconhecendo alguma discrepância entre o conteúdo verbal e não-verbal do utente, nomeadamente um nível de agastamento incoerente com o seu discurso, coloquei-lhe a possibilidade de haver porventura outras razões a identificar, e pelas quais o utente sustentaria esta posição relativamente à irmã. Perante a circularidade da sua narrativa, questionei-o quanto à relação mantida entre a irmã e a mãe ao que o Jorge referiu que a C. se encontra zangada com a mãe desde há alguns anos. De acordo com este dado, estabeleci um paralelismo com o Jorge relativamente à sua própria posição manifestada até bem recentemente quanto à sua mãe, em tudo semelhante à da irmã. O Jorge refletiu um pouco declarando que, apesar de tudo, tinha conseguido ultrapassar os sentimentos negativos, o ressentimento e o bloqueio relacional que detinha com a mãe desde há alguns anos através da recente experiência da possibilidade da sua morte, julgando o utente que se ele conseguiu a irmã também deveria fazer o mesmo. Questionei ao utente o porquê desta sua convicção e pedi-lhe que, trazendo à memória os momentos passados entre ele, a irmã e a mãe, se tentasse colocar no lugar da irmã e perceber o que poderia estar a sustentar a sua posição. O utente referiu compreender em parte os motivos da irmã, revalidando a sua perspetiva de que a mesma poderia, tal como ele, perdoar a mãe. Tendo em conta esta perspetiva algo egocentrista do utente coloquei-lhe algumas considerações: “O que te faz pensar que a tua irmã tem de pensar da mesma forma? Será que a C. viveu esta notícia da vossa mãe da mesma

ͳʹͲ forma que tu (Jorge) viveste? E será que tem de a viver da mesma forma?”. Fiz também notar o utente que, no âmbito da relação terapêutica, eu não o censurei de qualquer modo quando apresentava a mesma narrativa da irmã relativa à mãe – recorde-se que o utente chegava a recusar-se abordar este assunto, rejeitando o contacto com a mãe e referindo repetidamente que este “era um assunto encerrado”. Por outro lado, refleti um pouco ainda com o utente sobre a diferença de idades entre si e a sua irmã, a forma como cada um dos irmãos poderá ter vivido o abandono da mãe – o Jorge tinha 10 anos, a C. tinha cerca de 15/16 anos – e a influência que também este dado, entre outros, poderá ter na relação de cada um com a mãe – recorde-se que a C. passou a desempenhar um papel de segunda mãe durante este período.

No tocante ao estado de relação atual do Jorge com os (poucos e restantes) familiares, em especial com a irmã nas últimas semanas, num segundo momento da sessão estimulei o utente a fazer uma releitura da sua história familiar nomeadamente a partir do genograma. A partir da mesma foi possível refletir com o utente acerca das suas relações familiares, atentando nomeadamente no padrão transgeracional de corte relacional. Deste modo tentei perceber a sua interpretação do padrão familiar. O Jorge começou por dizer que estava tudo separado e que as pessoas não falavam umas com as outras. “Mais do que isso” – fiz notar – “qual é o significado de todas estas separações sucessivas e recorrentes que presencias desde pequeno?”. Perante a dificuldade do utente, reformulei a reflexão estabelecendo um paralelismo entre o padrão relacional familiar e o seu próprio padrão relacional, recordando os vários cortes pelos quais o utente já passou. O utente denotou alguma tomada de consciência quanto a este aspeto, referindo que desde cedo passou por várias desilusões de pessoas que “encontrou” e posteriormente “perdeu”. Desenvolvendo esta ideia, e acompanhando o seu raciocínio, fui estimulando a um maior aprofundamento. “Vês alguma semelhança entre o teu comportamento, a tua forma de estar nas relações, e a forma de estar dos teus familiares, da tua mãe, dos teus irmãos… ao longo do tempo?” – perguntei a dado momento. O Jorge referiu bastante o facto de os membros estarem separados, de se terem chateado em algum momento, chegando a referir em tom jocoso que “são todos tolos”. “Então há alguma similaridade?” – coloquei. No entanto o utente manifestou significativa dificuldade em aprofundar a este ponto, pelo que o auxiliei mais um pouco a realizar uma possibilidade de leitura: fui abordando com o utente o seu e o percurso de cada membro identificado no genograma até o Jorge identificar a similaridade e a existência de um padrão de corte relacional comum aos vários membros. Posteriormente dei um espaço ao utente para se inteirar um pouco melhor desta reflexão e para comentar esta «descoberta».

ͳʹͳ Num terceiro momento da sessão e no seguimento da releitura do genograma e da história de vida associada foi abordada – agora à luz desta base de compreensão mais sólida – a importância do estabelecimento de uma base estruturante, relacional e familiar sólida, detentora de um papel fundamental enquanto matriz da identidade individual (Cigoli & Scabini, 2006), matriz de socialização (Scabini & Cigoli, 2000), e meio integrador das experiências relacionais por excelência (Andolfi, 2013; Cigoli & Scabini, 2006; Scabini & Cigoli, 2000) indispensável neste momento particular da vida do utente em que se preparam transições tão importantes e significativas.

Referências bibliográficas

Andolfi, M. (2013). Terapia familiar: Un enfoque interacional. Barcelona: Paidós.

Cigoli, V., & Scabini, E. (2006). Family identity: ties, symbols, and transitions. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.

Scabini, E., & Cigoli, V. (2000). Il famigliare: legami, simboli e transizioni. Milano: Raffaello Cortina Editore.

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No documento Relatório de estágio (páginas 127-130)