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2.5 Estratégia de pesquisa

2.5.3 Recorte temporal e objetivação dos agentes.

A justificativa para o recorte temporal é que em 1976 foi criado o CEBES (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde), entidade que aglutinava lideranças, veiculava um debate teórico e político e participava da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Foi nesse momento que o movimento sanitário começou a ganhar forma, ou expressando de outra maneira, foi nesse momento que o movimento sanitário começa a estabelecer suas características específicas e sua atuação política articulada em entidades da sociedade civil que representam suas causas, como o CEBES, ou especialmente o CEBES, entidade criada para editar uma revista, a revista Saúde em Debate que se constituiu em veículo das ideias e propostas da RSB.

Como nos concentramos nesse momento de emergência, até 1979, quando o marco foi o documento “A Questão Democrática na Saúde”, foram os partidos de matriz marxista que apareceram com maior destaque, especialmente nas entrevistas, e na fala de militantes que eram lideranças, como Antonio Sérgio Arouca, Nelson Rodrigues dos Santos, Luiz Umberto Pinheiro, José Ruben de Alcântara Bonfim e Francisco Machado. Isso acabou nos levando a concentrar nossa atenção nesses. Porém, como veremos, outros partidos aparecem, a exemplo do PT, que aparece nas falas de Flavio Goulart e Gastão Wagner de Souza Campos. De fato, vários partidos participaram do processo da RSB, porém, a nossa

investigação, pela ênfase no período de emergência do movimento e formulação da proposta, acabou se concentrando nos partidos de matriz marxista, mas posteriormente, não apenas o PT, mas o PDT e outros, são relevantes para a análise.

Embora o período 76-79 fosse o foco, fomos além do ano de 1979, pois os relatos das entrevistas trouxeram acontecimentos dos anos 80, assim, definimos como marco final o ano de 1986 o ano em que foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde43, evento central no processo de RSB. Ela foi central porque reuniu quase 5.000 pessoas em Brasília, culminando um processo de debate que envolveu quase 50 mil pessoas em dezenas de municípios. O Relatório Final desta Conferência incorpora a concepção de Saúde como direito de cidadania e dever do Estado, lançando as bases políticas para o debate sobre Saúde na Assembléia Nacional Constituinte, que resultou na elaboração do capitulo Saúde da Constituição Federal de 1988, donde consta os princípios e diretrizes do que viria a ser o SUS (BUSS, 1991).

Aferimos os capitais dos agentes entrevistados em dois momentos, para finalidades distintas. Em um primeiro momento, medimos os capitais de 1976 até 1986, ano de realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde e nosso recorte temporal final. O outro momento se refere aos capitais acumulados até o momento da entrevista. Enquanto os capitais até 1986 remetem à emergência da RSB e às tomadas de posição dos agentes nesse período, aferir os capitais até o momento da entrevista constituiu uma ferramenta para interpretar a fala dos agentes no momento em que eles forneceram as informações.

Baseando-nos tanto em Bourdieu, quanto em Portelli, defendemos que a memória é mediada pela experiência, e assim sendo, para compreender o que um entrevistado diz hoje, não basta saber quem ele era, quais os capitais que acumulou em relação à época que nos interessa, pois o fato desse agente hoje ter acumulado, por exemplo, muito mais capital militante, pode ter alterado seu ponto de vista, e para compreendermos e explicarmos seu ponto de vista, fornecido no momento da entrevista, é essencial compreender sua trajetória até esse momento. Agora, para compreender escolhas, decisões, tomadas de posição, na época, o outro recorte, até 1986, foi fundamental.

A utilização da análise da trajetória dos agentes, buscando medir seus capitais, em cada espaço social, assim como analisando quem é dominante, quem é dominado, decorreu da escolha da sociologia reflexiva enquanto teoria do social para buscar compreender esse

43 Acessado em 04/01/2016.

fenômeno. A fim de objetivar as informações obtidas nas 30 entrevistas que utilizamos, analisamos os capitais acumulados pelos nossos entrevistados, e sua trajetória, tanto social, profissional e política, buscando identificar as diversas posições ocupadas pelos agentes nos diversos campos e espaços relacionados com o MRSB.

Desse modo, através de elementos objetivos, a exemplo da coordenação de projetos de pesquisa, reconhecimento internacional, ou ocupação de cargos na direção do CEBES, buscamos identificar elementos na trajetória que possibilitem explicar melhor os pontos de vista dos entrevistados, visando compreender porque determinados entrevistados dão ênfase a determinados aspectos e outros não.

Essa objetivação da trajetória tem por propósitos identificar as diversas posições ocupadas pelos agentes nos diversos campos e espaços relacionados com o MRSB. Desse modo, através de elementos objetivos, a exemplo da coordenação de projetos de pesquisa, reconhecimento internacional, ou ocupação de cargos na direção do CEBES, buscamos identificar elementos na trajetória que possibilitem explicar melhor os pontos de vista dos entrevistados, visando compreender porque determinados entrevistados dão ênfase a determinados aspectos e outros não.

O cruzamento das fontes, utilizando informações fornecidas pelos diferentes entrevistados já fornece uma primeira tentativa de objetivar as entrevistas, já que quando informações são confirmadas por múltiplos entrevistados essas ganham força enquanto argumento. Porém, essa pode ser uma narrativa compartilhada construída através do efeito do tempo sobre a memória, como alerta Portelli. Assim sendo, buscar medir os capitais, e utiliza-los na análise, terminou sendo uma segunda tentativa de objetivar, já que permite saber com mais clareza de que lugar cada agente fala, quais suas experiências de vida, e quais tomadas de posição foram centrais para a sua formação enquanto agente da RSB.

Aferimos os capitais de cada um dos 30 agentes que constituíram as fontes primárias de nossa pesquisa, segundo os seguintes critérios, adaptados de Vieira da Silva e Pinell (2014). Para medir o capital científico levamos em conta o nível alcançado pelo entrevistado na carreira como docente e/ou pesquisador, bem como a atuação na coordenação de projetos de pesquisa e/ou cursos de graduação e pós-graduação na área de Saúde Coletiva (fonte CV registrados na Plataforma Lattes); para aferir o capital político consideramos a participação em cargos eletivos e/ou participação em cargos dos partidos políticos; para o capital burocrático buscamos identificar se os entrevistados ocuparam cargos técnicos e/ou administrativos no âmbito do Estado; finalmente, para o capital

militante, relativo à atuação no movimento pela Reforma Sanitária Brasileira, identificamos se os entrevistados ocuparam cargos na direção do CEBES e/ou ABRASCO, assim como levamos em conta a noção de “cebiano”, ou “abrasquiano” históricos, atribuída a aqueles que participaram da fundação destas entidades, integraram diretorias ou participaram das primeiras edições da revista Saúde em Debate.

Com base nas informações coletadas, aferimos os diversos capitais dos entrevistados em uma escala: pequeno, médio, alto e muito alto. Posteriormente utilizamos as informações sobre os agentes, em conjunto com a medição dos capitais acumulados, para traçar uma trajetória resumida de cada um. Assim, utilizamos estas informações para objetivar os pontos de vista dos nossos entrevistados, buscando compreendê-los melhor, à luz de suas trajetórias44, relacionando, portanto, a posição e os capitais acumulados aos pontos de vista sobre as relações entre os partidos e os movimentos sociais e a RSB (BOURDIEU, 1989). O Quadro 1 sistematiza as informações que utilizamos para aferir e classificar os níveis de capitais de cada um dos agentes entrevistados45.

Utilizamos, além das entrevistas, consulta aos currículos inseridos na Plataforma Lattes para medir os capitais, ou informações em páginas de entidades. Interessou-nos a trajetória dos entrevistados, e como essa trajetória tem impacto sobre seus pontos de vistas. Dito de outra forma, os capitais acumulados, os cargos ocupados46, as tomadas de posição dos agentes, fornecem elementos que favorecem a interpretação das entrevistas realizadas, por isso, é a totalidade acumulada que nos interessa para entender as tomadas de posição no momento presente.

Finalmente, tratamos de sistematizar a análise e interpretação das evidências relativas à influência dos partidos políticos de base marxista sobre o movimento da RSB, levando em conta os resultados alcançados através da análise dos capitais e da trajetória dos agentes que atuaram em diversos campos no período estudado. Vale destacar que outras forças políticas, como o “Brizolismo”47, e partidos, como o PMDB, que embora relevantes para o período, quase não foram mencionados nas 30 entrevistas que utilizamos.

44 Utilizamos diversas fontes, como o “PROJETO MEMÓRIA E HISTÓRIA DO CEBES” que apresenta a

composição de diversas diretorias da entidade, além de entrevistas, biografias, entre outras informações. http://CEBES.org.br/site/wp-content/uploads/2014/02/diretorias-nacionais-do-CEBES-1976-a-2006.pdf

45Adaptado de Vieira-da-Silva et al. O Espaço da Saúde Coletiva. Relatório de Pesquisa, 2010 e tese de

Sandra Garrido de Barros (2013).

46 Considerando que a ocupação de cargo técnico requer títulos (capital cultural adquirido) adequados ao

cargo em questão.

47 Corrente política vinculada a Leonel Brizola, líder do Partido Democrático Trabalhista, herdeiro do

O PCB, e partidos de matriz marxista, ao contrário, se fizeram presentes nos depoimentos, e por isso, buscamos aprofundar e compreender essa relação. Ou seja, foi a investigação empírica que nos levou a priorizar os partidos de matriz marxista ao buscar a relação da RSB com partidos políticos.

** Reconhecimento pela comunidade cientifica, em função do nível alcançado na carreira como docente e/ou pesquisador, bem como coordenação de projetos de pesquisa e cursos de graduação e pós-graduação. ***Participação em cargos eletivos e/ou Participação em Partidos Políticos. ****Ocupação de Cargos técnicos e/ou administrativos no âmbito do Estado. *****Militante da Reforma Sanitária Brasileira. Cargos ocupados no CEBES e/ou ABRASCO.

Volume do Capital/ Tipo de Capital

Muito alto (AA) Alto (A) Médio (M) Pequeno (P)

Capital. Cientifico**. Reconhecimento Internacional Prêmios internacionais. Coordenar projetos de pesquisa financiados por Organismos internacionais

Reconhecimento Nacional Prof. Titular

Coordenar projetos financiados por organismos nacionais

Reconhecimento Local. Doutorado Participação em projetos de pesquisa relacionados à Saúde Coletiva

Mestrado

Capital

Burocrático***

Cargos de direção em Organizações internacionais (Unaids, OPAS, OMS)

Direção de Programas Estaduais

Coordenação Ministério da Saúde.

Cargos de direção intermediários em Secretarias Municipais de Saúde (Programas Municipais)

Assessor em Secretaria Estadual de Saúde, Ministério da Saúde.

Cargos técnicos (Assessor, consultor)

Ministro da Saúde, Presidentes de Agências

Secretários Estaduais Saúde Secretaria Executiva Ministério da saúde. Secretários Municipais de Saúde Outros cargos Técnicos de Indicação política. Capital Político- partidário****

Senador, Deputado Federal Deputado estadual Vereador Não tem.

Dirigente Nacional Dirigente Estadual de Partido político

Dirigente Municipal de partido político Fundador.

Filiado a partido político

Capital Militante *****

Presidente do CEBES, ABRASCO.

Cebianos e/ou Abrasquianos históricos (membros

fundadores).

Dirigente de entidade da sociedade civil ou movimentos sociais. Diretoria CEBES Nacional, Diretoria ABRASCO Nacional. Membro Fundador

Quadro intermediário de entidade da sociedade civil ou movimentos Sociais.

CEBES Local.

Militantes de ONGs ou movimentos sociais. Filiação a entidade sem assumir cargos.