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2.4 Processos-Chave e Recursos Internos

2.4.2 Recursos Organizacionais

Os recursos efetivamente valiosos para uma organização, ou seja, aqueles que permitiriam a esta a ocupação de posições lucrativas por meio da introdução de

produtos e serviços em diferentes setores e negócios ao longo do tempo, devem atender a cinco pré-requisitos, a saber:

a) serem difíceis de imitar;

b) terem a maior durabilidade possível;

c) captar valor para a organização e não apenas para fornecedores e clientes;

d) terem baixa possibilidade de substituição no curto prazo;

e) serem efetivamente distintivos (COLLIS; MONTGOMERY, 1995).

De acordo com Collis e Montgomery (1995), o valor de um determinado recurso para uma empresa está diretamente ligado à sua dificuldade de cópia. Nenhum recurso na prática pode ser definido como inimitável no longo prazo. Entretanto, quanto mais tempo for necessário para que a base de recursos de uma empresa em vantagem no seu setor, possa ser copiada pelos concorrentes, maior será o retorno obtido. De uma forma geral, recursos inimitáveis possuem uma ou mais dentre as seguintes características:

a) exclusividade física;

b) exclusividade dependente da trajetória; c) ambigüidade causal;

d) dissuasão econômica.

Como exemplo de exclusividade física podem ser citados as patentes farmacêuticas, imóveis com localização diferenciada e as concessões governamentais. Nestes casos o fator que produz a exclusividade é predominantemente tangível, ou seja, uma lei, uma determinada localização ou uma licença.

Certas marca, tecnologias específicas e algumas técnicas de gestão se constituem em recursos difíceis de imitar devido a sucessão de fatos que levaram a sua acumulação, ou seja, diferentes trajetórias conduziriam a outros recursos que não aqueles possuídos pela organização. A marca Coca-Cola e a tecnologia de miniaturização da Sony seriam, portanto, exemplos de exclusividade dependente da trajetória.

Como fonte de exclusividade, a ambigüidade causal é fruto de uma complexa combinação de diferentes recursos conhecidos, combinação esta que não segue uma fórmula ou receita que possa ser identificada. Embora outras empresas tentem imitar a estratégia de excelência operacional da Southwest nos EUA, seus resultados não são reproduzíveis por meio da compra dos mesmos aviões e da

cópia dos padrões de preparo em solo. Essa fonte de exclusividade tem em comum com a exclusividade dependente da trajetória fato de envolverem fatores relacionados a cultura organizacional e ao aprendizado, que parecem estar na origem da constituição da maioria dos ativos intangíveis.

A dissuasão não se constitui em um fator que torne difícil a cópia de um recurso em termos de viabilidade física. Na prática, embora muitas vezes o concorrente possa conseguir reproduzir o recurso, não existem razões econômicas para fazê-lo. Este tipo de exclusividade em mais comuns em segmentos que exigem grandes investimentos de capital em mercados restritos quanto ao tamanho.

Com relação à durabilidade, é importante ressaltar que a grande maioria dos recursos tangíveis e até muitos intangíveis nos dias de hoje perde valor com o tempo. Neste caso, fica claro porque algumas capacidades e competências, como uma forte cultura de aprendizagem organizacional, tendem a estar entre os recursos mais valorizados. São estas competências e capacidades que permitem que a organização desenvolva novos recursos tangíveis a medida que os anteriores vão sendo copiados e superados pelos concorrentes (COLLIS; MONTGOMERY, 1995; NONAKA; TAKEUSHI, 1997; SENGE, 2001).

Ao argumentarem sobre a diferença entre os ativos tangíveis e as competências essenciais, Prahalad e Hamel (1990) apontam que os ativos tangíveis têm por definição o fato de se desvalorizarem com o uso, enquanto os intangíveis aumentam seu valor a medida que são utilizados pelas organizações.

Embora possa parecer óbvio, o argumento de que um recurso valioso deve gerar valor especialmente para a própria organização acaba sendo freqüentemente violado. Muitas empresas desenvolvem estratégias tendo por base recursos sobre os quais não tem controle total. Por exemplo, algumas redes de relacionamento tendem a ficarem ligadas aos funcionários que as desenvolveram e não a organização que os empregava. Dessa forma, caso os funcionários optem por trocar de empresa ou abrir seu próprio negócio, acabariam por levar consigo o recurso desenvolvido pela organização (COLLIS; MONTGOMERY, 1995).

Alguns recursos podem até ser de difícil cópia, mas podem ser substituídos facilmente por outros. Uma empresa pode ter no processo de desenvolvimento de produtos uma competência fundamental devido à sua trajetória inédita em

desenvolvê-lo. Entretanto, o lançamento de uma nova tecnologia CAD/CAE3 pode jogar por terra todo o ganho em time-to-market4 conseguido pelo aprendizado de anos (COLLIS; MONTGOMERY, 1995).

Por fim, recursos realmente valiosos devem sê-lo quando comparados com a concorrência. É comum que muitas empresas destaquem como seus recursos mais valiosos aquelas habilidades de processos que desempenha melhor. Entretanto, estas competências somente serão distintivas se realmente permitirem a empresa ter desempenho superior à concorrência. Não adianta uma organização ter como ponto forte seu sistema de relacionamento com clientes se existem concorrentes que apresentam desempenho ainda melhor neste quesito. Portanto, a comparação para o teste de valor dos recursos não deve ser somente entre os diversos recursos da própria organização e sim entre estes e os recursos dos demais concorrentes (COLLIS; MONTGOMERY, 1995).

A maioria dos recursos que atende a todos os cinco pré-requisitos para que possam ser considerados valiosos é intangível, o que justifica o grande foco recente dado à identificação e o desenvolvimento de competências. Para que esses recursos não percam valor com o passar do tempo, as empresas devem investir e desenvolvê-los constantemente. Assim, argumenta-se que os recursos, capacidades e competências-chave devem ser geridos no nível corporativo. Uma sede corporativa forte deve atuar no sentido de identificar quais recursos podem se constituir em fontes de vantagem competitiva, garantir recursos financeiros para o seu desenvolvimento e identificar em quais setores ou segmentos estes podem ser ainda mais aperfeiçoados para em seguida poder alavancar seu desempenho nos demais setores (COLLIS; MONTGOMERY, 1995).

Portanto se uma empresa desenvolve competências distintivas no projeto e comercialização de novos produtos, ela deve se questionar sobre a possibilidade de outros setores poderem usufruir desta competência de forma a não só auferir os ganhos neste setor, como também aperfeiçoar suas competências para permanecer

3 Computer Aided Design / Computer Aided Engineering – Projeto e Engenharia

(simulações) auxiliados por computador.

4 Tempo decorrido entre a decisão de desenvolver um novo produto e sua produção em

ganhando no negócio onde a competência se originou e em outros setores (PRAHALAD; HAMEL, 1990).

Admite-se que são os recursos, competências ou capacidades organizacionais que permitirão a uma determinada organização entregar o valor proposto no conteúdo de sua estratégia de negócios. Na prática, o desempenho da organização no âmbito de uma determinada proposta de valor depende do desempenho dos seus processos críticos. Este desempenho depende diretamente dos recursos, competências e capacidades que a organização utiliza na execução dos processos. Embora os termos recursos, competências e capacidades organizacionais estejam intimamente relacionados, estes apresentam pequenas diferenças conceituais em sua definição. Tendo em vista sua importância para o sucesso de uma estratégia de negócios, cabe defini-los de maneira mais precisa.

Collis e Montgomery (1998) definem os recursos organizacionais como sendo o conjunto de ativos, habilidades e capacidades da organização. Portanto os recursos de uma organização seriam o termo mais abrangente, englobando os demais termos relacionados a esta abordagem, como competências e capacidades. Entre os recursos organizacionais pode-se distinguir aqueles tangíveis e os intangíveis. Entre os recursos tangíveis destacam-se os diversos ativos contábeis das empresas, como instalações, equipamentos e ativos financeiros. Todos os demais recursos relevantes seriam classificados como intangíveis.

De acordo com Boulton et al. (2000), os ativos que compõe uma empresa estariam divididos em cinco categorias:

a) ativos físicos; b) ativos financeiros; c) ativos de organização; d) ativos de clientes;

e) ativos de empregados e fornecedores.

As duas primeiras categorias somadas, formam o conjunto de ativos tangíveis de uma empresa, cujo valor aparece nos demonstrativos contábeis e financeiros. As três últimas categorias, formam o conjunto dos ativos intangíveis, que não aparecem nos demonstrativos contábeis na maior parte das vezes, mas são diretamente responsáveis pela criação de valor de uma empresa.

Os ativos de organização incluem a filosofia de gestão, a cultura e a estrutura organizacionais, os sistemas e processos utilizados pela organização, bem

como sua propriedade intelectual, marcas e patentes. Por outro lado, os ativos de clientes, por sua vez, incluem os próprios clientes atuais de uma empresa, bem como seus canais de distribuições e parcerias no sentido de operacionalizá-los. Por fim, os ativos de empregados e fornecedores incluem os funcionários da organização e os membros da cadeia de abastecimento da empresa, todos eles parceiros na produção de bens e serviços (BOUTON et al., 2000).

Segundo Prahalad e Hamel (1990), as competências essenciais estariam relacionadas ao aprendizado coletivo de uma organização, principalmente sobre como organizar o trabalho, coordenar as diversas habilidades de produção, integrar as múltiplas correntes de tecnologia e criar valor para clientes. Percebe-se desta forma que as competências de uma organização estariam diretamente relacionadas ao conjunto de ativos intangíveis da empresa, constituindo-se num conjunto de diferentes conhecimentos que permitem a esta competir em diferentes setores e mercados.

As competências de uma organização, segundo Fleury e Fleury (2000) podem ser divididas em:

a) competências em operações, que incluem o know-how referente aos diversos processos de transformação de materiais, informações e clientes, como fabricação, armazenagem, transporte e distribuição;

b) competências em produtos, que incluem a tecnologia de produto de uma maneira ampla, abrangendo o conhecimento em P & D e engenharia de produto e processo;

c) competências em marketing, que dizem respeito ao relacionamento com clientes e mercados;

d) competências em finanças, que estão relacionadas às habilidades de captação e utilização de recursos financeiros.

Stalk; Evans e Schulman (1992), diferenciam as capacidades organizacionais das competências essenciais afirmando que estas últimas apresentam um foco restrito na combinação de tecnologias e habilidades de produção que permitem a empresa competir em diferentes mercados. As capacidades estariam, por sua vez, relacionadas a diversas outras habilidades, e não apenas à questões tecnológicas e relacionadas aos processos de produção.

As diferentes explicações para o sucesso da Honda em diferentes mercados podem ser utilizadas para diferenciar os conceitos de competências e capacidades.

Prahalad e Hamel (1990), atribuem à competência da Honda em motores e transmissão de energia o seu sucesso em expandir o seu campo de atuação do mercado de motocicletas para negócios como cortadores de grama, motores de popa e automóveis. Stalk, Evans e Schulman (1992), por sua vez, atribuem parte do sucesso da Honda às capacidades, como o gerenciamento de revendedores e a “realização de produtos”5. Nesse caso, o conhecimento sobre como treinar e apoiar a rede de revendedores com procedimentos relacionados à políticas de marketing, vendas e serviços ao cliente, bem como a habilidade em fazer com que um produto passe das pesquisas de mercado iniciais à linha de produção em escala comercial em um tempo extremamente reduzido, estariam diretamente relacionados ao sucesso obtido pela Honda.

Percebe-se que os conceitos de competência e capacidade são bastante similares e complementares. Enquanto o conceito de competência refere-se ao desenvolvimento dos ativos e recursos intangíveis sob uma perspectiva predominantemente funcional (competência em operações, produtos e marketing), as capacidades organizacionais referem-se aos mesmos ativos sob uma perspectiva de processos interfuncionais (processo de desenvolvimento de produtos, processo de relacionamento com clientes, entre outros).

As questões apresentadas nos parágrafos anteriores podem sugerir um caráter predominantemente corporativo, prescritivo e deliberado para o desenvolvimento de recursos, capacidades e competências, indo de encontro ao conceito de aprendizagem estratégica predominante na “escola do aprendizado”. Conforme já apresentado, a RVB é, por definição, uma abordagem cujo ponto de partida para a formulação da estratégia é a analise dos recursos internos em detrimento da análise do ambiente externo. Assim, nada impede que o processo de uma estratégia a partir dos recursos organizacionais possa ter foco top-down, com ênfase no controle.

Entretanto, o surgimento dos ativos intangíveis mais valiosos costuma se dar nos níveis inferiores de gerência, aquelas com foco maior sobre aspectos táticos e operacionais. Ou seja, as competências e capacidades mais importantes da

5 Capacidade de uma organização em fazer um produto passar rapidamente da geração do

conceito à produção em escala comercial. Envolve competências funcionais de engenharia e desenvolvimento de produtos, marketing, operações e finanças, entre outras.

organização costumam ser fruto do aprendizado operacional. Esse fato dá origem a questionamentos sobre a possibilidade de o excesso de prescrição sobre a identificação e investimento em recursos críticos ter potencial para inibir o processo natural de surgimento de competências essenciais. Desta forma, teme-se que o foco da empresa no sentido de potencializar determinadas competências pode fazê-la abortar certos processos de aprendizagem que se constituiriam fontes para o desenvolvimento de novos recursos.

Nonaka e Takeushi (1997), afirmam que o desenvolvimento de recursos e capacidades críticas estão ligados à criação de conhecimento. Por outro lado, os mesmos defendem a idéia de que as abordagens top-down e bottom-up são inadequadas neste caso. Eles propõem um modelo middle-up-down, comum nas organizações japoneses mais bem sucedidas em nível global, no qual a gerência intermediária exerce papel fundamental no sentido de identificar os recursos operacionais que atuam viabilizando a visão da alta gerência. Este fato destaca a importância de se discutir a necessidade de implementar diferentes estruturas organizacionais e mudar a cultura organizacional para que a empresa possa usufruir vantagens competitivas por meio do desenvolvimento de recursos, competências e capacidades, que ocorrem na maioria das vezes a partir do aprendizado operacional.

Do ponto de vista da RBV, a empresa pode se manter competitiva mesmo que as forças que moldam a competição em uma indústria se alterem. Se o foco da organização for somente a perspectiva de mercado, uma nova posição deveria ser encontrada a cada mudança significativa nestas forças. Neste caso, os recursos necessários para a organização migrar para aquela que se constitui a nova posição mais atrativa podem não estar suficientemente desenvolvidos. Portanto, mudanças devidas a inovações tecnológicas, mudanças de hábitos de consumidores e produtos substitutos, tão freqüentes nos dias de hoje, tendem a exigir uma mudança estratégica profunda das empresas que se orientam exclusivamente pelos requisitos de mercados.

A partir de uma análise das forças do mercado, uma organização pode pretender redirecionar seu foco para uma nova posição que aparente ser mais atrativa. As ações de marketing, neste caso, possuem baixa inércia, ou seja, a empresa rapidamente pode redirecionar seus esforços para a nova posição. Entretanto, para que ela seja realmente bem sucedida, seus recursos internos

deverão estar adequados à nova posição. Caso não estejam, cria-se uma lacuna de desempenho, uma vez que inércia dos recursos é significativamente maior que a dos esforços de marketing. Portanto, as mudanças de posição costumam dar certo somente quando ocorrem dentro da mesma perspectiva, ou seja, quando utilizam uma base de recursos semelhantes (MNTZBERG et al., 2000).

Uma primeira evidência de que os recursos de uma organização não estão adequados à posição de mercado pretendida é o desempenho de seus processos críticos. Quando estes não são capazes de entregar o valor proposto, um determinado posicionamento de mercado pode terminar não se concretizando (KAPLAN; NORTON, 2001).

De forma geral, diferentes propostas de valor implicam na exigência de elevado desempenho em diferentes macro-processos críticos para entregar o valor proposto ao cliente. Ao aumentar o nível de detalhamento e de desdobramento na definição dos macro-processos críticos em uma organização, pode-se atingir uma situação na qual cada função organizacional básica (marketing, produção, desenvolvimento de produtos) torna-se responsável por um ou mais processos críticos. Como por exemplo, a função marketing poderia ser responsável em uma organização pelos seguintes macro-processos:

a) atração de clientes; b) retenção de clientes;

c) sistema de informação de marketing.

Na mesma organização, a função produção poderia ser responsável por três macro-processos:

a) produção do produto;

b) entrega do produto / serviço; c) gerenciamento de estoques.

Por fim, a função desenvolvimento de produtos poderia ser responsável por outros dois macro-processos:

a) pesquisa e inovação;

b) projeto de produto (DAVENPORT, 1994; LOWENTHAL, 1994).

Com esta subdivisão, tornar-se-ia possível compatibilizar as diferenças conceituais entre competências funcionais e capacidades inter-funcionais, apresentadas anteriormente. Portanto uma certa organização poderia ter competências essenciais específicas em pesquisa e análise de mercado sem ser

necessariamente excelente em retenção de clientes. Por outro lado, para ter a capacidade de lançar novos produtos de forma freqüente em novos mercados, uma organização deverá ter algumas competências essenciais de marketing (atração de clientes, especialmente o treinamento de força de vendas), produção (produção e entrega do produto / serviço, principalmente flexibilidade de produto) e outras de desenvolvimento de produtos (pesquisa e inovação e projeto de produto). Juntas este conjunto de competências somadas produzem a capacidade inter-funcional de lançar produtos inovadores de forma rápida no mercado.

Vale ressaltar que deter estas competências implica em obter e desenvolver recursos físicos, humanos, financeiros e tecnológicos orientados para estes fins. Esta questão fica sob responsabilidade das principais funções de apoio (meio), ou seja, a função engenharia, a função recursos humanos, a função contabilidade e finanças e a função gestão de tecnologia, respectivamente. Por sua vez, cabe aos gestores das funções fim o gerenciamento destes ativos tangíveis e intangíveis de forma integrada visando entregar valor para o cliente de forma lucrativa para a empresa. Este fato, justifica a denominação genérica que se dá às diversas abordagens que priorizam o desenvolvimento de capacidades e competências em detrimento do posicionamento de mercado, ou seja, a visão baseada em recursos (RBV).