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Mapa 07 – Linhas e Limites reforçando a posição brasileira

4. A EVOLUÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS E A CONTRUÇÃO

5.1 Os recursos pesqueiros oceânicos: a estratégia tecno-política e territorial do arrendamento

Como foi apresentado no capítulo anterior junto ao conceito de ZEE, instaura-se uma percepção inovadora de território dando exclusividade econômica sobre o patrimônio pesqueiro ao Estado costeiro. Entretanto, sobre as disposições da III CNUDM (artigo 62), caso um Estado costeiro, após serem observadas as legislações internas e as medidas de sustentabilidade ambiental, não possua a capacidade de capturar a totalidade permissível de seus recursos pesqueiros, este deverá dar acesso a outros Estados ao excedente de captura. Meio à discussão desse processo, o mundo no século passado incrementou o volume de capturas pesqueiras de forma muito rápida devido ao uso de novas tecnologias85 e a crescente demanda por alimentos da população global a produção. Segundo Hazin, Perez e Travassos (2005), na década de 1950, a produção mundial era de cerca de 18 milhões de toneladas anuais. Em 1970 esta alcançou 67

84 Para além da navegação ligada ao frete de mercadorias um outro ponto que chama atenção na realidade marítima

brasileira é o aumento do turismo de cruzeiros, que segue um mesmo padrão ainda mais internacionalizado em relação ao frete comercial. Da empresas prestadoras desses serviços turísticos que atuam na costa brasileira pesquisadas, nenhuma opera com embarcações construídas no país. A listagem das empresas pesquisadas com seus respectivos sítios de Internet encontra-se Anexo XXIII.

85 Dentre as principais inovações que aumentaram a capacidade dos pescadores, dando maior autonomia e segurança,

estão as associações das técnicas de refrigeração, guinchos e sistemas de posicionamento eletrônico junto à construção de embarcações pesqueiras. Da mesma forma, a utilização de redes de náilon e de materiais cada mais resistentes.

milhões de toneladas, e em 2000, chega-se ao pico histórico de 95 milhões de toneladas anuais. No entanto, em 2003, esse número cai a cerca de 90 milhões de toneladas anuais86.

Por outro lado,

um rápido olhar sobre a evolução da atividade pesqueira nacional nos mostra que, enquanto as estimativas de potencialidade para os recursos pesqueiros marinhos no Brasil indicavam valores superiores a 1,5 milhões de toneladas/ano, os desembarques efetivos de pesca nacional têm ficado sistematicamente abaixo de 700 mil toneladas anuais” (FISHITEC, 2003: p. 1).

Essa situação reflete a fragilidade da organização territorial marinha brasileira à luz do uso e apropriação dos recursos pesqueiros por agentes nacionais. Essa fragilidade reflete e descortina ainda, outra percepção sobre o domínio das técnicas de pesca oceânica pelos agentes sociais e econômicos brasileiros no espaço marítimo. O Brasil apesar de possuir uma das costas mais vastas entre os países do globo, à luz da temática da apropriação e uso dos recursos vivos, encontra-se bastante distante do acesso às capacidades técnicas de realmente explorá-lo, ou melhor, a pesca de alta tecnologia e produtividade concentra-se em um seleto grupo (apenas 6 países concentram 46% grandes embarcações industriais).

A frota mundial de barcos acima de 100 TBA (tonelagem bruta de arqueação) é de cerca de 24,5 mil barcos, segundo dados da FAO de 2004. Os países detentores das maiores frotas, em números, são: Rússia (5 mil), Japão (1,7 mil), EUA (1,7 mil), Espanha (1,4 mil), Noruega (900) e Ucrânia (700). A idade média da frota mundial situa-se entre 20 e 30 anos, com cerca de 30% possuindo mais de 30 anos (HAZIN, PEREZ e TRAVASSOS, 2005: p. 140)87.

Portanto, o processo de materialização do território sobre as suas dimensões de uso e apropriação, como vimos no capítulo III, ocorre, baseado nos preceitos das proposições teóricas adotadas por esta pesquisa sobre o tripé: o meio físico, meio político e meio técnico. Nessa temática, os estoques pesqueiros brasileiros (meio físico, nesse caso) existem em amplitude considerável, mas relativamente limitada, uma vez comparada às outras regiões pesqueiras dos

86 Este declínio reflete a exaustão dos recursos pesqueiros mundiais, devido ao uso e captura predatória pelos agentes

socioeconômicos no espaço marinho. Devido ao aumento da demanda, em especial junto ao crescimento econômico dos países do sudeste asiático onde os pescados e os frutos do mar são considerados com base essencial da alimentação de diversas culturas, é bastante provável, que os recursos pesqueiros tenham seus volumes globais de captura estagnados, enquanto o movimento para produção cativa incremente. Segundo Hazin, Perez e Travassos (2005), apud FAO (2005), houve um incremento na produção da aqüicultura de 3,5 milhões de toneladas anuais nos fins da década de 1970 para em 2003 alcançar o volume de 42 milhões de toneladas anuais.

Oceanos Pacífico e Índico88. O estabelecimento de linhas fronteiriças e definições sobre os aspectos normativos (leis, decretos, instruções normativas, etc) desenham as possibilidades, os interesses, as estratégias político-espaciais e suas intencionalidades no uso e apropriação pelos agentes sociais no território que representam o meio político da análise. No caso brasileiro, o meio técnico representa condições bastantes contraditórias, pois a produção histórica dos recursos pesqueiros costeiros é normalmente realizada por cerca de 27 mil pequenas embarcações (jangadas, canoas e botes) dos pescadores artesanais brasileiros (VIDIGAL et al, 2006). Com pouca autonomia de navegação e tecnologia reduzida, a pesca de escala artesanal tem sofrido com a carência de condições econômicas dignas para a sua manutenção. Cerca de 3 mil embarcações de pesca de médio e de grande porte de nacionais brasileiros, conhecidas como a pesca industrial (VIDIGAL et al, 2006), concorrem com as embarcações artesanais pelos recursos costeiros em franco processo de exaustão.

Por outro lado, os recursos oceânicos, como os estoques de atuns, merluzas, carangueijos de alta profundidade e peixe-sapo, são aqueles que possuem maior valor agregado e que representam uma menor participação de captura e comercialização devido à baixa capacidade tecnológica. No conflito pelos recursos pesqueiros oceânicos, as embarcações industriais brasileiras, categoricamente enormes em relação às modestas embarcações artesanais, são em média quase três vezes menores que as embarcações estrangeiras89. Em 2001, a frota estrangeira representou cerca de 78% dos recursos pesqueiros oceânicos brasileiros capturados (VIDIGAL et al. 2006). Esse padrão de uso e apropriação dos recursos pesqueiros oceânicos é identificado na escala regional, isto é, ao avaliarmos a pesca de atuns e afins “do total capturado no Atlântico, 250.000 t, ou cerca de 42%, são pescadas por apenas 80 barcos utilizando grandes redes de cerco” (FISHITEC, 2003: p. 4).

As estimativas da Secretaria de Pesca e Aqüicultura da Presidência da República (SEAP- PR) aponta que o complexo do setor pesqueiro no Brasil gera cerca de 800 mil empregos diretos e cerca de 2,4 milhões de empregos indiretos. Segundo Vidigal et al (2006), o setor é responsável por uma renda geral anual de quase 5 bilhões de dólares norte-americanos e seu re-ordenamento

88 Por exemplo, tomando por base os recursos pesqueiros altamente migratórios, como o caso do atum, que possui

ampla incidência no território oceânico brasileiro, segundo a FAO (1998), este pescado representou cerca de 8,5% da produção total pesqueira mundial neste ano, sendo que o Oceano Atlântico representou apenas cerca de 14,3% do total (os oceanos Pacífico e Índico representaram 65% e 20,6% respectivamente).

89 Segundo a Vidigal et al. (2006), em média as embarcações brasileiras que utilizam a técnica do espinhel possuem

de usos e apropriações pelos agentes sociais ilustra parte do desenho atual do território marinho brasileiro.

Além de fonte alimentar, a atividade pesqueira no País conta com parque industrial que congrega aproximadamente 300 empresas de pesca, envolvendo um contingente da ordem de 1 milhão de pescadores. Em relação à estrutura produtiva do setor pesqueiro nacional, a pesca artesanal participa com cerca de 40%, em peso, cabendo à pesca industrial cerca de 60% (PAIVA, 1997) (HAZIN, PEREZ, TRAVASSOS, 2005).

Entretanto, até que se chegasse à adoção das novas definições territoriais marinhas junto a ratificação da III CNUDM pelo governo brasileiro, um longo processo de embate entre os atores nacionais e internacionais ocorreu sobre os direitos pesqueiros na faixa marítima do país.

Como foi visto no capítulo II desta pesquisa, o governo brasileiro iniciou, ainda no final da década de 1960, a ampliação gradativa do território brasileiro com vistas à defesa do interesses nacionais do setor pesqueiro90. Entretanto, desde o início da década de 1950, o território marinho brasileiro convive com a utilização de embarcações estrangeiras para fins de pesca. Segundo Teixeira, Abdallah e Morel (2002), a primeira embarcação estrangeira a ser registrada para esse fim foi o Kaiko Maru no 13, que instalado em Recife, capturou cerca de 150 toneladas de tunídeos em sua saída inaugural, em especial albacoras laje e branca (família dos atuns)91. O modelo de uso dessas embarcações normalmente adotado é, basicamente, o de arrendamento, que é, de maneira simplificada, a celebração de um contrato entre uma empresa estrangeira proprietária da embarcação (arrendante) com uma empresa, indivíduo ou cooperativa brasileira, chamada então de arrendatária. Os formatos de pagamento, divisão de receitas, organização e nacionalidade das tripulações são definidos a partir das diversas restrições modificadas sob os preceitos das legislações de cada período histórico (como veremos a seguir). Nos momentos em que as restrições legais estão ausentes, as relações estipuladas pelas partes arrendantes e arrendatárias tomam os contornos da liberdade comercial.

90 O setor de extração de hidrocarbonetos no Brasil participou bastante deste mosaico de interesses cristalizado em

cada uma das expansões territoriais, mas mais detalhes sobre o assunto serão tecidos na próxima seção.

91 Segundo a Fishitec em 1956 a embarcação japonesa Kaiko Maru no 13 realizou o primeiro esforço de pesca

arrendada no Brasil “Nos 26 dias de sua primeira viagem, o barco capturou 150 toneladas de tunídeos (...) com um índice de 7,7 peixes por 100 anzóis (...) evidenciando o potencial da atividade no Brasil. Nesse mesmo ano, novos acordos possibilitaram a atividade de outras embarcações estrangeiras, com sucesso até 1964, quando questões político-econômicas resultaram no deslocamento desta frota para outras bases do Atlântico Tropical” (FISHITEC, 2003, p. 4).

Segundo Teixeira, Abdallah e Morel (2002), nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, o processo de arrendamento de embarcações estrangeiras inicia-se na década de 1960, utilizando basicamente São Paulo/Santos como seu ponto de desembarque e utilizando barcos de origem japonesa que dominavam a técnica dos espinhéis do tipo long-line. A pesca oceânica realizada por embarcações brasileiras inicia-se somente junto ao período militar, através da utilização de 4 embarcações de madeira com esforço de pesca nos estoques de atuns e afins nacionais sediadas no porto de Santos (TEIXEIRA, ABDALLAH E MOREL, 2002).

Nesse sentido, o decreto-lei nº. 221, de 28 de fevereiro de 1967 92, regulamenta os processos de pesca no Brasil, nos espaços: de Águas interiores, Mar Territorial, Zona de Alto-mar, Zona Contígua e Plataforma Submarina. No artigo 3º, todos os animais e vegetais dessas áreas são de domínio público e no artigo 6º regulamenta, que toda embarcação pesqueira seja nacional ou estrangeira deveria, para operar em tais territórios, deve ser inscrita e registrada pela entidade governamental competente93. Por outro lado, para que uma embarcação estrangeira operasse no Brasil, esta teria que estar em nome de um nacional ou empresa brasileira e sua autorização estar condicionada à aprovação do Ministro de Estado dos Negócios da Agricultura. Também, para que uma embarcação estrangeira operasse no Brasil, qualquer ocorrência de ato infrator seria visto como contrabando (art.9º), tendo que ser a embarcação e seus petrechos apreendidos e ao comandante ser aplicada a legislação penal vigente94 sobre a composição da tripulação, segundo o “Art. 24. Na composição da tripulação das embarcações de pesca, será observada a proporcionalidade de estrangeiros prevista na Consolidação das Leis do Trabalho”95, ou melhor, a proporcionalidade máxima de 1/3 de estrangeiros96.

Um outro ponto crucial instituído por esse decreto lei, que alterou significativamente o uso e apropriação de agentes nacionais sobre a dinâmica de pesca no território marinho brasileiro, foi a instituição do incentivo fiscal no setor. Segundo o artigo 78, “[s]erá isento de quaisquer

92 Encontra-se seu texto na íntegra no anexo XV desta pesquisa.

93 Somente em 1988, que a legislação é alterada aumentando a densidade normativa deste território a luz deste uso

específico, indicando que a SUDEPE, Superintendência de Desenvolvimento da Pesca, seria o órgão responsável por tal registro e indicando os valores das taxas por tipo de embarcação e por modalidade de espécie capturada.

94 Em 1975 este trecho foi substituído por outra legislação, que apresentava que embarcações estrangeiras poderiam

realizar a pesca no Mar Territorial do Brasil (na época já ampliado a 200 milhas) com autorização do Ministro da Agricultura ou através da aplicação da legislação internacional ratificada pelo Brasil.

95 O Decreto no 64.618, de 2 de Junho de 1969, aprova o Regulamento de Trabalho a Bordo de Embarcações

Pesqueiras, para ver esta legislação na íntegra ver anexo XIV desta pesquisa. 96

Quanto à regulamentação de coleta de material de pesquisa este decreto dispõe pelo artigo 32, que “Aos cientistas das instituições nacionais que tenham por lei a atribuição de coletar material biológico para fins científicos serão concedidas licenças permanentes especiais gratuitas”.

impostos e taxas federais até o exercício de 1972 inclusive, o pescado industrializado ou não no país e destinado ao consumo interno ou à exportação” Ainda sobre o artigo 81, temos que:

Art. 81. Tôdas (sic) as pessoas jurídicas registradas no país, poderão deduzir no impôsto (sic) de renda e seus adicionais, até o exercício financeiro de 1972, o máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do valor, do impôsto (sic) devido para inversão em projetos de atividades pesqueiras que a SUDEPE declare, para fins expressos neste artigo, de interêsse (sic) para o desenvolvimento da pesca no país.

Agregados a estes incentivos, segundo o artigo 86, caso qualquer pessoa física realizasse doações para projetos de efetivação de pesquisas, treinamento ou desenvolvimento tecnológico na área de pesca, estas poderiam deduzir os valores doados integralmente de seus impostos de renda. Essas normatizações foram prorrogadas por diversos decretos governamentais e somente foram retiradas da legislação vigente no final da década de 1980. Estas acompanhavam a percepção dos governantes militares que viam o setor pesqueiro como estratégico para o desenvolvimento da indústria de base brasileira.

Dando um enfoque no aproveitamento racional dos recursos pesqueiros do Brasil e embasado na recente ampliação unilateral do Mar Territorial brasileiro até o limite de 200 milhas náuticas em 1970, o governo brasileiro lançou o Decreto nº. 68.459, em 01 de Abril de 197197.

Neste estabelece-se a diferença de zoneamento do Mar Territorial brasileiro para fins de pesca, sendo a primeira zona até 100 milhas náuticas contadas a partir da linha de costa, incluindo as águas insulares e uma segunda zona que chegaria até as 200 milhas contadas a partir do final da primeira. Sob essa divisão definia-se que embarcações estrangeiras somente poderiam realizar a captura de recursos pesqueiros mediante a autorização licenciada pelo governo brasileiro na segunda zona, enquanto as embarcações brasileiras gozariam de liberdade de pesca em ambas zonas de pesca.

No artigo 4º desse decreto, apresenta-se a possibilidade de pessoas jurídicas ou nacionais brasileiros de realizar o arrendamento de embarcações estrangeiras, apontando em seu parágrafo 1º que,

O arrendamento, que não poderá, em hipótese alguma, acarretar situação privilegiada para as embarcações estrangeiras, só será autorizado, desde que se verifique que a operação da embarcação traga efetivo e indispensável acréscimo à exportação ou ao abastecimento de zona deficitária de produção, e será concedido inicialmente por um

prazo de até 1 (um) ano, podendo, em cada caso, ser prorrogado por mais 2 (dois) períodos parciais de igual vigência. (...) § 3º Decorrido o prazo de arrendamento, se não houver prorrogação, a embarcação só poderá continuar a operar, se nacionalizada; o processo de nacionalização deverá ser iniciado dentro do prazo do arrendamento.

Essa disposição normativa indicava uma ampliação real dos direitos soberanos brasileiros sobre um território traçado ainda pelo uso efetivo de embarcações pesqueiras brasileiras e estrangeiras. O estabelecimento de um limite máximo de 3 anos de duração do arrendamento sinalizava a intenção de manutenção provisória da política como estratégia territorial de uso e apropriação dos recursos pesqueiros por atores estrangeiros. Da mesma maneira, essa estratégia territorial, aplicada ainda às embarcações a serem nacionalizadas (no fim do período de arrendamento), não poderiam possuir mais de 5 anos. Com isto, os legisladores/planejadores territoriais evitavam que, junto aos processos de arrendamento, ocorresse uma migração de tecnologias obsoletas das potências pesqueiras.

Por outro lado, se os agentes estrangeiros não aceitassem a estratégia do arrendamento, ainda sim, estava disposto sob o artigo 5º que “as embarcações estrangeiras de pesca sem contrato de arrendamento com pessoa jurídica brasileira poderão exercer atividades pesqueiras no Mar Territorial brasileiro” na segunda zona de pesca posterior as 100 milhas náuticas, mas condicionadas a autorização “do Ministro da Agricultura, ouvido o Ministério da Marinha”. Assim, a exclusão determinada da atuação dos agentes estrangeiros punha-se de maneira clara sobre tais normatizações do território marinho.

No entanto, somente seriam válidas às autorizações após terem sido pagas as taxas de registro junto aos organismos competentes. Ao contrário das embarcações arrendadas, as quais deveriam obedecer os padrões da proporcionalidade assegurado pela Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) sobre a origem da tripulação, as embarcações estrangeiras tinham somente o compromisso de reservar vagas a bordo para que as autoridade fiscalizadoras acompanhassem parcial ou totalmente, as atividades de captura.

Uma vez aprovada a autorização, a embarcação estrangeira pagaria uma taxa de quinhentos dólares para registro e 20 dólares para cada tonelada de pescado capturado e registrado pela embarcação. Mas, segundo o artigo 9º, as embarcações de pesca estrangeiras “sem contrato de arrendamento somente poderão desembarcar o produto da pesca em portos nacionais, em situações especiais e devidamente autorizadas pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE). O transbordo também estaria condicionado a autorização da autoridade

governamental fiscalizadora; no caso a SUDEPE98, corroboradas pela Marinha e pelo Ministério da Agricultura. O papel da SUDEPE também estaria relacionado à capacidade de estabelecer as tonelagens máximas permitidas para captura por espécies salvaguardando a preservação dos recursos vivos no oceano brasileiro.

A adoção dessa política para o uso e apropriação territorial dos recursos pesqueiros brasileiros demonstrava claramente o intuito do Estado militar em afirmar a soberania brasileira sobre as 200 milhas reivindicadas. Dessa forma, o governo exigia que as embarcações estrangeiras arrendadas operassem sob bandeira brasileira. Com isto, o produto de sua pesca geraria divisas para o país. Este exigia ainda a obrigatoriedade da presença crescente da mão de obra brasileira dentro das embarcações e nos processos industriais de beneficiamento. Tais medidas constituíam em uma política integrada que procurava desenvolver o setor pesqueiro brasileiro através do incentivo da transferência de tecnologia, da nacionalização das embarcações arrendadas após o período de 3 anos e da construção de embarcações nacionais para essas atividades.

Junto ao forte impulso das atividades pesqueiras nacionais assentadas na política de incentivos fiscais, identificou-se um processo importante de assimilação de novas tecnologias. Até 1982, centenas de embarcações foram arrendadas e a implementação dessa estratégia territorial possuía grande apoio político e financeiro dos órgãos governamentais.

A produção brasileira de pescado cresceu de 435 mil toneladas, em 1967, para 750 mil toneladas, em 1973, equivalendo a uma taxa de crescimento anual de cerca de 8%. A partir de então, porém, o ritmo de crescimento da produção pesqueira nacional desacelerou de forma signi. cativa. No início da década de 80, a produção pesqueira do Brasil chegou a atingir valores próximos a 1 milhão de toneladas (971.537, em 1985) (HAZIN, PEREZ e TRAVASSOS, 2005, p. 141).

Entretanto, os meios para implantação dos mecanismos de fiscalização dessa política territorial foram bastante deficitários. Apoiado na grande liquidez de capital do mercado internacional e na política de tomada de empréstimos contínuo pelo governo brasileiro, o governo militar não se preocupou em ajustar os valores arrecadados junto aos processos de arredamento, assim como nos licenciamentos de embarcações estrangeiras. Os valores auferidos nessas atividades não refletiam as somas realmente significativas, uma vez comparados aos montantes

98 Manteve-se o mesmo critério do decreto anterior em colocar sobre o rótulo de “crime de contrabando” a realização

ganhos pelas empresas internacionais e brasileiras em parceria com os agentes proprietários das embarcações arrendadas. Os processos de auto-sustentabilidade almejados pelos formuladores dessa política pública, após quase 20 anos de fiscalização pouco austera, ainda se demonstravam frágeis. Essa evidência comprovou-se junto à crise de escassez de liquidez de capital no sistema