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CAPÍTULO 3 ⎪Redes: forma de organização e perspectiva interpretativa

3.6 AS REDES NO ÂMBITO DO TURISMO RURAL

Como foi abordado anteriormente, o produto Turismo Rural integra um vasto conjunto de subprodutos, cuja coordenação e gestão de uma forma integral assume particular relevância no actual contexto sócio-económico (ver secção 2.5.1). De facto, a capacidade de cooperação entre um vasto conjunto de parceiros que directa ou indirectamente estão implicadas no “fornecimento” do turismo constitui um factor chave para a competitividade desta actividade económica.

No entanto, apesar da amalgama de produtos e organizações que actuam de forma interrelacionada, só recentemente a investigação científica começou a estudar o turismo a partir de uma abordagem relacional. Na década de 90 do século passado, os estudos de Stokowski (1992) e de Pearce (1996), desenvolvidos sob uma perspectiva da interacção entre actores, foram pioneiros neste contexto.

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No inicio da década de 90, Stokowski afirmava que apesar da limitada aplicação da perspectiva relacional ao turismo, podiam distinguir-se duas características da literatura nesta área. Por um lado, os estudos centravam a sua atenção mais nas relações de afiliação entre amigos, do que as relações de troca, casuais e de poder e, por outro, os investigadores focavam a sua atenção em redes de turistas individuais, mais do que em redes entre organizações (Stokowski, 1992).

Mais de uma década depois da observação de Stokowski (1992), a literatura científica que aplica a abordagem de redes ao turismo parece ter superado as suas características iniciais. Actualmente são essencialmente duas, as correntes de aplicação emergentes na literatura relacionada com o turismo: a da análise política e a dos estudos organizacionais (Dredge, 2006). Na primeira corrente de aplicação, as redes são vistas como importantes canais para a gestão dos relacionamentos entre público e privado e para o entendimento da governança do turismo (ver Costa, 1996, Dredge, 2006). A partir dos estudos organizacionais, a teoria de redes fornece um quadro teórico útil para o estudo da evolução da rede de empresas e, consequentemente, para o desenvolvimento do produto, do desenho e de oportunidade para o futuro desenvolvimento (ver Pavlovich, 2003; Shih, 2006). Tais aplicações fornecem importantes contribuições para entender como as relações interempresariais são formadas e geridas, e como as complementaridades podem ser maximizadas.

As recentes investigações desenvolvidas por Dredge (2004), Fadeeva (2004), Costa (1996), Pavlovich (2002) e Shih (2006) ilustram a aplicação da abordagem relacional ao estudo de fenómenos turísticos, no entanto, apenas os últimos três autores mencionados aplicam a metodologia própria da análise de redes sociais. Costa (1996) recorre, entre outras metodologias, à ARS para analisar as Administrações Regionais de Turismo portuguesas, partindo do pressuposto de que a eficiência das mesmas depende de uma planificação e de estruturas organizacionais caracterizadas pela flexibilidade, cooperação e horizontalidade (Costa, 1996). Por outro lado, Pavlovich parte da ideia de que as relações entre organizações num destino turístico podem funcionar como um mecanismo de auto-organização, e recorre à ARS para analisar a forma como as redes interorganizacionais são formadas, geridas e evoluem ao longo do tempo num destino turístico na Nova Zelândia (Pavlovich, 2002). Mais recentemente, Shih utiliza a metodologia da ARS para analisar dezasseis destinos turísticos na Tailândia e propor a criação de infra-estruturas e serviços em função das

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características estruturais de cada destino resultantes da sua posição nas distintas rotas efectuadas pelos turistas (Shih, 2006).

Nesta linha de trabalho, pretendemos conciliar estes dois elementos que integram a ARS e que nem sempre têm sido abordados de forma integrada na literatura científica: a estrutura teórica e a metodologia própria da análise de redes sociais. Esta é uma proposta tanto mais inusual quando desenvolvida ao âmbito da gestão empresarial do Turismo Rural.

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3.7 SÍNTESE E REFLEXÕES

Este capítulo analisa as potencialidades das estruturas organizacionais em rede, num contexto sócio-económico onde a competitividade das organizações e territórios depende da flexibilidade e da capacidade de se relacionarem com outros elementos a diferentes escalas. Por outro lado, discute-se a pertinência da análise de redes sociais aplicada ao estudo das estruturas em rede formadas por diferentes organizações.

A “rede” tornou-se, na actualidade, numa das imagens mais sugestivas para descrever um grande número de aspectos em diferentes campos do saber. No contexto deste trabalho as redes são entendidas enquanto estrutura fundamental para a organização económica, social e institucional e, por outro lado, enquanto abordagem para explicar como se estruturam realidades complexas, dois aspectos que nem sempre coincidem nos trabalhos científicos.

As profundas mudanças ocorridas, de forma mais intensa, ao longo das últimas duas décadas - neo-liberalismo, globalização, desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, entre outras - vieram introduzir novas pautas de competitividade ao nível das estruturas organizacionais. Não negando a importância da competição entre organizações ou a racionalidade na forma como estas interagem, as pautas de competitividade actuais conferem primazia a elementos como a flexibilidade, a criatividade e densidade relacional com os elementos que as rodeiam (territórios, organizações, entre outros). Neste contexto, as redes são vistas como estruturas que contribuem para a optimização de recursos (capital, humanos e técnicos, entre outros), para a redução da incerteza, para a legitimação e prestígio externo ou para a aceleração dos processos de aprendizagem e inovação. Estas estruturas organizacionais não estão, no entanto, isentas de desfuncionalidades (morosidade dos processos de decisão, reduzido controle de comportamentos oportunistas, isomorfismo na aprendizagem, entre outros).

Nascida na confluência da antropologia, da sociologia e da psicologia social, em meados do século XX, a análise de redes sociais tem vindo a registar uma significativa expansão, especialmente nas últimas duas décadas. A ARS é uma abordagem que se dedica ao estudo dos padrões relacionais que se estabelecem entre actores de

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distintas naturezas. Aplicada, na fase inicial do seu desenvolvimento, a estudos de redes de pequena dimensão e com fronteiras conhecidas, os avanços matemáticos e estatísticos têm vindo a permitir a sua utilização a problemáticas mais amplas e complexas. Apesar da ARS ser uma das mais importantes temáticas na literatura no campo da organização, esta restringe-se, por vezes, à utilização conceptual desta abordagem, sem recurso à metodologia que lhe é própria.

As transformações sócio-económicas, ocorridas tanto à escala global como local, contribuíram para uma mudança na forma de conceber o desenvolvimento dos territórios rurais. Em concreto, ganham protagonismo abordagens que reclamam um maior aproveitamento dos recursos locais (físicos e humanos) e uma maior capacidade para responder de forma criativa e pró-activa aos desafios da flexibilização, da gestão do conhecimento, da inovação e do desenvolvimento sustentável. Neste contexto, os poderes públicos (a diferentes escalas) têm vindo a incentivar a formação de estruturas organizacionais em rede, com o objectivo de mobilizar para a acção e de optimizar recursos. Embora a formação de redes seja um tema frequentemente abordado na literatura científica relacionada com o desenvolvimento rural, os estudos nesta temática utilizando a perspectiva da ARS não são muito frequentes.

Numa época marcada pela crescente competição entre destinos turísticos, pela volatilidade do mercado e por factores de competitividade que passam, em grande medida, pela qualidade e pela inovação (ao nível do produto, distribuição, promoção, entre outros), o Turismo Rural necessita adoptar formas de organização adequadas e estes desafios. Uma estrutura organizacional em rede apresenta significativas potencialidades para a gestão do destino, ao adequar-se à conjugação dos diferentes sub-produtos e actores que intervêm neste processo, permitindo ainda, um maior controle da actividade (e dos seus benefícios) ao nível local. Apesar das vantagens na aplicação da ARS ao estudo de uma actividade como o turismo, esta só começa a ser utilizada de uma forma mais frequente na última década, ainda que nem sempre aliando a teoria à metodologia própria da ARS.

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O debate neste capítulo centrou-se na importância das estruturas organizacionais em rede, enquanto resposta dada pelas organizações (e territórios onde estão inseridas) aos actuais desafios e, por outro lado, nas potencialidades da ARS enquanto abordagem explicativa (corpo teórico e metodológico) dos padrões de relação estabelecidos entre as organizações. O próximo capítulo abordará as questões metodológicas relacionadas com esta investigação e, em particular, as que se relacionam com o estudo empírico.

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