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Mapa 18 Origem dos Pendulares (2010)

3 FATORES DE SELETIVIDADE DO DESLOCAMENTO DA POPULAÇÃO

3.2 REDES SOCIAIS NA MIGRAÇÃO

Na atualidade, devido a importância relativa assumida pela mobilidade, observa-se que os lugares passam a ser definidos pela condição de mobilidade das pessoas que os ocupam e das redes que elas acessam e movimentam (BALBIM, 2004).

De acordo com Dias (2005), nos últimos anos houve grande difusão da noção de rede num contexto caracterizado pela aceleração de quatro grandes fluxos que atravessam o espaço geográfico, são eles: os movimentos de pessoas ou fluxos migratórios; os movimentos comerciais ou fluxos de mercadorias; os movimentos de informações ou fluxos informacionais; e os movimentos de capitais ou fluxos monetários e financeiros. Todos estes, contidos, durante muito tempo, dentro dos territórios nacionais, e hoje atravessam fonteiras, introduzindo novos problemas gerados pelos sistemas reticulares cada vez mais livres do controle do teritório nacional. Entretanto, segundo Dias (2005), o termo rede não é novo, provém do latim retis, aparecendo no século XII para designar um conjunto de fios entrelaçados, linhas e nós. Já o conceito moderno de rede se forma na filosofia de Saint-Simon, ao fazer uma correlação entre organismo humano e o sistema de redes.

Na atualidade, do mesmo modo que a seletividade na migração é um fenômeno observado pelos estudiosos da temática dos fluxos populacionais, o fenômeno das redes sociais também apresenta relevância para a temática da migração. A diferença está no fato de que a seletividade na migração se relaciona mais fortemente aos processos histórico-estruturais do espaço, a nível macro, enquanto as redes sociais na migração se vinculam aos processos ao nível de indivíduos ou grupos. Segundo Santos (2005), a experiência cotidiana dos emigrantes, suas práticas sociais, suas estratégias e os recursos de que se disponibilizam, assim como as relações de

contato no trajeto da migração, de sociabilidade entre os migrantes e as articulações internas e externas ao seu grupo apresentam-se ausentes nas análises macroestruturais.

Entretanto, vale salientar que ambos os fenômenos não devem ser analisados separadamente, na medida em que tanto a seletividade na migração quanto as redes sociais na migração se formam ou ocorrem antes, durante e depois da ação migratória. Além disso, o fato do processo migratório ser seletivo, ou seja, nem todas as pessoas de um mesmo local de origem migram (TILLY, 1990 apud SANTOS, 2005, p. 54), faz com que um “potencial” migrante busque nas redes sociais e de contato uma forma de facilitar a superação dos obstáculos intervenientes. Santos (2005), ao citar Tilly (1990), explica que as redes sociais na migração devem ser vistas a partir de uma ótica de estrutura comunitária e não apenas por meio de características individuais e que “a organização social dos emigrantes constrange e ou facilita o movimento das pessoas” (TILLY, 1990 apud, 2005, p. 54).

O entendimento do conceito de rede éindispensável para a compreensão das mudanças em um dado território e como elas podem interferir nos fluxos populacionais. Ratzel e La Blacheatribuíram grande importância aoconceito de rede. Ambos tentavam entender a organização do espaço geográfico em suas relações entre o homem com o seu ambiente, e para isto observavam o processo de distribuição e circulação da população pelos diferentes territórios, sendo as técnicas e os transportes os facilitadores das conexões ou redes. Embora houvesse diferenças nas abordagens utilizadas por eles, Ratzel com uma visão mais determinista ou evolucionista e La Blache com uma visão mais possibilista.

Segundo Claval (2011) e Capel (1981), Ratzel em sua Antropogeografia começa discutindo o problema da mobilidade e da migração dos povos, a origem e direção dos movimentos, permitindo, assim, a discussão a respeito dos posicionamentos dos territórios, estes que podem ser centrais ou periféricos. Distingue também as diferenças entre os “povos de natureza” e “os povos de cultura”. Entre estes últimos as técnicas seriam um facilitador da circulação, esta que pode ser considerada como um dos fatores essenciais da organização do espaço. Conforme Claval (2011), os princípios de conexidade e circulação permearam as análises de La Blache que se utilizou do termo gênero de vida para interpretar as diferentes relações dos diversos grupos humanos e o seu ambiente. Ele insistiu no papel da iniciativa humana na transformação das paisagens, no seu ordenamento e na sua valorização. A perspectiva de La Blache foge do determinismo devido justamente ao lugar que atribui aos deslocamentos e a circulação, ou seja, os homens tendem a tirar partido de invenções externas do que inventar novos sistemas.

A deslocalizaçãode atividades industriais14 faz com que toda uma rede de fluxos de

capital, de recursos materiais e humanos se direcione para um novo território onde serão distribuídas essas atividades, gerando toda uma rede global de informações. Conforme Dias (2005), a deslocalização das implantações industriais e a especialização produtiva promovem os fluxos de mercadorias, bens materiais e serviços imateriais, pelos territórios soberanos, gerando fluxos informacionais, estes voláteis e menos controláveis. Em muitos casos, pormeio das redes, o sistema finaceiro se integra à escala mundial.

Nesse sentido, observamos a ligação entre os conceitos de território e rede a partir do processo de circulação de mercadorias, pessoas ou informações. As redes, por exemplo, conectam territórios por meio de transporte e tecnologias de informação, tendo o poder de mudar o espaço geográfico. Segundo Castells (2003), rede é um conjunto de nós interconectados, são estruturas abertas capazes de se expandir de forma ilimitada, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação. As redes constituem a nova morfologia da sociedade, e a difusão de sua lógica modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. Esta lógica gera uma determinação social em nível mais alto que a dos interesses sociais específicos expressos por meio das redes. Nesse sentido, o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder.

Diversas abordagens teóricas sobre fluxos dos mais variados tipos, sejam eles econômicos, de pessoas, virtuais, etc. se utilizam do conceito de redes para explicar a dinâmica desses fenômenos. Na temática sobre fluxos populacionais pelo espaço geográfico, é comum a articulação da categoria território à noção de redes. De acordo com Santos Júnior, Menezes Filho e Ferreira (2005), é necessário ultrapassar o campo de uma única disciplina para compreender a complexidade da mobilidade humana. Para tanto, algumas abordagens se utilizam do termo redes sociais na migração, estas que se formam a partir de redes pessoais que existem antes da ação migratória.

No fenômeno migratório há a presença de fatores que podem facilitar, ao indivíduo ou um grupo, não apenas a inserção no lugar de destino, mas também no seu deslocamento da cidade de origem até seu destino. Segundo Lee (1980), os fatores reais prevalecentes nos locais de origem e de destino não levam tanto à migração quanto a percepção que se tenha a respeito de tais fatores. Assim, é importante estar atento para a existência dos fluxos de conhecimento originários dos locais de destino para os de origem. Estes fatores possibilitam a aquisição de informações acerca do local de destino, e até mesmo de origem, quando o migrante, por tomar

conhecimento de condições vantajosas, decide retornar, muitas vezes, também, levando parentes e amigos do local de destino para o de origem. Isto, no entanto, depende muito dos contatos pessoais que o migrante venha a ter, por intermédio de parentes, amigos ou companheiros.

Para Fazito (2002), regiões se conectam através de fluxos de ordens variadas; pessoas migram através de uma “instituição invisível”, que são as redes familiares ou pessoais; o contato com indivíduos e canais responsáveis pela facilitação da viagem. Estes seriam exemplos da existência de uma rede social da migração (FAZITO, 2002).

Entretanto, Fazito (2002), em seu estudo “A Análise de Redes Sociais (ARS) e a Migração: mito e realidade”, deixa clara a necessidade de diferenciar rede social na migração de rede migratória. Segundo ele:

[...] é preciso diferenciar a “rede social na migração” da “rede migratória” propriamente dita. Quando se fala de “rede migratória”, na perspectiva da ARS, especifica-se um tipo de rede social que tem como elementos fundamentais os fluxos populacionais trocados por regiões ou territórios que compõem um sistema social. No caso das redes sociais na migração, salienta-se o conteúdo e diversas dimensões das relações sociais que participam no processo social da migração. (FAZITO, 2002, p. 14).

Devido à noção de redes sociais na migração ser mais facilmente compreendida a partir de uma perspectiva micro, centralizada nas ações e interações individuais, ocorre o equívoco frequente de identificá-la com as “redes interpessoais” (FAZITO, 2002).

Nas relações sociais de migrantes, é comum entrar a ajuda e solidariedade dos migrantes mais antigos, da área de destino, para os recém-chegados. E são estas redes, na maioria das vezes, que encaminham os migrantes aos mercados de trabalho.

Segundo Fusco (2002), a migração é um processo criador das redes sociais, na medida em que desenvolve uma densa gama de contatos entre locais de origem e destino. Nesse sentido, a rede social é um sistema dinâmico repleto de canais por onde passam informações, dinheiro, solidariedade e pessoas. As redes sociais mostram locais onde o migrante pode se beneficiar com a presença de pessoas conhecidas que já estão incorporadas no lugar, e com informações indispensáveis para sua entrada nomercado de trabalho.

Em outro estudo o autor afirma que um dos mecanismos que promove a circulação de recursos pelas redes sociais é a reciprocidade como norma de comportamento:

[...] a ajuda para encontrar hospedagem, por exemplo, não necessariamente é fornecida pelos laços sociais fortes: se um parente fornece essa ajuda, elepode hospedar o migrante em sua própria residência, ou, ainda, fornecerinformações ou

indicações de possíveis locais, nos quais outros imigrantes devam algum favor àquele parente, ou ainda a outro imigrante. O mesmoocorre para a ajuda na obtenção do primeiro emprego. (FUSCO, 2007, p. 274).

E a ajuda ou solidariedade vai além de contribuições sobre informações de moradia e trabalho, chegando, às vezes, a ajuda com custos financeiros, que podem ir da viagem à hospedagem. Os antigos apóiam os mais novos, tanto materialmente, quanto com oportunidades de trabalho. De acordo com Singer (1980), torna-se importante considerar que laços de solidariedade familiar, que refletem situações de classe social, desempenham um papel de suma importância na interaçãodo migrante à economia e à sociedade de destino. Nesse sentido pode- se considerar que as redes sociais se tornam, muitas vezes, um mecanismo de sustentação dos fluxos migratórios, uma vez que são uma motivação a mais para a migração.

Segundo Fusco (2007), quando alguns migrantes pioneiros se estabelecem, após enfrentarem os custos e os riscos, há o primeiro estágio de um fluxo maior. Entretanto para que se dê uma evolução desse processo é necessário que os pioneiros mantenham e cultivem os laços sociais com o de origem. O deslocamento de alguns migrantes, juntamente com suas redes pessoais, associado à ampliação dessas redes no local de destino faz com que se inicie o processo de expansão da migração, pois os demais membros do grupo original do migrante passam a ter mais contatos no destino, configurando-se como potenciais fontes de recursos. Esse aumento do alcance das redes sociais amplia a esfera de inclusão para potenciais migrantes.

Diante do exposto, podemos observar que as redes são importantes nos estudos sobre migração, uma vez que conectam, primeiramente, potenciais migrantes com migrantes, e como consequência disto conectam migrantes com territórios diversos, nas mais diferentes escalas espaciais. Ou seja, existem vários tipos de deslocamentos populacionais em escalas diferentes, que vão desde a migração internacional ou fluxo internacional de pessoas, observados emnível global, até migração ou fluxos populacionais entre regiões geográficas e entre territórios ou unidades políticas administrativas de um mesmo país, a exemplo dos deslocamentos inter- regionais, intra-estaduais e intermunicipais.