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3. A Redução da Jornada de Trabalho

3.3. A redução do tempo de trabalho: Trabalhar menos para trabalharem todos

Contre nous de la tyrannie, l'étendard du temps est levé

versão de Guy Aznar para La Marseillaise Segundo Aznar, para que os ganhos de produtividade possam ser convertidos em ganhos à sociedade e aos indivíduos de maneira generalizada, a irreversível diminuição do nível de emprego deve passar a significar não a inexistência de postos de trabalho para determinado número de pessoas, mas uma redução das horas totais trabalhadas, redistribuídas por entre todos os trabalhadores, de forma a romper com a polarização, própria do dualismo da sociedade industrial avançada, com o excesso de horas trabalhadas por uns e da ausência plena de emprego para outros.

Eu considero que a única forma de crescimento sustentável que tem um sentido é a que repousa numa redistribuição do trabalho, entre nós. Isto é, num modelo de sociedade que não desenvolve de forma indefinida a produção de mercadorias mas converte em parte os ganhos de produtividade em benefício qualitativo: o tempo livre. (AZNAR, 1993, p. 56).

A proposta do autor, portanto, consiste no desenho de um sistema de repartição do emprego e do desemprego, sustentado por um mecanismo de redistribuição dos rendimentos entre trabalhadores ativos e inativos. O que concede ímpeto a seu plano são precisamente as proporções que o volume de desemprego de forma geral e o volume de desemprego oculto pelo trabalho precário montam, que tornam alguma nova forma de ação eminentemente necessária. A diminuição do volume de emprego, pois, não é apenas um declínio conjuntural: trata-se de uma trajetória histórica, em nível societário. Os ganhos de produtividade são permanentes e, em termos lógicos, irreversíveis, segundo a postura do autor. Em termos conjunturais, apenas os níveis de produção oscilam em torno de uma média móvel crescente; os empregos perdidos pelo progresso técnico não retornam. (AZNAR, 1993, 24;36-7).

Seu projeto, portanto, visa a suprimir o desemprego. Mas esta é apenas sua meta operacional: seu objetivo final é efetivamente transferir à sociedade como um todo os benefícios ao mundo do trabalho que o desenvolvimento tecnológico ímpar da terceira revolução industrial propicia, sob a forma da diminuição do tempo de trabalho e de aumento

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do tempo de existência fora do âmbito do trabalho, para todos os indivíduos. (AZNAR, 1993, p.17;24).

A fórmula usada como ponto de partida pelo autor, 𝑃 = 𝑥𝑇, pois, ainda é passível de uma nova interpretação. Posto que a produtividade x é tal que torna o montante de tempo de trabalho T cada vez menos significativo; e que o produto P já é demasiado grande e, por isso mesmo, de crescimento de difícil sustentação, a terceira saída é precisamente reduzir o quanto o tempo de trabalho T representa em relação ao tempo total da vida das pessoas. “Ficando entendido que globalmente, uma vez que a quantidade de trabalho deve diminuir, ela não deve findar para uns e aumentar para outros, mas diminuir para todos de forma

infinitamente variável”. (AZNAR, 1993, p. 103, grifo nosso).

Mas, Aznar lembra, um esforço do gênero, além de requerer transformações políticas e econômicas, depende, acima de tudo, de uma “mutação cultural”, uma “revolução nas ideias”, um “choque psicológico”, bem como, em termos sociais, fundamentalmente uma “mobilização coletiva”. (AZNAR, 1993, p. 17;24). “O objetivo aqui perseguido não é o de suprimir o trabalho, é de reencontrá-lo, reinventá-lo, e, na medida em que diminui, organizar de forma equânime a repartição deste bem precioso” (AZNAR, 1993, p. 26). O autor enxerga suas proposições como revolucionárias porque

a revolução é nos deixar gerir livremente nosso tempo, desde a idade em que se sente vontade de fazer movimento até a idade em que se tem vontade de sentar-se ao sol, as duas idades fixadas livremente segundo nossa decisão, não controladas como uma música militar, mas orquestradas por cada um à sua maneira, com solos, coros, allegros, andantes e fugas. A nova revolução é a da fluidez e da liberdade. (AZNAR, 1993, p.27).

Para o autor, as ideias de rejeição, de exclusão, de morte social, que o desemprego – e até mesmo a aposentadoria – traz consigo são resultado da concepção mesma que a sociedade industrial tem acerca do trabalho e do tempo de trabalho. “Porque os únicos conceitos disponíveis são os de trabalho e de descanso, um tempo não ocupado é assimilado ao mesmo tempo ao tempo do sono ou ao tempo da morte”. A mecânica social, pois, impõe esta diferenciação específica, coadunando o tempo livre como tempo vazio e somente como secundário, profilático, ao tempo de trabalho. Esta, para Aznar, é o verdadeiro ganho que os ganhos de produtividade representam: a libertação do tempo de vida humano do tempo de trabalho, dadas as condições materiais que a civilização ocidental capitalista foi capaz de constituir ao longo de sua história. (AZNAR, 1993, p. 100-1). “O objetivo não é, portanto, suprimir o trabalho, é de encontrar, de reinventar e, na medida em que diminua, de organizar

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socialmente, de forma justa, a repartição deste bem precioso.” (AZNAR, 1993, p. 87). Mas repartir, lembra o autor, não significa reduzir a parcela do bolo que cabe a cada um. O que diminui não é o bolo, mas o tempo necessário para produzi-lo. Faz-se necessário, para tanto, dissociar os mecanismos de distribuição da riqueza do tempo necessário para fabricá-la. (AZNAR, 1993, p. 25), “(...) uma vez que é melhor repartir, partilhar a carga, mas também os benefícios de uma atividade que traz um rendimento, um status, uma inserção social, que proporciona o conhecimento, o dinheiro, o poder a todos aqueles que estão ao redor da mesa.” (AZNAR, 1993, p. 27).

A redistribuição do tempo de trabalho, para o autor, traz consigo três vantagens. A primeira delas, e a mais imediata, é a remoção da imperativa centralidade do trabalho, se assim desejado, sobre a vida. “Acordar cedo de manhã, voltar tarde à noite, de segunda a sexta, de 1º de Janeiro a 31 de dezembro, dos vinte aos sessenta anos, precedido por estudos sobre o trabalho, seguido de uma aposentadoria do trabalho, o princípio trabalho invade a vida por completo” (AZNAR, 1993, p. 98, grifo no original). Nesta forma de organização, os tempos intersticiais, de não-trabalho, em verdade são tempos para preparar-se novamente para o trabalho – especialmente os tempos de lazer. A centralidade do trabalho – e não qualquer trabalho, mas um socialmente necessário conforme os ditames do mercado de trabalho – é tamanha que não se favorece, nem no tempo livre, o exercício de qualquer outra atividade integrada.

A segunda vantagem, e em continuidade com a primeira, advém do fato de não se desmontarem as estruturas produtivas presentes, as quais garantem o bem estar material da sociedade. Não se trata, pois, de uma abolição do trabalho, mas de sua redistribuição. O fim do trabalho integral não é o fim do trabalho, apenas uma relativização de seu caráter integral, a qual tende a tornar-se ritmo para a própria vida – “oito horas por dia diante de um robô”. É este aspecto, ademais, o fundamento da crítica do autor às propostas de salário social. A produção material não pode parar. Encorajar de forma unilateral e sem contrapartidas a saída do sistema produtivo, em direção a atividades secundárias, interessantes e engajadas não sustentaria a produção e a produtividade que tornam possível precisamente a redução do tempo de trabalho. Trata-se, segundo o autor, de um perfeito estímulo justamente à exacerbação do caráter dualista da sociedade industrial avançada. “Mesmo se as riquezas da sociedade fossem infinitas, mesmo se o tempo de trabalho necessário se tornasse irrisório, ele deveria sempre, segundo nossa opinião, e de toda forma, ser dividido.” (AZNAR, 1993, p. 99).

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Em terceiro lugar, por fim, e a principal vantagem da proposta, é a de simplesmente liberar tempo, em qualquer regime que seja: meio período, final de semana de três ou quatro dias, ou a preservação do tempo integral com anos sabáticos em maior frequência, etc.

O novo tempo liberado, por seu volume (...) e por sua não determinação, tem uma natureza totalmente nova. Enquanto o tempo de lazer era determinado pelo trabalho do qual era a válvula, integrado na organização social, o novo tempo livre oferece perspectivas inéditas. É o tempo de uma forma de liberdade que o homem jamais conheceu, não determinado pela organização social, não determinado pela imposição econômica e pelo trabalho. (...). E lógico que se deve ter consciência das armadilhas do tempo livre. É uma aventura nova diante da qual estamos todos desarmados. Conhecíamos até aqui o tempo do trabalho, o tempo dos estudos, o tempo de lazer, o tempo da aposentadoria e eis que nos vemos diante de um conceito novo, o tempo para uma função não determinada. (AZNAR, 1993, p. 99-100).

Para Aznar, a organização da redistribuição do emprego e das riquezas produzidas sem trabalho é passível de ser levada a cabo por dois mecanismos: o rompimento da norma e a implementação de “uma ferramenta redistributiva das riquezas mecânicas e robóticas.”. Romper a norma consiste em justamente redesenhar a organização temporal do trabalho na sociedade: “reivindicaremos a revolução dos horários que consiste, em primeiro lugar, em romper as grades napoleônicas de emprego do tempo que nos encerram em um único modelo de emprego”, contra o arcaísmo da sociedade organizada segundo ritmos coletivos homogêneos, ainda sob a mesma lógica da linha de montagem, revolucionária para 1913. Esta forma de organização, além do mais, é ineficiente: utilizam-se estradas, ruas, espaços, serviços, utilidades e equipamentos todos ao mesmo tempo, todos no mesmo ritmo, todos na mesma fila, apenas para serem deixados desocupados durante a outra metade do dia. “Uma vez que o eixo central de nosso projeto é diminuir o tempo de trabalho dos ativos, seremos então inúmeros, em certos momentos da nossa vida, a trabalhar em tempo parcial”. E, por parcial, o autor se refere à própria norma que é tomada como parâmetro. Não se trata, pois, de impor o meio período a todos, novamente de modo uniformizante, mas de ressignificar o próprio conceito de tempo de trabalho. (AZNAR, 1993, p. 101-2).

O exemplo utilizado pelo autor é o de uma comporta entre duas caixas estanques, cada uma representando uma esfera da sociedade dualista. De um lado, a parcela da população empregada, integrada e auferindo renda, a trabalhar oito ou mais horas por dia em um emprego formal e com direitos garantidos. Do outro lado, a população marginal, pouco

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integrada, em funções precárias e de baixa remuneração, com empregos informais, em desemprego oculto ou simplesmente desempregadas. A intenção do autor é abrir a comporta que as separa, de modo voluntário, gradual, individual e com bases apenas caso a caso, para permitir que os quesitos tempo de trabalho, qualidade do emprego, remuneração, integração à sociedade, formalidade, seguridade e qualidade de vida se distribuam de forma mais fluida, e de modo que, em oposição a um indivíduo trabalhar e o outro não ter emprego e renda, se conduza à situação em que “tanto um como o outro trabalh[e]m, globalmente em sua vida, duas vezes menos, segundo modalidades e ritmos variados.” (AZNAR, 1993, p. 98).

O que o autor intenta ao insistir no conceito de ressignificação é deixar claro que reduzir a jornada de trabalho não significa simplesmente reduzir o dia de oito para quatro horas diárias, de quarenta horas semanais para vinte. Tampouco significa que o tempo de trabalho deve ser reduzido necessariamente à metade. O que o autor sugere é que se reorganize o próprio conceito de tempo de trabalho, conforme a natureza das atividades envolvidas e conforme o equilíbrio desejado, em termos individuais, entre horas de trabalho e rendimento. Desta forma, é possível que um empreendimento opere vinte e quatro horas por dia, com, por exemplo, seis turnos de quatro horas; ou ainda que um trabalhador, seguindo seus próprios desígnios, opte por não ter seu tempo de trabalho reduzido, trabalhando oito horas por dia, mas que, ao fim de um semestre, possa escolher deixar de trabalhar por um semestre. As possibilidades de reorganização são infinitas, e o autor oferece apenas alguns poucos exemplos: trabalhar quatro dias por semana, em um total de 32 horas, “(...) em uma empresa que funciona seis dias em sete para melhor rentabilizar seus equipamentos e que contratou uma segunda equipe que trabalha três dias por semana”; “(...) trabalhar seis horas por dia em vez de oito horas numa empresa que fazia 38 horas e que recebeu permissão para criar uma quarta equipe”; “(...) trabalhar quatro anos sem levantar o nariz e tirar um ano sabático sabiamente economizado”; “(...) trabalhar meio-tempo durante cinco anos, porque as crianças nos tomam tempo, antes de tornar-se chefe da empresa (...).” (AZNAR, 1993, p. 104).

Ademais, tratando-se de um esforço de toda a sociedade, toda a esfera econômica pode vir a ser reorganizada: redes de logística e de distribuição, a duração da oferta de serviços e do funcionamento de estabelecimentos, tempos de entrada e saída e de fluxo de pessoas e mercadorias. Questões como o tráfego de veículos nos horários de pico ou a oferta de serviços para além do intervalo das nove da manhã às cinco da tarde também seriam parcialmente aprimoradas. Este aumento de flexibilidade permite, ainda, que se melhor

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utilizem os bens de capital instalados, a ponto de tornar as atividades produtivas não apenas mais rentáveis, como também mais produtivas, liberando assim ainda mais tempo.

Por fim, para o autor, romper com a norma do tempo integral de oito horas por dia, quarenta horas por semana, cinco dias por semana, já representa por si só uma solução parcial ao desemprego, em favorecimento à mobilidade. O desemprego, para o autor, pois, não é somente um problema de estoque, ou seja, pelo fato de o número de empregos oferecidos ser menor que a oferta de trabalho.

(...) este fenômeno é agravado pela lentidão, pela viscosidade do fluxo devido à rigidez da norma que reforça os comportamentos conservadores. Os que têm emprego se agarram, se protegem por estatutos rígidos e muralhas de vantagens adquiridas. Aqueles que não têm emprego sofrem principalmente com a longa duração da inatividade. (AZNAR, 1993, p. 104).

Em termos mais pragmáticos, a estratégia de Aznar para a repartição do tempo de trabalho é composta por três mecanismos: a redução do tempo de trabalho; a repartição do

desemprego e o trabalho em tempo escolhido. E, como mecanismo de redistribuição da

riqueza produzida socialmente, o autor desenvolve o conceito de segundo cheque.

Sua proposta de repartição consiste em estabelecer, grosso modo, um sistema de irrigação: comportas e eclusas financeiras e trabalhistas que permitam a redistribuição do tempo de trabalho e da riqueza. Cada um de seus três mecanismos é dedicado para situações específicas, com finalidades específicas. A redução do tempo de trabalho tem como finalidade “(...) propiciar que o conjunto de assalariados de uma empresa ou do país trabalhe menos em virtude da diminuição coletiva da duração do trabalho, sem redução do rendimento”, ou seja, diz respeito à redução absoluta do tempo de trabalho, com a perda proporcional da remuneração, em comparação ao padrão anterior de oito horas, mas compensada total ou parcialmente com o pagamento do segundo cheque. A repartição do

desemprego consistiria na permissão, “(...) a certos assalariados, numa situação de crise

excepcional, com duração limitada, ter diminuídos seus salários para evitar o desemprego de outros assalariados da empresa.” Trata-se da transferência, de forma melhor distribuída à coletividade, do fardo dos períodos de baixa em termos de emprego e renda – o qual, na presente forma de organização, recai de forma exclusivamente individual. O tempo escolhido, por fim, permitiria às “(...) pessoas, livremente, voluntariamente, sob as formas mais variadas, diminuir seu tempo de trabalho com uma redução de salário, compensada parcialmente. É uma negociação que simboliza uma arbitragem individual em favor do tempo com relação ao dinheiro”. (AZNAR, 1993, p. 96-7).

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Vale lembrar que o objetivo do autor não é, por meio destes mecanismos de redistribuição do emprego, resolver o problema do desemprego. Seu movimento é anterior: visa “criar um espaço novo de liberdade para todos”, e, por isso, deve ser analisado, criticado e avaliado em termos deste objetivo. A geração de novos postos de trabalho em tempo parcial é um efeito secundário, colateral, mas extremamente benéfico. Nas palavras do autor: “é um projeto político e social ambicioso, otimista, que propõe a cada indivíduo realizar um equilíbrio (variável, móvel e livre) entre a participação em um universo produtivo e a disposição de um espaço aberto de liberdade.” (AZNAR, 1993, p. 97).

O segundo elemento central à proposta do autor, além da reconceituação e reorganização do tempo de trabalho, é a reestruturação das fontes de rendimento. Não cabe, pois, aumentar os encargos e os custos das empresas, tampouco os recursos do Estado e a tributação. O problema, na forma apresentada pelo autor, é o que segue:

Na medida em que não há trabalho para todos e uma vez que o trabalho se constitui em direito fundamental dos cidadãos, procurar novas modalidades de

repartir, respeitando as diversidades das escolhas, sem custo suplementar para a empresa e para as finanças públicas, sem perda do rendimento pago ao assalariado. (AZNAR, 1993, p. 106, grifo nosso).

O instrumento desenvolvido pelo autor como solução para o problema posto, por sua vez, é o segundo cheque: uma indenização pela redistribuição do tempo de trabalho. Trata-se de uma fonte de renda complementar ao salário – não de um subsídio governamental, que usualmente corresponde à atenção a uma necessidade social específica, nem de um seguro desemprego ou a um mecanismo que se assemelhe à Renda Básica, os quais destinam, de forma geral, às pessoas privadas de trabalho. Complementar porque “(...) o segundo cheque é sempre a contrapartida de uma participação no trabalho do sistema industrial”. (AZNAR, 1993, p. 99). Consiste, rigorosamente, de uma forma de remuneração adicional, indireta, paga não pelo contratante, mas pela coletividade - como mecanismo de contabilização e rentabilização, ao trabalhador, dos ganhos de produtividade tornados possíveis não apenas pelo desenvolvimento tecnológico, mas pela própria organização social em torno do trabalho. (AZNAR, 1993, p. 106).

Ou seja, o segundo cheque consiste na oferta de um prêmio aos voluntários à redução de seu tempo de trabalho, com a finalidade de compensar a perda salarial que a redução das horas trabalhadas traz consigo e de forma que a redistribuição do tempo de trabalho não acarrete aumento dos custos para o empregador. O trabalhador a meio período passa a receber meio salário, mas a esta remuneração se agrega um prêmio que compensa,

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ainda que em parte, a parte perdida do salário total. Com um exercício numérico simples Aznar expõe a lógica de seu mecanismo:

Consideremos dois assalariados A e B que trabalham na mesma oficina de uma empresa com salários equivalentes. A empresa é levada a reduzir os empregos. A solução atual consiste em dizer que: A continua com seu emprego, B é dispensado e se inscreve no desemprego. Suponhamos que A trabalhe 40 horas e ganhe 400, B trabalha zero horas e recebe a indenização por desemprego, ou seja, na base de 60%, 240. Total para os dois: 640. No sistema de recompensas para os voluntários ao trabalho reduzido, supõe-se que A e B decidam repartir seu trabalho. Cada um trabalha meio-tempo e recebe 200 mais 120, ou seja, no total, 640. Globalmente, para vinte horas por semana, cada um recebe 80% do antigo salário. Observemos que há uma neutralidade econômica para a empresa e a coletividade. (AZNAR, 1993, p. 120).

Segundo as concepções clássicas de teoria econômica, a renda que cabe a cada fator de produção é a contrapartida da contribuição do fator na produção, de que forma que o salário, renda do fator trabalho, equivale à produção marginal de cada unidade de trabalho. Mas, o que Aznar observa, mesmo no início da década de 1990, é a “ruptura do vínculo

mecânico entre tempo de trabalho produtivo e produção”: “é impossível determinar a parte de

cada um no custo total.” (PASSET, s.d., apud AZNAR, 1993, p. 107). “Não é mais possível valorizar com precisão a produtividade do trabalho nestas oficinas flexíveis com fabricação assistida por computador que só requer alguns supervisores. Em um sistema robotizado, para passar de um volume de trabalho a outro não é preciso mais trabalho.” (AZNAR, 1993, p. 107).

Para o autor, continuar a determinar o salário completamente pela produção, a renda pelo tempo de produção, é anacrônico, fruto de uma relação determinada, localizada no tempo – no século XIX -, entre trabalho, produção e salário. Insistir em sua sustentação conduz a aberrações ainda maiores no mundo do trabalho. A noção de salário, que assumiu a forma de salário mensal, segundo o autor, “foi uma ideia interessante que correspondeu a uma certa civilização industrial.” O desenvolvimento desta civilização, contudo, demanda novos conceitos e novas formas de organização, de maneira a “assegurar a redistribuição das riquezas produzidas coletivamente, com homens a menos e muitos robôs”. (AZNAR, 1993, p. 107-8).

Empurremos este cenário ao seu limite: suponhamos que dentro de alguns anos não tenhamos mais pela frente 3 milhões de desempregados, mas, ao contrário, que nosso sistema produtivo funcione com apenas 3 milhões de ativos (...). Vamos

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